Doutores em áreas biológicas tem a menor taxa de emprego formal de todas as áreas do conhecimento e essa taxa só se aproxima da média das outras áreas depois de 10 anos da defesa do doutorado
Sempre me falaram que quando você tem uma notícia ruim é melhor falar ela primeiro. Bem, tentei fazer isso aqui. O fato relatado por mim aparece de forma clara no livro “Mestres e doutores 2015 – Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira”, que foi lançado na última reunião da SBPC em julho e está disponível de forma gratuita aqui. Aparentemente a mídia resolveu discutir esse importante estudo apenas de forma genérica, falando de aumento no número de doutores e com uma visão mais positiva sobre os dados (aqui, aqui e aqui). Como a empregabilidade de doutores é um tema recorrente aqui no blog, resolvi olhar um pouco mais a fundo esses dados. E acabei achando algo que é para deixar qualquer profissional da área de biológicas um pouco preocupado, principalmente para quem ainda está na academia.
O primeiro dado interessante sobre empregabilidade de doutores está na comparação entre áreas. Os dados de taxa de emprego foram obtidos por cruzamentos feitos com o CPF dos doutores e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Então foi contabilizado desde empregos na área acadêmica (professor) até empresas, desde que seja formal. Tendo como base todos os doutores titulados no Brasil a partir de 1996, temos que em 2014 os doutores de áreas biológicas apresentam, de longe, a pior taxa de emprego formal, quase 10% menor do que a média de todas as áreas como podemos ver no gráfico abaixo.
Esse dado já é triste por si só, mas como tudo na ciência sempre é bom olharmos com mais cuidado os dados e as tendências. O gráfico anterior representa uma fotografia da taxa de emprego em 2014. Se tivéssemos acesso a dados anteriores poderíamos tentar entender se existe uma tendência de aumento ou de queda nessa taxa. Por exemplo, o dado de 2014 é que 66,1% dos doutores em áreas biológicas encontravam-se empregados. Se antes disso a taxa fosse ainda menor poderíamos (talvez) ter uma tendência de aumento. Claro que com apenas dois dados é difícil ver uma tendência, mas é melhor do que apenas um. No gráfico a seguir temos essa noção, comparando os dados de 2009 com os de 2014. E qual a informação que temos? Sim, em 5 anos a taxa de emprego praticamente estagnou, tendendo para baixo. Outras áreas como Exatas e da terra e multidisciplinar tiveram o comportamento oposto.
Depois desses dois gráficos o leitor da área de ciências biológicas deve estar se perguntando: “Por que não fiz medicina?”. E pior que ele não está longe da verdade. Dentre todas as área do conhecimento a medicina foi a que apresentou maior taxa de doutores empregados em 2014. Na verdade o caso das ciências biológicas foi tão discrepante das demais áreas que os autores do estudo resolveram tentar entender o caso de forma mais profunda. Segundo os autores, “É preciso entender as razões que levam os doutores titulados nas ciências biológicas a demorarem mais tempo para se inserirem no mercado de trabalho formal que os doutores de outras grandes áreas“. Isso foi feito através de separação da taxa de emprego por tempo após a defesa do doutorado. Olhando essa taxa, apenas após 10 anos da defesa que temos doutores em áreas biológicas com taxa de emprego comparável (mais ainda mais baixa) que outras áreas, como podemos ver no gráfico abaixo. A média da taxa de emprego de doutores de outras áreas após 10 anos da defesa é de 79,1%.
Sim meus amigos e amigas. Após 10 anos da defesa doutores das áreas biológicas continuam com uma taxa de emprego menor do que a média de doutores de outras áreas. Isso significa dependência do sistema de bolsas por mais tempo (algo totalmente inseguro, principalmente na situação política atual). Mas a questão principal é a seguinte: por que isso acontece com doutores das áreas biológicas? Será que a qualidade dos doutores formados em áreas biológicas é mais “baixa”? Bem, aparentemente não. Na verdade existe uma relação inversa entre a “qualidade” dos programas de doutorado (medida em nota na avaliação da CAPES) e a taxa de emprego dos doutores, como podemos ver no próximo gráfico. Quanto maior a nota da CAPES, mais qualidade teria o programa. Interessante registrar que depois de 10 anos da defesa do doutorado essa relação deixa de ser relevante.
