Supercondução sob pressão

Supercondutividade na marra: quando submetida a uma pressão hercúlea, uma pequena amostra de LaH10 conduz eletricidade sem perdas à temperatura de um inverno bastante rigoroso. Na imagem, a amostra (esverdeada por causa da radiação) durante uma espectrografia de raios-X para determinar sua estrutura molecular.
Supercondutividade na marra: quando submetida a uma pressão hercúlea, uma pequena amostra de LaH10 conduz eletricidade sem perdas à temperatura de um inverno bastante rigoroso. Na imagem, a amostra (esverdeada por causa da radiação) durante uma espectrografia de raios-X para determinar sua estrutura molecular.

Há décadas, laboratórios de todo o mundo procuram por um composto capaz de conduzir eletricidade, sem resistência, à temperatura ambiente. Em Chicago, cientistas mostraram que essa meta pode ser alcançada com uma dose monumental de pressão.

 

CNTP, Condições Normais de Temperatura e Pressão. Nas provas de Física ou Química (ou Físico-Química), essa sigla indica que o problema proposto ocorre numa faixa de temperatura e pressão comuns, facilmente encontráveis em qualquer laboratório sem a necessidade de nenhum equipamento muito sofisticado. É nas CNTP que funciona a ciência do dia-a-dia: a água ferve a 100 graus Celsius e a uma corrente elétrica enfrenta resistência ao passar por um condutor. Entretanto, quando surgem Condições Anormais de Temperatura e Pressão (CATP), coisas interessantes podem acontecer.

No alto de uma cordilheira, por exemplo, a pressão atmosférica é menor, o que facilita a fervura da água. Assim, um alpinista pode ferver uma chaleira a menos de 100 graus. Mas seria possível reduzir ou anular a resistência elétrica? A resposta é sim, mas isso depende da exposição de materiais bastante específicos a uma condição bastante anormal de temperatura. Conhecida como supercondutividade, a ausência de resistência elétrica tem muitas aplicações potenciais. Pra começar, uma rede elétrica supercondutora poderia transmitir eletricidade sem perdas (graças à intensa corrente que passa sobre elas, as linhas de alta tensão acabam desperdiçando energia na forma de calor).

Por isso, a supercondutividade vem sendo procurada avidamente nos laboratórios de todo o mundo nos últimos 30 e poucos anos. O principal obstáculo é que a supercondutividade só aparece em condições extremas de temperaturas negativas, o que a torna inviável para aplicações em larga escala como os linhões de eletricidade. Para chegar ao mundo real, a supercondutividade precisa funcionar nas CNTP. Vários materiais tem sido propostos e testados para isso nos últimos anos, mas a temperatura funcional ainda varia dos -240º. C a 73º.C.

Uma abordagem diferente foi proposta por Vitali Prakapenka e Eran Greenberg, respectivamente professor e pós-doutorando da Universidade de Chicago. Os tiveram uma ideia simples: pressionar o material para ver se há algum efeito na condutividade. Para isso, eles escolheram uma substância — o super-hidrido de lantânio (LaH10)— projetada por cientistas do Instituto Max Planck de Química (Alemanha). Por isso, A. P. Drozdov, daquele instituto, é reconhecido como autor principal da pesquisa. Além de verificar sua condutividade, Prakapenka e Greenberg queriam determinar sua estrutura química.

Para fazer isso, os dois pesquisadores americanos usaram uma das fontes avançadas de fótons do Laboratório Nacional de Argonne. Lá uma minúscula amostra de super-hidrido de lantânio foi colocada entre dois diamantes pequenos e atravessada por um feixe de raios-X de alta energia. Como uma pinça, os diamantinhos foram apertando a amostra, criando pressão sobre o material. E não foi pressão pouca: entre 150 e 170 gigapascals, mais de 1,5 milhão de vezes a pressão atmosférica ao nível do mar (que é uma das condições normais de temperatura e pressão).

Parece arte gráfica dos anos 1980, mas é ciência dos materiais. O sofisticado exame radiográfico revelou a estrutura acima para o super-hidrido de lantânio: as esferas maiores e escuras são os átomos de La e as menores, de H. A substância forma uma estrutura cristalina de faces cúbicas.
Parece arte gráfica dos anos 1980, mas é ciência dos materiais. O sofisticado exame radiográfico revelou a estrutura acima para o super-hidrido de lantânio: as esferas maiores e escuras são os átomos de La e as menores, de H. A substância forma uma estrutura cristalina de faces cúbicas.

Em carta publicada em 22/05 na Nature, Prakapenka, Greenberg et. al. relatam que a supercondutividade do super-hidrido foi super-bem-sucedida, ocorrendo a amenos -23º.C. Considerando que essa é uma faixa de temperatura que ocorre em alguns lugares do mundo durante o inverno, temos aqui um caso de supercondutividade quase à temperatura ambiente.

Além do recorde de temperatura, alcançado graças à pressão esmagadora, foram observadas três das quatro características para que a supercondutividade seja confirmada. Além da ausência de resistência elétrica, o LaH10 também reduziu sua temperatura crítica sob um campo magnético e apresentou variações de temperatura quando alguns elementos eram substituídos por seus isótopos. A quarta característica da supercondutividade, o Efeito Meissner, não pôde ser observada pelo tamanho limitado da amostra.

Prakapenka e seus colaboradores acreditam que sua pesquisa abre caminho para chegarmos à supercondutividade em temperatura ambiente. Ele acredita que talvez seja possível reduzir a pressão à qual as amostras seriam submetidas. Outra possibilidade em estudo é a criação de materiais que seriam sintetizados sob elevadas pressões mas continuariam supercondutores em condições normais de temperatura e pressão.

Referência

rb2_large_gray25A. P. DROZDOV et. al. Superconductivity at 250 K in lanthanum hydride under high pressures [Supercondutividade a 250 Kelvin em hidrido de lantânio sob altas pressões], Nature  569, 528–531 (2019). DOI: 10.1038/s41586-019-1201-8

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