O debate sobre construção de hidrelétricas tem causado muita polêmica, tanto no meio acadêmico, quanto na população em geral. É fato que a matriz energética brasileira tem a hidroeletricidade como carro-chefe (mais de 80%) e que por muito tempo, foi considerada como uma energia limpa. Você constrói um reservatório (represando um rio, na maioria das vezes), faz a água acumulada passar por uma barragem, na qual, em seu interior possui turbinas que, quando giradas pelo movimento da água, geram eletricidade.
Água gerando eletricidade. Nada de queimar combustível fóssil. Entretanto, não estavam contabilizando a emissão de gases do efeito estufa (GEE) no balanço geral. Ao se inundar uma área de floresta (tanto faz que tipo de vegetação, todas vão emitir, umas mais outras menos), a matéria orgânica submersa entra em decomposição, nas partes do reservatório onde existe oxigênio dissolvido na água, irá ser produzido gás carbônico, onde não existe (geralmente nas partes mais fundas e na margem), será produzido metano.
Nesse contexto é que começa as discussões. Alguns autores acreditam que os reservatórios emitem, por vezes, mais que usinas termoelétricas. O maior defensor desta visão é o pesquisador americano Philip Fearnside (INPA). Em artigo publicado recentemente na revista Oecologia Australis, o pesquisador refuta um artigo anterior sobre o balanço de emissões de GEE pelos reservatórios brasileiros. Tal artigo foi publicado por um aluno de doutorado orientado pelo Prof. Luiz Pinguelli Rosa. Pinguelli e Fearnside são os dois extremos na discussão sobre emissão de GEE por hidrelétricas. Eu pude conferir um simpósio em que os dois estavam presentes, sendo que a palestra de abertura foi do Fearnsinde. A discussão entre os dois (discussão científica, nada de agressão) foi bastante interessante e até engraçada em alguns momentos. O artigo do pesquisador Marco Aurélio (aluno de Pinguelli) veio também corrigir algumas outras estimativas de emissão de artigos anteriores, sendo que um deles de Fearnsinde. Estas estimativas tinham sido usadas como base para uma publicação da ELETROBRÁS em 2000 e, adivinhem só, Fearnsinde a contestou em outros 3 artigos posteriores. Pelo que vocês podem repararam, a discussão já está rolando a bastante tempo.
Recentemente, um artigo é publicado ano passado, pelo pesquisador Natan, aluno do Prof. Fábio Roland (UFJF), com os quais pude fazer matérias na época de graduação da UFRJ, Fábio era um dos professores da disciplina. Este artigo saiu na revista Nature Geoscience e revela padrões de emissão de reservatórios de hidrelétricas correlacionando-os com a região onde o reservatório se encontra. Citado neste artigo, um trabalho de 2000 revelava que reservatórios de água construídos por nós emitem cerca de 321 Tg de carbono para atmosfera por ano. As novas estimativas desse novo artigo revelam que os reservatórios destinados a produção de energia elétrica, 20% da área total de reservatórios de água, emitem cerca de 48 Tg de CO2 e 3 Tg de metano, correspondendo a 4 % do total das emissões de carbono de águas continentais e 16 % dos reservatórios construídos pelo homem. Mas o mais interessante é a correlação das emissões com a localidade do reservatório, onde os pesquisadores encontraram um padrão de maiores taxas de emissão em reservatórios situados em regiões de floresta Amazônica. Eles simularam que um reservatório de 5.000 Km2 (o dobro do tamanho de Tucuruí) emitira, em carbono equivalente, cerca de 1-2 Tg de carbono por ano se fosse construído em um ambiente temperado, sendo que esse número aumentaria para 4 Tg se fosse em um ambiente tropical não-amazoniano e para 7 Tg de carbono por ano se fosse em um ambiente amazônico.
Por mais que seja uma simulação feita a partir dos dados que eles coletaram para o artigo, este resultado é de grande importância para futuros projetos de construção de hidrelétricas e, nem de perto, coloca um ponto final na discussão sobre o papel das hidrelétricas no balanço global de carbono.
Referência:
Barros, N., Cole, J., Tranvik, L., Prairie, Y., Bastviken, D., Huszar, V., del Giorgio, P., & Roland, F. (2011). Carbon emission from hydroelectric reservoirs linked to reservoir age and latitude Nature Geoscience, 4 (9), 593-596 DOI: 10.1038/NGEO1211
Pueyo, S., & Fearnside, P. (2011). EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA DOS RESERVATÓRIOS DE HIDRELÉTRICAS: IMPLICAÇÕES DE UMA LEI DE POTÊNCIA Oecologia Australis, 15 (2), 199-212 DOI: 10.4257/oeco.2011.1502.02
Fizeram a comparação entre as emissões de Tucuruí e a de uma termelétrica de potência equivalente?
Agora que até mesmo James Lovelock admitiu que não estão ocorrendo as catastróficas mudanças climáticas que ele ajudou a encenar - um autêntico estelionato ambiental - essa discussão sobre balanço global de Carbono não se torna inútil? Ainda mais, somem todas as áreas de todas as hidrelétricas do mundo. Elas são maiores que as dos pântanos do Okawango, do delta do Mekong e do delta do Ganges? Somem a potência de todas as hidrelétricas, o resultado é superior à soma das termelétricas a carvão? Se tais respostas ainda não existem, como dizer que as hidrelétricas afetam o ciclo global do carbono?
Gostaria aqui de deixar uma contribuição:
essa imagem da área alagada da usina no meu estado, a de Stª Antônio em Rondônia:
http://www.facebook.com/photo.php?fbid=258769254193998&set=a.114646468606278.16038.100001827777395&type=1
E também um vídeo meu, se vocês puderem ajudar a divulgar, que fala sobe alternativas energéticas 🙂
http://www.youtube.com/watch?v=tqCmHwgb8kA
Parabéns pela postagem, me inscrevi no feed 🙂
Uma pergunta inocente: Qual é o problema de desmatar a área antes de inundar?
Caro Willy,
nenhum problema desmatar antes de inundar. Muitas das vezes essa é até uma solução para diminuir boa parte das emissões. Quanto menos biomassa de baixo da água para entrar em decomposição, menos gases estufa serão emitidos para a atmosfera. Existe pesquisas nessa tema de manejo de espécies vegetais a serem removidas antes da formação do reservatório. Algumas pesquisas indicam que até existem espécies que quando entram em decomposição liberam mais GEE que outras devido a natureza das suas moléculas orgânicas.
Espero ter ajudado.
Abraços
Lembrando que não existe mais a possibilidade de construírem reservatórios do tamanho de Tucuruí. Os reservatórios hoje em dia são cada vez menores, feitos a fio d'água. Então o problema do alagamento ocorre em escala muito menor do que ocorre em Tucuruí e nas próprias simulações citadas no texto.
Já disse em outro artigo que usar Tucuruí como exemplo de que energia hidrelétrica não funciona é falta de conhecimento e/ou mal caratismo.