Recebi hoje uma notícia que eu li com grande perplexidade em relação ao possível desfecho do abalo estrutural no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), o hospital universitário da UFRJ. Para quem não tem acompanhado televisão e jornais nos últimos dias e apenas desliga o canal de esportes para trabalhar na tese (como o que escreve este post), dois pilares que sustentam uma parte do hospital tiveram sua estrutura abalada. Se não fosse um serviço de escoramento de urgência o risco de desabamento era quase certo. Algo chamado de trágico pelos otimistas, mas para mim uma tragédia mais do que anunciada.
No final do mês passado participei de um podcast especial do ScienceBlogs Brasil sobre o incêndio no Butantan. Para quem ainda não escutou vale a pena. Nesta oportunidade falei um pouco sobre os problemas estruturais do Centro de Ciências da Saúde (CCS), onde fica localizado o Instituto de Biologia da UFRJ. Fios expostos, quadros de luz medonhos, vazamentos, infiltrações, dentre outros. Mas esqueci de citar no programa um dos ícones da falta de cuidado com o patrimônio público. A famosa “perna seca” do Hospital universitário da UFRJ.

A construção do HUCFF foi iniciada na década de 50 mas por dificuldades técnicas e financeiras a inauguração só foi realizada em 1978. E apenas da metade do hospital. Dos 220 mil metros quadrados construídos e dos 1800 leitos previstos, apenas a metade começou a funcionar, situação que se mantém até hoje. Esta área desativada e entregue a própria sorte é chamada de forma corriqueira pelos alunos e funcionários de “Perna Seca”. Gostaria de deixar aqui uma parte da reportagem publicada hoje pela Folha de São Paulo sobre o último incidente (os grifos são meus):
“UFRJ quer demolir prédio que nunca foi concluído
Após reunião com a reitoria e a prefeitura do campus, o diretor do hospital, José Marcus Eulálio, disse que houve consenso pela demolição e pela construção de uma nova unidade no local. “Vamos cobrar agilidade do governo federal”, afirmou Eulálio.
O MEC (Ministério da Educação) informa que a decisão de demolir cabe à universidade. A reitoria confirma o consenso, mas disse que ainda tomará a decisão oficial.
Com o abalo ocorrido, dois pilares do subsolo da unidade foram danificados e 79 pacientes precisaram ser removidos da ala D, a mais próxima ao Perna Seca. Segundo Eulálio, há dois anos o MEC liberou uma verba de R$ 28 milhões para dar uma solução para o prédio, seja reforma ou demolição.
Contudo, “a verba do MEC não contemplava a construção de um novo hospital e internamente existiam dois laudos que apontavam para caminhos distintos. O consenso sobre a demolição só veio após o abalo na estrutura“, explicou o diretor.
(…)
‘O problema do esqueleto abandonado se arrasta há 30 anos e agora teremos que tomar uma providência. O local nunca teve uma manutenção adequada’, disse.”
Vamos ver se eu entendi bem a entrevista do Diretor do HUCFF. “Agora” teremos que tomar uma providência? “Agora”? Será que nenhum diretor nos últimos 30 anos percebeu que a ausência de manutenção estrutural em um prédio construído em uma área com solo totalmente instável não ia dar certo?
O diretor também fala que “O consenso sobre a demolição só veio após o abalo na estrutura”. Em 2003 um laudo feito por técnicos da própria universidade (o que até demorou bastante) já tinha uma conclusão mais que óbvia. Segundo o laudo “Seria recomendável a demolição, parcial ou total, da edificação completamente degradada”. O que o Diretor atual chama de consenso? Será que precisou o prédio quase desabar para haver um consenso que ele precisava ser demolido? O laudo foi publicado no Plano diretor 2020 da universidade, um documento amplamente divulgado. Será que o diretor atual e os antigos não viram?
Fica registrado aqui a minha revolta com o descaso dos funcionários de nossos centros universitários e centros de pesquisa. Não posso cobrar que um professor do Butantan ou da UFRJ tenha conhecimento sobre normas técnicas de segurança ou que gaste o dinheiro direcionado a pesquisa científica em problemas estruturais. Mas temos que pressionar os nossos funcionários, diretores, decanos, reitores e todos os funcionários relacionados com a integridade física destes centros para que alguma atitude seja tomada. E que não tenhamos que esperar que aconteça mais uma “tragédia” para que algo eficaz seja realizado.
@Soninha
Sem uma mobilização local dificilmente os problemas chegam ao executivo. Uma pena que muitas vezes não nos preocupamos com isso.
Obrigado pela visita.
Perfeito. É muito comum ver usuários e servidores da adm.pública culpando o prefeito, o governador e o presidente da república por causa de problemas que, de alguma maneira, teriam de ser acompanhados por quem está lá todo dia, omisso, acomodado, ou indignado mas inerte.
@João
Entendo que o problema também tem haver com a obra inicial em si, mas você realmente acha que os diretores do hospital não tem nada com o assunto? Eles estão com centenas de pacientes sob o seu comando e não podem pressionar a prefeitura universitária para terminar de vez com esse problema?
Lembre que eu coloquei o link para uma reportagem que fala de um laudo de 2003 que já pedia a demolição da Perna seca. Então acho que não levar isso a público é no mínimo omissão...
Existe mais sobre a "Perna Seca" do que o que está sendo divulgado... Essa tralha está condenada desde o início da construção por falhas clamorosas de projeto executivo e na própria execução da obra (que já tinha um projeto falho).
Por volta de 1952, todos já sabiam que aquele "megatério" iria desabar, mais cedo ou mais tarde. Foi até bem mais tarde do que se supunha.
Devia dar (e ainda dá) para recuperar, mas deve custar bem mais caro do que por abaixo e fazer um novo (e direito).
Só que o Hospital não tem chongas a ver com o caso: a "Perna Seca" é "filho feio": não tem pai... A Prefeitura da Cidade Universitária é vagamente dona do mostrengo.