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Trabalho em uma empresa que produz material didático de ciências para alunos do ensino fundamental. Esse material consiste de livros para cada série e um conjunto de componentes que serão utilizados na parte prática. Mas o importante é que este projeto está sendo implementado em escolas municipais e, com isso, tenho acompanhado algumas unidades escolares para ajudar nesse processo.

Em algumas visitas, observamos aulas ministradas pelos professores. Assim, podemos dar um retorno sobre possíveis intervenções que ajudam no andamento do conteúdo a ser dado. E foi em uma destas visitas que tive uma linda surpresa. A aula era dada para o 3° ano (antiga 2° série do primário) e tinha como tema tipos de solo. Na abertura da aula, os alunos fazem uma lista do que eles acreditam que podem encontrar quando analisarem uma amostra de solo e, em seguida, eles analisam (com o auxílio de uma lupa) uma amostra de terra de jardim. Eles viajam no que podem (ou desejam: escorpião, cobras…) encontrar no solo e, depois, são confrontados com o que realmente encontram.

No decorrer do prática, a professora perguntou: o que um cientista faz? Isto porque ela queria ver se os alunos conseguiriam refletir sobre as atividades que eles próprios realizaram. Eles pensaram sobre um assunto, fizeram hipóteses do que e do por quê poderiam encontrar no solo, analisam uma amostra e, finalizando, confrontavam com o que eles encontraram. Neste momento, uma aluna, no alto dos seus 10 anos de idade, responde a professora:

Poxa professora, o cientista observa uma coisa, pensa sobre ela, depois
ele faz uma experiência. Aí ele confirma ou não o que tinha imaginado!”

Isso mesmo! 10 ANOS DE IDADE! De uma escola MUNICIPAL do Rio de Janeiro. Ela consegue descrever, simplificadamente, as etapas do pensamento científico. Coisa que alguns estudantes universitários, mestrando, doutorandos e professores universitários já esqueceram ou não são capazes de refletir sobre isso. Mas em que momento isso se perde? Qual caminho, entre essa garotinha de 10 anos e um pesquisador, é trilhado para que se perca essa reflexão?

Será que é um ensino fundamental que mata a criatividade de qualquer criança, tentando encaixá-las em moldes do que o mundo “corporativo” precisa? Ou será que um ensino médio adestrador para o vestibular (fórmulas, musiquinhas para decorar conteúdos simulados e outros dispositivos empobrecedores de gênios)? Ou será uma universidade distante do que a sociedade necessita da carreira (por exemplo, uma Biologia voltada para pesquisa acadêmica, enquanto os biólogos perdem espaço para engenheiros ambientais nas indústrias)? Ou uma pós-graduação preocupada somente em publicar artigos em revistas internacionais, renegando problemas nacionais para se encaixarem no assunto da “MODA” e conseguir mais um trofeuzinho no Lattes?

bifurcacao.jpgDe onde saímos? Para onde vamos?

Isso me preocupa. Matamos milhares de mentes criativas todos os dias. Nosso sistema de ensino baseado em um professor palestrante cuspindo giz nos seus alunos é cruel. Nosso sistema de avaliação de pesquisadores é injusto. Sim, mais e aí? O que podemos fazer? Seremos marginais do status quo? Acredito que não, mas temos o dever de mostrar o outro lado. Estudar é interessante, alunos não são ignorantes (eles tem muito a dizer, mesmo os menores), passar no vestibular é importante, mas não viremos robôs e pesquisar é uma arte, mas querer ver cifrões como fim dos projetos é maluquice. Que discutamos, que reflitamos e que sejamos encorajados a isso por nossos professores e orientadores.

Mas aí que é o problema, pois se os que nos educam forem também educados dessa forma? É necessário a quebra de um paradigma educacional centenário e isso requer revolucionários de natureza dentro do sistema. Precisamos formar esses revolucionários, professores formando alunos críticos, orientadores formando pesquisadores críticos, em suma, cidadãos críticos formando cidadãos críticos. Procure pessoas assim, formem seu coletivo, se ajudem e fujam dos retrógrados, conformistas e pessimista. Pois como já dizia o poeta: Isso tem que começar em algum lugar, isso tem que começar em algum momento, que melhor lugar que aqui, que melhor momento que agora! (quero ver quem descobre o autor desse pensamento!) Pois senão, não tem como fugir:

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo,
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais…
                                                     Belchior