Política de combustíveis líquidos: interesse público versus privado do etanol

Já era esperado esse problema entre demanda e oferta de álcool que é representado por variações de preço do combustível – já que o álcool é agora regulado basicamente pelo mercado.

Digo que era um problema anunciado na medida em que se observava o sucesso de vendas do carro bi-combustível – um avanço da nossa tecnologia sem dúvida. Esse fator adiciona uma nova variável para complicar a vida de quem tem a responsabilidade de estar monitorando setores estratégicos da economia nacional como é o setor de energia. De novo vem a questão de ausência e, quase mesmo, preguiça de se planejar. O avanço de vendas de veículos era um claro sinal de que importantes modificações no lado da demanda estavam em curso. Em paraleo a esse fato, temos o de aumento de demanda internacional por álcool e também por açúcar. Uma beleza para os produtores de álcool!

Esse episódio de aumento de preços do álcool e alguma ameaça de crise de abastecimento (algo terrorismo aqui?) ilustra mais uma vez a dificuldade do agente público (quem deve estar monitorando, regulando e planejando no curto, médio e longo prazo a demanda e oferta de combustíveis) de entender as nuances do aspecto commodity, e de bem público e estratégico para o país do álcool combustível. Já escrevi muito sobre isso para o caso da eletricidade.

O álcool hoje foi resultado de um esforço enorme e investimento público de monta significativa para a criação de um mercado competitivo. Empresas como a Petrobras, governos estaduais e federal, bancos públicos investiram direta e indiretamente através de renúncia fiscal. Novos impostos foram criados para consumidores para que o alcool se tornasse uma alternativa viável e sólida. Nesse momento os aspectos de bem público e estratégico do combustível eram apontados como justificativas necessárias e suficientes para a significativa alocação de recursos públicos para essa atividade. Foi essa a história durante mais de 20 anos.

Pois bem já no início dos anos 90, uma vez esgotadas as possibilidades de continuidade de intervenção do setor público na manutenção de investimentos, e tendo o setor privado já consolidado ampla competência para produzir e comercializar o produto, o aspecto commodity passou a ser predominante. O próprio discurso oficial passa a reconhecer isso.
Mas o atual aumento de preços e sinais de fortes pressões sobre a demanda (seja por aumento interno como externo) mostram que é fundamental preservar as características de bem público desse energético. Interesses de consumidores devem ser preservados. O nosso meio ambiente também deve ser preservado. Existem evidentes características de interesses públicos que devem ser protegidos.

Vamos ver o que acontece, mas estamos assistindo a uma velha disputa entre as cartacterísticas de commodity e de bem público de um energético. De novo o mesmo filme. Em algum momento teremos que criar uma política mais clara para os combustíveis líquidos no Brasil.

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Gilberto

Professor Titular em Sistemas Energéticos do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (Universidade de Campinas), Pesquisador Sênior do Núcleo Interdisciplinar de Energia da UNICAMP (NIPE-UNICAMP). Diretor Executivo da International Energy Initiative-IEI, uma pequena, organização não-governamental internacional, independente e de utilidade pública conduzida por especialistas em energia, reconhecidos internacionalmente e com escritórios regionais e programas na América Latina, África e Ásia. O IEI é responsável pela edição do periódico Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier.

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