Evolução é um tema muito polêmico por mais estudada que possa ser. Mesmo para biólogos, essa área de estudo pode causar debates bem acalorados, com visões completamente diferentes. Imaginem só para leigos, como o ator Paulo Betti, que está lançando uma peça chamada “A tartaruga de Darwin”. Ouvindo sua entrevista na rádio Band News, Paulo comete o comum erro de achar que evolução é algo com um fim (propósito) específico. O ator explica que estamos vivendo cada vez mais (aumentando nossa expectativa de vida) por causa da evolução e tendo que lidar com doenças causadas pela idade avançada. E o pior, ainda diz que é como a Teoria de Darwin previu. Porém, a seleção natural atua somente sobre características que se manifestem antes ou durante o período de reprodução, pois a questão é deixar o máximo de descendentes possível. Bem, a peça é uma comédia (deve ser por isso que ele já está fazendo piada desde agora) e não deve ter contado com um consultor da área. É uma pena.
Mas por que comecei com essa história toda? Foi um fato bastante curioso que li no ScienceNOW. Pesquisadores britânicos encontraram duas espécies bem diferentes de pássaros que desenvolveram o mesmo tipo de canto de territorialidade. Mas o que é isso? Alguma espécies de pássaros são territorialistas, isto é, protegem uma área que funciona, dentre outras coisas, como seu supermarcado. Eles se alimentam de vegetais ou pequenos animais que habitam essa localidade. Mas, normalmente, o que é encontrado são padrões de cantos diferentes para cada espécie. Machos da mesma espécies tendem a competir por territórios, pois como tal, acupam exatamente mesmo nicho ecológico.
H. subflava no canto esquerdo do tatame e H. peruviana no lado direito
Neste caso, as duas espécies de pássaros ocupam habitats diferentes. A Hypocnemis subflava prefere áreas de bambuzais, enquanto a Hypocnemis peruviana prefere áreas de floresta densa e alta. Os pesquisadores chegaram a pensar que o X da questão era que nós não conseguimos distinguir pequenas variações entres os dois cantos. Com isso bolaram um experimento, onde o canto de 150 indivíduos de cada uma das duas espécies foram gravados e, além disso, o canto de outras espécies mais aparentadas a cada uma dessas duas. Em seguida, botaram indíviduos das duas espécies em questão para escutar os cantos, tanto uma da outra, como das outras espécies mais próximas a cada uma das duas. Qual foi o resultado? Tanto a H. subflava, quanto a H. peruviana assumiram postura de briga quando escutaram o canto tanto uma da outra, quanto de indivíduos da sua mesma espécie. Entretanto, as duas não deram a mínima para o canto das espécies próximas. Conclusão, o canto realmente é o mesmo.
Os pesquisadores imaginam que a evolução convergente deste mesmo padrão de canto aconteceu pois é não é incomum sobreposição dos habitats destes pássaros, com isso, a convergência de cantos espantaria tanto índividuos da mesma espécie, quanto indivíduos da outra espécie na luta por recursos. O interessante é que os os cantos de acasalamento (para atrair fêmeas) não acompanham o mesmo padrão, eles são diferentes. Eles podem competir pelo mesmo território, porém não por fêmeas da sua espécie. Isto é, a competição por território e interespecífica e a por fêmeas é intraespecífica.
É Paulo…. as coisas são um pouco mais complicadas do que podemos imaginar. Mas nem por isso devemos desistir de tentar entender. Evolução é que nem futebol, todo mundo acha que entende um pouco. Mas não é por isso que qualquer um pode treinar a seleção brasileira.
Fonte: ScienceNOW
Oi Breno...
Também conheço um pouco de aves, trabalho diretamente com isso a mais de 10 anos (meu doutorado foi com sistemática - posição filogenética dos abutres do novo mundo; mas hoje em dia faço trabalhos de levantamento e relatórios de impacto ambiental por todo país, na parte de avifauna)...
Apesar de os cantos de atração de fêmeas e territoriais (muitas vezes idênticos) serem bastante espécie-específicos como vc deu exemplos muito bons no seu comentário, é comum sim a resposta de aves a cantos diferentes.
O motivo disso é muito discutido e na verdade podem ser mil explicações diferentes ao mesmo tempo (um exemplo, espécies diferentes que ocupam e disputam os mesmos nichos e recursos e aprendem os cantos territorias das outras).... em Thamnophilideos com cantos extremamente parecidos (Hypocnemis, Myrmeciza, Myrmotherula, Epinecrophyla e muitos outros gêneros) vc pode tocar um canto de uma espécie e outra diferente aparece respondendo!! Eu já vi muitas vezes acontecer e pode perguntar pra outros ornitólogos que confirmarão pra vc!!
Esses bichos com cantos elaborados utilizados em torneios e coisas afim (Oscines) é mais difícil de acontecer mesmo e além de tudo existe o componente de aprendizado e experiência individual nesses casos, tornando tudo mais complicado!!hehehe
Mas como vc disse, o comportamento desses bichos é altamente diverso e complexo, não existindo uma regra geral e por isso devemos sempre considerar todas as possibilidades nas nossas hipóteses!!
E vc tem razão, quando mais conhecemos as aves mais fascinados por elas ficamos!!
Muito bom post e discussão!!
Abraços
Caro Guilherme,
sobre retenção, não sou especialista no assunto, mas pode ser sim. Apesar de em nenhum momento essa possibilidade foi levantada. Claro que isso não quer dizer que ela não seja válida, pelo contrário.
Sobre os cantos, e por eu conhecer um pouco de aves, não concordo que seja tão comum essa respostas entre espécies diferentes. Cantos para demarcar território são extremamente específicos, tanto que o homem se utiliza disto para competição esportiva (coleiros, curiós, trinca-ferros, etc...). Já o canto para acasalamento, mais ainda. Este não vejo nem o porquê de comunicação entre espécies diferentes. Concordo que alguns cantos de alerta (principalmente contra aves de rapina) são entendidos por espécies diferentes. Mas pássaros são complicados mesmo, por isso gosto tanto.
Obrigado pelo comentário
abraços
Na verdade temos que tomar cuidado com essas interpretações!!!
Como são espécies do mesmo gênero e considerando estas fazerem parte de uma linhagem monofilética podemos estar lidando com uma retenção de caráter ancestral e não uma convergência!!
O ancestral comum e hipotético destas duas espécies poderia possuir este mesmo canto de alarme/defesa de território que ao longo do tempo e pelo acaso não se modificou e manteve-se nestas duas entidades!! Para verificar isso devemos otimizar tal caráter numa filogenia do grupo em questão!! E obviamente não deixa de continuar um assunto interessantíssimo!!
Outra coisa...é extremamente comum aves responderem chamados, alarmes e cantos de espécies completamente diferentes!!