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Harvey W. Wiley: sem saco para um cafezinho. |
Harvey Wiley (1844-1930) era Químico-Chefe da Divisão de Química do Departamento [Ministério] da Agricultura dos Estados Unidos. Ele também foi um dos fundadores da Association of Official Analytical Chemists [Associação Oficial de Químicos Analíticos]. Com essas credenciais, Wiley estava determinado a lançar uma cruzada contra o uso de aditivos químicos em alimentos e medicamentos.
Com o apoio de um seleto “esquadrão do veneno” (doze voluntários que ele usava para testar a segurança alimentar), a luta de Wiley por comidas e bebidas mais puras se tornaria legendária. Embora a Divisão de Química não tivesse, inicialmente, qualquer poder regulatório, Wiley e seus colaboradores publicaram suas descobertas em uma série de dez artigos durante o ano de 1902. Depois, ele procurou vários médicos e grupos de interesse especiais para fazer lobby por uma reforma no setor.
A cruzada de Wiley começou na mesma época do lançamento da obra mais famosa de Upton Sinclair (1878-1968), The Jungle (que denunciava as verdadeiras condições dos operários dos frigoríficos de Chicago). Maiores exigências na segurança e no preparo da comida industrializada chegaram à agenda política. A pressão popular liderada por Harvey Wiley levou à aprovação do Pure Foods and Drugs Act [Lei dos Alimentos e Medicamentos Puros] em 1906. No ano seguinte, o químico-chefe norte-americano publicou Foods and Their Adulteration [Alimentos e Suas Adulterações], que seria parte da bibliografia básica da área.
Embora a cafeína fosse usada desde os primórdios da civilização, o ingrediente ativo do café e do chá só seria isolado e reconhecido quimicamente em 1819. Friedrich Ferdinand Runge (1795-1867) extraiu a cafeína de grãos de café (daí o nome). No fim do século XIX, os químicos já conseguiam sintetizar a cafeína, que se tornou um ingrediente comum em muitos alimentos e bebidas.
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O papa Clemente VIII: ele deveria ter banido o café das mesas cristãs. Mas não resistiu. |
Apesar da ampla popularidade da cafeína (e, segundo a crença popular, sua capacidade de curar a ressaca), as autoridades médicas sempre se mostraram preocupadas com os efeitos daquele estimulante no organismo humano. Desde a chegada do café e do chá à Europa, no século XVI, inúmeros tratados e panfletos contra seus efeitos circularam pelo Velho Continente. Em 1600, o papa Clemente VIII chegou a proibir os católicos de tomar café — mas liberou a “bebida do demônio” e dos “mouros” depois de prová-la. Os ingleses consideravam-no como a bebida dos sediciosos que derrubaram Charles I. E até mesmo os holandeses, sempre famosos por sua liberalidade, tiveram um movimento anti-cafeína. Apesar disso, os caffés se espalharam pela Europa e, dali, para o resto do mundo.
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O marketing agressivo dos primeiros anos da Coca-Cola incluía a distribuição de cupons que valiam “um copo grátis” |
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Nozes de kola: a fonte de (e a solução para) todos os problemas do refrigerante mais famoso do mundo. |
Com sua crescente popularidade, mudanças na fórmula foram consideradas necessárias. Por volta de 1904, o extrato de folhas de coca puras (o que dava estimados nove miligramas de cocaína por garrafa) foi trocado pelo extrato “empobrecido” de folhas de coca — a cocaína foi removida. Qualquer efeito estimulante que sobrou devia-se apenas à cafeína, que vinha da noz de kola e era reforçada por uma dose de 46mg de cafeína sintética a cada 12 onças fluidas (pouco mais de 350 ml, o equivalente a uma latinha moderna). Infelizmente para a Coca-Cola, foi exatamente com isso que Harvey Washington Wiley encasquetou.
Mesmo com a grande popularidade da Coca-Cola — até mesmo entre os proibicionistas, que a consideravam um exemplo de bebida não-alcoólica —, Wiley estava preocupado com a cafeína presente no refrigerante e decidiu fazer algo a respeito com seus poderes recém-adquiridos. Ele alegava que havia grande diferenças entre chá e café e Coca-Cola e seus similares (que também começavam a aparecer). E embora os adultos fossem livres para tomar quanta cafeína desejassem, Wiley queria proteger as crianças dos efeitos negativos da cafeína. Como desde o princípio as crianças sempre foram as maiores consumidoras de Coca-Cola, o suposto risco era enorme — mesmo por que a publicidade da Coca fazia poucos alertas sobre a cafeína.
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Asa Candler: de dono de farmácia a magnata ( não sem alguns contratempos) |
Por seu lado, a Coca-Cola era defendida por seu então presidente, Asa G. Candler (1851-1929). Ele protestava contra as acusações levantadas por Wiley e insistia que seu produto era seguro. Mas isso não convenceu o químico-chefe. Usando sua autoridade, Wiley convenceu o governo norte-americano a prender um carregamento de Coca-Cola. Em 9 de outubro de 1909, um carregamento foi confiscado enquanto estava sendo levado da principal fábrica, em Atlanta, Georgia, para a principal engarrafadora, situada em Chatanooga, Tennessee. Sob a lei de 1906, a Pure Food and Drug Act, a carga foi considerada contrabando, dando início a uma das mais memoráveis batalhas judiciais envolvendo uma indústria alimentícia.