Novas sobre uma velha Nova

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A Nova de Hevelius: destacada em vermelho, essa estrela foi a primeira nova da astronomia moderna

Naquela noite de 25 de julho de 1670, um dos mais importantes astrônomos da Europa estava bastante ocupado. Uma nova estrela aparecera nos céus e era preciso registrar o acontecimento. Na Polônia, Johannes Hevelius (1611-1689) notou uma intrusa na constelação do Cisne. Mais de três séculos depois, o fenômeno está finalmente explicado.

A longa jornada para entender aquela aparição começou com uma correspondência publicado pelo próprio Hevelius no primeiro periódico científico moderno, as Philosophical Transactions da Royal Society. Em sua carta, o astrônomo pioneiro da cartografia lunar localizava e descrevia o que chamava de nova sub capite Cygni — uma nova estrela sob a cabeça do Cisne.

Quando apareceu, a Nova de 1670 foi facilmente vista a olho nu nos meses seguintes. Depois disso ela desapareceu e reapareceu duas vezes (em março-abril de 1671 e março-maio de 1672) antes de se apagar por completo. Por mais detalhada que tenha sido sua descrição — a primeira do gênero realizada pela astronomia moderna —, a Nova de Hevelius permaneceu inexplicável durante trezentos anos. Mesmo com os telescópios cada vez mais potentes dos séculos seguintes, não se enxergava nada debaixo da cabeça do Cisne.

Foi somente no século XX que os físicos ensinaram aos astrônomos o que as estrelas são e como funcionam. As novas dos tempos antigos nada mais eram que cataclísmicas explosões nucleares causadas por acúmulo de hidrogênio e hélio em anãs brancas que giram ao redor de gigantes vermelhas. Subitamente, estrelas que mal se observam podem ficar visíveis em plena luz do dia.

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Esquema básico e uma nova clássica: a anã branca sorve um fluxo de gás de uma companheira maior até explodir.

Exceto a Nova de 1670, cuja natureza continuava inexplicada. Sua variabilidade e seus reaparecimentos antes do sumiço não se encaixavam com as modernas teorias da evolução estelar. O mistério só começou a se dissipar em 1982, quando Moffat e Shara encontraram uma nebulosa bem tênue na região da Nova de 1670. Sua distância foi estimada em 1800 anos-luz e sua localização exata seria na constelação de Vulpecula (Raposa), donde o seu outro nome, Nova Vul 1670.

A Nova descoberta pelo polonês Hevelius no século XVII acabaria explicada por outro astrônomo polonês no século XXI. Seu nome é Tomasz Kaminski. Junto com sua equipe do Instituto Max Planck de Radioastronomia, em Bonn (Alemanha), Kaminski usou o APEX (situado no Chile) e o SMA (Submillimeter Array, do Havaí) para varrer a área abaixo da cabeça do Cisne com ondas de comprimentos milimétrico e submilimétrico.Também foram feitas medidas das razões entre os diferentes isótopos nos gases da nebulosa e estudos de composição química.

“Nós descobrimos que as vizinhanças dos escombros [da Nova] estão banhadas numa mistura gasosa fria e rica em moléculas, como uma composição química bastante incomum”, declarou Kaminski ao Phys.org.

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Restos da Nova Vul 1670, registrados em ondas submilimétricas por Kaminski et. al. [Imagem: Kaminski/ESO]

A nova sobre a velha Nova — publicada na edição de 23/03 da Nature — é que a massa do material resfriado seria muito grande para ser produto de uma simples nova. Mas se não era uma nova, o que foi? Para Kaminski, foi uma colisão entre duas estrelas.

Nova e meia: quando estrelas colidem

Quando estrelas colidem, ocorre uma megaexplosão e a matéria do par se espalha rapidamente. No entanto, à medida que se espalha, os escombros estelares vão se resfriando. O que sobra da batida é uma estrela só, um tanto deformada e que pode depois sofrer explosões adicionais caso a matéria ejetada volte a cair sobre ela. Essa sequência de eventos explicaria o súbito clarão da Nova de 1670, seguido de um apagamento e novas explosões nos meses seguintes. A estrela resultante não seria muito maior que as originais e, sendo fraca, teria sumido de vista.

O fenômeno do choque entre estrelas — conhecido como transiente vermelho ou nova luminosa vermelha (NLV) — é raro e só passou a ser observado no último quarto de século. Por ter sido pouco observado, esse tipo de evento ainda não tem classificação clara. Alguns classificam uma NLV como um subtipo de nova clássica. Outros, o próprio Kaminski, veem nos transientes uma classe inteiramente distinta, intermediária entre as novas clássicas e as supernovas. Seria, portanto, algo como uma nova e meia.

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V838 Monocerotis: sua evolução é considerada típica dos transientes vermelhos

O primeiro transiente vermelho observado foi a estrela vermelha M31 RV, da galáxia de Andrômeda, em 1988. Em 1994, foi a vez da primeira nova luminosa vermelha de nossa galáxia, V4332 Sgr. Uma das imagens mais icônicas da astronomia do século XXI — V838 Mon (acima) — também é uma transiente vermelha. A velha Nova de 1670 é a mais nova da lista e, por estar num estágio mais avançado, seu estudo pode ajudar a entender como esse fenômeno evolui.

Referências

rb2_large_gray25KAMINSKI, T. et. al. Nuclear ashes and outflow in the oldest known eruptive star Nova Vul 1670 [Cinzas nucleares fluxos exteriores na mais antinga estrela eruptiva conhecida, Nova Vul 1670]. Nature, 23 de março de 2015. doi:10.1038/nature14257

SHARA, M. M.; MOFFAT, A. F. J. The recovery of CK Vulpeculae (Nova 1670) – The oldest ‘old nova’ [A redescoberta de CK Vulpeculae (Nova 1670) – A mais antiga ‘velha nova’]. Astrophysical Journal, vol. 258, July 1, 1982, p. L41-L44

HEVELIUS, J. An Extract of a Letter, Written to the Publisher by the Excellent Johannes Hevelius, Concerning, His Further Observations of the New Star Near the Beak of the Swan [Extrato de uma carta escrita ao editor pelo Excelente Sr. Johanes Hevelius sobre suas observações adicionais da Nova estrela perto do Bico do Cisne] Phil Trans R Soc. 1671 6 69-80 2197; doi: 10.1098/rstl.1671.0027

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