Essa relação inversa entre qualidade do programa medida pela avaliação da CAPES (que mede méritos acadêmicos, principalmente) me faz acreditar que o pedido que eu fiz em um post antigo sobre o tema seja relevante. Há quase 2 anos atrás no post “Existe vida fora da academia?” eu defendi que os professores universitários deveriam ser mais transparentes com os alunos de pós-graduação, indicando que a vida acadêmica não era o único caminho e que existem áreas aplicadas que podem ser importantes na absorção de pós-graduados. Doutores formados em uma pós-graduação com nota alta na avaliação da CAPES terem menores taxas de emprego formal pode ser um sinal que esses programas induzem menos seus formandos ao mercado de trabalho. Mas também pode apenas indicar que os doutores desses programas apresentam maior perfil acadêmico e como as vagas de emprego nessa área são mais limitadas acabam naturalmente demorando mais tempo para serem empregados. Será que um desses fatore sé preponderante? Ambos? Nenhum deles? Não tenho a resposta e precisamos de mais estudos para chegar a uma conclusão.
Independente dos motivos o fato é que se você quer fazer doutorado em área de ciências biológicas tem todo o direito de olhar os dados relacionados a taxa de emprego e tomar sua decisão. Tendo como base os recentes indicativos de corte em verbas ligadas a ciência e tecnologia os dados apresentados aqui podem se tornar ainda mais relevantes na sua escolha pessoal pela possível diminuição de vagas para cargos nas universidades. Como eu já tinha afirmado no post sobre vida fora da academia, o importante é pensar muito bem sobre o que você deseja para sua vida acadêmica sem nunca deixar de olhar para fora da janela do laboratório.
PS1.: No livro e neste post é considerado como “áreas biológicas” as seguintes subáreas: Biologia geral, Genética, Morfologia, Fisiologia, Bioquímica, Biofísica, Farmacologia, Imunologia, Microbiologia, Parasitologia, Ecologia, Oceanografia, Botânica e Zoologia.
PS2.: Vários outros dados interessantes eu não citei aqui no texto por motivos de clareza, mas a taxa de emprego também é analisada em relação ao estados da federação, por região do emprego, dentro outros. Existe também uma grande variação dentro das subáreas biológicas, por isso eu tratei sempre da média aqui.
PS3.: Além do livro estar disponibilizado de forma gratuita nesse link, lá você também vai encontrar os dados originais em formato de excel. Então dá para candidatos e doutores brincarem a vontade com a base de dados.
Poxa ja tinha me matriculado na facul pra fazer ciências biológicas, mas acho que vou mudar de curso
Não tem muito segredo, os programas de pós-graduação se pautam em pontuar na Capes, não em formar pessoas. Explica perfeitamente o caso, não existe nada além da "boa vontade" que norteie um interesse das pós-graduações em ter seus alunos trabalhando em algo que não seja artigos para aumentar a nota na Capes.
Realmente eu precisaria ter lido esse texto durante minha graduação em biológicas nos anos 90. Certamente teria tomado outro rumo.
Situação complicada hein, sou licenciado em Ciências biológicas e realmente na área para que você consiga algo bom tem que estudar muito, realmente é para se pensar essa situação.
Cara. Do meu ponto de vista, não vejo como perca de tempo fazer um doutorado. Porque aprendemos bastante durante 4 anos, ganhamos bolsa de pesquisa(q nao eh mto mas da pra sobreviver e quiçá juntar algum dinheiro), temos possibilidade de ir pra fora do país para estudar/trabalhar/se relacionar com outros pesquisadores, sem contar os editais das grandes empresas que abre todo ano (como uma obrigatoriedade delas pela compensação ambiental,etc). formamos parcerias com quantos laboratórios quisermos. E, depois de formado, beleza. Pode ate ser difícil um emprego condizente com sua qualificação, mas e o amor pela profissão? E esses 10 anos dedicados ao que você mais gosta e escolheu para seguir? (Sim, 10anos porque somam-se 4 da graduação+ 2 do mestrado +4 do doutorado). Isso sem contar com a possibilidade de permanecer por mais 2 anos como pós doc daquele grupo de pesquisa que você escolheu(basicamente composto por doutores desempregados). Certamente estarás publicando, sendo produtivo cientificamente, ampliando sua linha de pesquisa escolhida por vc. Sem contar tambem o fato de que sempre precisaremos de escolas e universidades. E a rotatividade dos profissionais envolvidos tmb eh inevitável.
