Nosso planeta passa por uma grande revolução, onde novas tecnologias são descobertas a todo momento. No geral, elas buscam basicamente melhorar a qualidade de vida dos seres humanos, sendo que o resultado tem sido bastante positivo. Bem, positivo para quem? Isso mesmo! As benécies de tais avanços são dividas somente por uma parcela mínima da população. A grande massa não vê nunca o resultado de tais tecnologias na tentativa de aumento de sua qualidade de vida.
Mais de 1 bilhão de pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia, isto representa o grau de pobreza extrema definido pela ONU. Um sexto da população mundial é bem mais pobre do que seus antepassados eram a algumas poucas gerações atrás. Nesse contexto, várias são as explicações do porquê da existência da pobreza. Diante disto, surge o conceito de armadilhas de pobreza: qualquer mecanismos que por si só reforce a pobreza de forma cíclica. Por exemplo, uma pessoa pobre tem essa característica, mas essa característica reforça a condição de pobreza desta pessoa, sendo que são necessários formas de intervenção para que este ciclo seja quebrado e a pessoa saia da condição de pobreza.
No artigo Poverty trap formed by the ecology of infectious diseases pesquisadores de centros de pesquisas americanos discutem como doenças podem funcionar como fatores que reforçam a condição de pobreza, isto é, uma armadilha de pobreza. Basicamente, o argumento consiste de que populações mais pobres estão mais suscetíveis a doenças infecciosas (tais como HIV/AIDS, malária, episódios de diarreia, infecções parasitárias e outros) que, por afetarem negativamente ou pela sua morbidade ou pelo declínio capacidades cognitivas e desenvolvimento (por serem doenças crônicas, afetam a nutrição e por conseguinte o desenvolvimento cognitivo e no mercado de trabalho). Sendo assim, a influência que a saúde exerce na pobreza e a que a pobreza exerce na saúde implica em um feedback positivo, reforçando a situação de pobreza dos que já são pobres.
Os agentes infeccioso, apesar não serem os únicos principais causadores de mortes entre os mais pobres, sempre aturaram como uns dos mais implacáveis forças de seleção da evolução humana. Grandes epidemias e pandemias já dizimaram quantidades absurdas de pessoas. E como sabemos, o resultado final seleção natural é visto pelo sucesso reprodutivo de um indivíduo (seja ele da espécie que for). Sendo assim, como em qualquer outro modelo ecológico, a dinâmica das doenças infecciosas é não-linear (afeta de maneira diferente, partes distintas da população) exercendo, assim, grande influência na dinâmica populacional da espécie humana também.
Isto nos mostra como as decisões do poder público podem ser também agentes auto-perpetuadores da pobreza via a armadilha de pobreza das doenças infecciosas. Enquanto grandes investimentos são feitos nas áreas já minimamente desenvolvidas, regiões mais pobres do país são privadas de tais melhorias. Com isso, alimentando um ciclo de reforço da pobreza. Saber se o efeito da saúde na pobreza é mais significativo do que o efeito da pobreza na saúde não é o mais importante agora. A questão é atuar nas duas vias para que o ciclo de auto-alimentação se quebre a o desenvolvimento, tanto humano como econômico, possa chegar a essa parte carente de nossa sociedade.
Saúde pública, além de ser um direito de qualquer cidadão, pode atuar como um importante fator de desenvolvimento econômico da população carente. Medidas paliativas de dar dinheiro para pessoas mais pobres são importantes a curto prazo (como dizia o Betinho, “quem tem fome tem pressa”) entretanto, somente este tipo de política não vai levar ao desenvolvimento desta parcela. É necessário investimentos sérios em controle epidemiológico destas doenças. Entretanto, pesquisas sobre doenças tropicais tem sido negligenciadas em grande parte por não terem o tal “apelo” no cenário científico global. Muito se investe em doenças com prevalências muito baixas, enquanto doenças que matam brasileiros pobres a centenas de anos são esquecidas na hora dos grandes investimentos. Editais para pesquisa em doenças negligenciadas são raros e não chegam perto do apelo financeiro para outros tipos de enfermidades.
Como sempre discuto nesse blog, estamos fazendo pesquisa para quem? Quem nos paga está recebendo algum produto? Crianças morrendo por causa de diarréia, esquistossomose ou cólera, entre outros, estão recebendo algum tipo de retorno do dinheiro investido em pesquisa em nosso país? Se pela via do direitos humanos não conseguimos ajuda pela causa dessas pessoas, será que pela via do desenvolvimento econômico podemos sensibilizar os governantes de nosso país por uma maior atenção a essa parcela da população? É viver para ver…
Referência:
Bonds, M., Keenan, D., Rohani, P., & Sachs, J. (2009). Poverty trap formed by the ecology of infectious diseases Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 277 (1685), 1185-1192 DOI: 10.1098/rspb.2009.1778
breno,
acho de grande relevância chamar a atenção das pessoas para essa questão das doenças negligenciadas.
mas como v. mesmo citou betinho "quem tem fome tem pressa"...
na minha percepção o combate a essas doenças, mesmo que de grande importancia, ainda é uma ação assistencialista.
acho que no longo prazo foco deveria ser na prevenção, na melhoria de infraestrutura, na inclusão social, e outras ações duradouras.
Oi, Breno
Lembrei-me de uma conversa que tivemos meses atrás em São Paulo sobre esse assunto, e acho que agora, depois de ler seu post, consegui compreendê-lo melhor. Realmente, pesquisa em doenças negligenciadas precisaria ser vista como área portadora de futuro, considerando a relação inversa entre sua prevalência e o desenvolvimento socioeconômico do país. Acho que estamos dando nossos primeiros passos, há cada vez mais editais de fomento na área. Ainda não é o suficiente, lógico, mas são nossos primeiros passos.
Torço para que não andemos para trás - e que incentivos nessa área deixem de ser política de governo e passem a ser política de Estado.
Abraço,
Fer
Valeu Karl,
vindo de você é um baita elogio.
Abraços
Belo post, Breno.
Caro Breno
Talvez não tenha nada a ver com o seu muito oportuno,e muito
sério,texto,mas foi o que me ocorreu. Trata-se de
UMA AJUDINHA
Se um pobre interpela,ou deveria interpelar,o que aconteceria se se atendesse aos muitos milhões de pobres que vão por aí,nesses muitos cantos desse vasto mundo? É que um pobre é gente. E é-se pobre sabe-se lá porquê,se tantas são as portas de onde eles podem sair. E se interpela,ou deveria interpelar,isso quer dizer que se pode pensar em querer acabar com a pobreza. Como? Talvez todos juntos,os não pobres,pudessem dar uma ajudinha,que a coisa não parece fácil,mas é muito triste,e não fica bem a esses não pobres. É que eles,os pobres,são pessoas,fazem parte da família,por assim dizer.
Muito bom trabalho,Breno,e muito boa saúde.
Isso é muito interessante. Não só mostra como a questão do desenvolvimento humano está integrada com outros fatores da gestão pública como saúde, educação e infra-estrutura, como também explica aquela velha questão: "Por que a pobreza se concentra em certos locais?" Curiosamente, os mesmos locais que são afetados por doenças negligenciadas como você colocou acima...
Caro Rodrigo,
sem problemas quanto a divulgação. É claro que com a devida referência ao blog.rs
Abraços
Parabéns pelo artigo, Breno. Foi muito sintético e claro em tratar a problemática do modo como deve ser vista. Gostaria de divulgá-lo e postar no Blog de nosso Centro Acadêmico de Engenharia Ambiental. Qualquer problema você pode nos contatar.
Abraço!