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Imaginem o filhote de um casal de zebras. Os pais são indivíduos saudáveis, ótimo porte. O pai um bom reprodutor, conseguindo sempre acasalar, a mãe uma ótima parideira e cuidadosa (apesar do pouco tempo de cuidado parental). Nasce, então, deste casal, um filhote com um genoma único, como todos os outros, mas esse genoma poderá proporcionar um alto grau de sucesso reprodutivo. Ele será um belo indivíduo da sua espécie e deixará muitos descendentes. Sendo assim, logo que pensamos em seleção natural, esse é um indivíduo bem sucedido. 

Agora, imaginem que logo ao nascer, pegamos este filhote e o afastamos dos pais. Depois, deixamos ele subnutrido, além de levarmos para dentro da floresta amazônica exposto a todos os tipos de predadores desconhecido dele. Está parecendo confuso? Eu, simplesmente, quis ilustrar a situação da maioria das crianças nas escolas municipais do Rio de Janeiro.

Abandonadas pelo poder público desde os requisitos mínimos para a vida (saneamento, alimentação e saúde), também são abandonadas na educação (poder ter discussão sobre se educação é requisito mínimo para sobrevivência). Salas de aulas que parecem saunas, problemas de infra-estrutura, aulas massificantes, professores ganhando um salário de miséria e, o pior, são vistas apenas como números. Não é levado em conta algum problema intrínseco dela, se não consegue acompanhar, é colocada em salas de projeto de “aceleração”. O que é isso? Bem, resumindo, um aluno da antiga sexta série pode passa1 ano em uma sala de projeto e vai direto para o ensino médio.

Mas qual é o porquê de ter falado em seleção natural? Caramba, tem gente que fala: “É seleção natural, os melhores (mais inteligentes) passam”. Seleção Natural assim, é igual o exemplo da zebra. Essas crianças, na sua maioria, saem em débito da barriga da mãe. Achar que estas crianças têm a mesma chance de disputar vaga no mercado de trabalho é, no mínimo, ingênuo (e acredito que este tipo de pessoa não existe na esfera política deste país).

Enquanto meus alunos faziam a prova de recuperação, peguei meu celular para ver meu e-mail. Naquele momento, senti que podia falar com qualquer pessoa ao redor do mundo por aquele aparelho. Mas diante de mim, existiam crianças com as quais não conseguia me comunicar direito. Tenho culpa nisso sendo professor? Claro! Faço parte do sistema. Apesar de não me acomodar e tentar fazer coisas diferentes para tentar ensinar ciências, sou parte disso tudo. Como todos nós, mas com certeza existem pessoas que poderiam modificar isso e não fazem. Repetem os mesmos erros de sempre. E esquecem que educação é convivência, é respeitar diferenças, é trabalhar as singularidades de cada um e não botar todos em uma fila para o abate e, aqueles que não andam direito, serem colocados em uma esteira para irem mais rápido.

Desculpem, mas essa foi meu desabafo de final de ano. Passei o ano de 2010 TODO dentro de escolas das mais variadas comunidades do Rio de Janeiro, fora a escola onde trabalho. Nossa educação está na fossa, tanto a municipal, quanto a estadual e federal. Esse papo de “se não prestarmos atenção nisso agora, estamos toamando um caminho muito perigoso” é balela. Já estamos andando nele a muito tempo e já colocamos na fila do abatedouro milhares de crianças que só não tiveram oprtunidade de melhores condições de vida, pois NÃO DEMOS ESSE DIREITO A ELAS. 

 

Se quiser ler mais sobre este tema:

Uma crítica a desvalorização do professor brasileiro 

A culpa é realmente dos alunos?