Então, sinceramente essa reportagem não me abala no meu objetivo. Nao me preocupo se terei emprego daqui a 5 anos! Me preocupo em fazer um bom trabalho. Em ser bom no que faço. E em fazer parcerias com outros pesquisadores deste e de outros países tambem. As oportunidades nunca faltarão, apesar da atual estiagem nesse setor. Independente da situação politico-financeira de qualquer país, e acrescento, principalmente para área de ciências biológicas com este quadro de mudanças climáticas inevitáveis, esta falta de discernimento sobre o uso da natureza para diversos fins. Torna-se cada dia mais necessário profissionais dessa área capacitado. E, profissional apenas graduado, não tem muito espaço no mercado de trabalho. Facto.
Nunca tive a hipocrisia de pensar que ficarei rico como Biologo, como tendem a pensar medicos, advogados, engenheiros,... Mas me sinto completamente satisfeito quando ensino educação ambiental para os mais necessitados de qualquer idade, ou quando preservo ninhos de tartaruga dos predadores e/ou humanos, ou quando participo de um projeto com novas ocorrências pra ciência e com repercussão mundial.
Olá Nicholas, o objetivo do meu texto não foi "abalar" ninguém. Foi fazer refletir sobre dados reais da situação. Cada leitor pode fazer o que achar melhor com isso. Como eu disse no texto acho que é responsabilidade das universidades e dos programas de pós-graduação tentar resolver essa situação através de mais transparência e até disciplinas específicas que ajudem a guiar os alunos. Precisamos sim de mais acadêmicos e acho que o doutorado pode ser um ótimo caminho para melhorar a formação de futuros profissionais para áreas não acadêmicas. Mas para isso os professores tem que começar a achar isso importante. Não podemos ver esses dados e achar "normal".
Abraços e obrigado pelo comentário.
Passei a compreender e defender a questão da aplicabilidade ainda no fim da graduação, quando, trabalhando com poluição marinha (lixo), ao dar de cara com uma quantidade absurda de artigos científicos voltados para o tema e associar a sua situação ambiental caótica, pensei: esses trabalhos todos publicados, com dados e mais dados, conclusões, discussões, etc, etc..beleza, mas e ai? e o la fora? que é o que importa. Cadê todas essas informações popularizadas? Cadê o povo sabendo dessas coisas? Isso é educação ambiental cara. A situação não só piora a cada ano como, na minha visão, já é uma questão irreversível do ponto de vista ambiental. Já tem até estudo dizendo que daqui há 30 anos teremos mais plástico no mar do que peixe. O analfabetismo ambiental e o apocalipse ambiental que vivemos é muito culpa dessa distância entre o pesquisador, a aplicabilidade no dia a dia de seus trabalhos e as pessoas leigas. O docente, já concursado, garantido e na zona de conforto, fica alí, publicando, publicando, enchendo o currículo, mas hoje o bicho ta pegando aqui fora. É importante estudar dinâmica populacional, comunidades, fisiologia animal, vegetal? Claro, mas hoje é mais importante isso ser estudado com a pegada aplicada e não como ecologia ou biologia pura apenas. Como isso pode ser aplicado? Que tipo de gestão podemos fazer com esses resultados em mãos? Pegada conservacionista é o que falta. Quando essa galera vai começar a ter essa visão plural? É preciso largar o egoísmo. Dessa forma, a questão da empregabilidade, abrindo o leque para se trabalhar fora da academia, seria uma consequência desse novo modo de lidar com a pesquisa, com os projetos. Uma visão evoluída, junto a sociedade.
Sempr epasso para os meus alunos um texto de Scott Lanyon""How to design a dissertation project"em que ele deixa claro que o o doutorado não é um fim em si mas um meio de se preparar o profissional para o mercado de trabalho. Logo, a não ser que você tenha um perfil estritamente acadêmico (e, por isso, pagará o preço do desemprego maior) o estudante precisa pensar sua tese com seu orientador mirando também a aplicabilidade do seu doutorado e tudo o que fez apara chegar a té ele (disciplinas, experimentos etc.). Se nas biológicas está difícil, suspeito que na Ecologia, Zoologia e Botânica a coisa esteja ainda pior. Com a crise econômica (sim, ela afeta a todos, incluindo os que não pensam que afeta), fruto dos devaneios e desmandos de um governo acéfalo o mercado de consultorias murchou pois as empresas não investindo em novas obras Logo, não há necessidade de se contratar ninguém para licenciamentos ambientais pois não o que se licenciar. E...nuvens escuras pairam no horizonte, na verdade, já por cima das cabeças, com o fim das condicionantes brecando qualquer obrar após a obtenção da LP (Licença Previa) , recentemente aprovada pelo Senado. A saída? Só a médio- longo prazo, colocando também o manejo de fauna silvestre, a recuperação de áreas degradadas como política de Estado (1% do PIB dos EUA vem da caça) e saindo desse idílio estritamente preservacionista para um conservacionista, mais pragmático e, por isso mesmo, gerador de empregos.
Olá Rômulo, obrigado pelo comentário. Só um detalhe, quando falo "áreas biológicas" no texto me refiro a grande área da capes que inclui Ecologia e zoologia. Dá uma olhada nos três pontos que ressalto esse e outros detalhes sobre o estudo no final do texto.
Abraços.
Fui um felizardo (ou competente) q passei num concurso antes de terminar o doutorado. Tudo bem que foi um concurso para nível médio, mas ainda assim ganhava mais que um post doc. Depois acabei passando pra um concurso na universidade. Mas a realidade é essa: somente concursos para absorver tanta gente. Não conheço alternativa para empregar tantos doutores, não no Brasil. Sempre que posso jogo a real sobre as condições de trabalho e oportunidades para recem-doutores... Quem pode deve ir pra fora. Hj não dá pra eu fazer isso. Infelizmente...
Dúvida: sendo a Universidade o local onde as pessoas estão sendo preparadas para uma carreira (seja acadêmica ou não), a SBPC tem realizado discussões dentro das Instituições Federais para que este cenário mude ao longo do tempo?
Oi Ana, gostaria muito de falar que sim. Mas não conheço nenhuma iniciativa do tipo.
Eu estou fazendo mestrado em Bioinformática, querendo ir para fora assim que possível, e o motivo é claro:
A iniciativa privada no Brasil não inova na área farmacêutica, médica ou biotecnológica, simplesmente não vale a pena do ponto de vista financeiro porque os custos com P&D de ponta são altíssimos e a competição extremamente acirrada, corre-se o risco de jogar literalmente bilhões fora porque um laboratório no exterior fez o que você queria fazer de forma mais eficiente e com maior qualidade, então sua patente não vale nada. Some isso ao fato que a maioria dos profissionais qualificados capazes de trabalhar nessas áreas optam por fazer pesquisa em universidade, graças a estabilidade e liberdade oferecida pelo setor público.
O que se faz muito aqui é "reciclar" ideias, transformar remédios com patentes expiradas em biosemelhantes ou genéricos. As vezes até mesmo importar pipelines inteiros e pagar royalties milionários acaba valendo mais a pena, em questão de custo/benefício, do que criar um processo novo do zero.
Se não há investimento em P&D não há necessidade de profissionais extremamente qualificados (I.E. Doutores ou Mestres), então não há empregos para eles na iniciativa privada.
Solução para quem quer trabalhar com P&D: juntar uma galera talentosa e abrir um start-up de biotecnologia como a MI4U em Ribeirão Preto (opção com mais chances de fazer você ficar louco), ou migrar para grandes centros de pesquisa no exterior.
Não tem mistério. A resposta é claríssima: Não há demanda. Não há demanda! Não há!
Qual seria o motivo de alguma empresa contratar um sujeito com doutorado? Simplesmente pelo luxo de ter um doutor? Pagar mais para que, se não há necessidade?
Se você é mais "doutô" que sabe, melhor do que ninguém, como pipetar uma PCR ou, pior ainda, é especialista no telopodito de alguma espécie endêmica, trago piores notícias ainda: você ficará desempregado.
Lembrem-se: o gobierno fomentou uma leva desnecessária de doutores, frutos da utopia genômica de 2000 em diante. E ainda tem um montão por se formar.
Concursos para docente na Universidade Federal das Botas Perdidas que antes recebiam 5 inscrições, estão recebendo 100. Isso mesmo, 100 doutores "especialistas" na mesma área. Para uma vaga. Uma.
Muitos apostaram nisso. Confiaram nas promessas dos orientadores que querem, basicamente, inflar seus egos e auto-perpetuar esse sistema ridículo, pseudo-científico de auto-citações.
Teve bolsa FAPESP de IC, mestrado, doutorado, pós-doc, jovem pesquisador... E agora? Acabou! Vai reclamar com o governo? Hahahaha. Você e suas habilidades inúteis casam muito bem em morar com a mamãe por um longo tempo.
Convenhamos que um doutor cuja especialidade seja "pipetar PCR" ou algo extremamente específico realmente tem habilidades praticamente inúteis, e jogou o doutorado fora.