em especiais, musicologia

Avanços e caminhos da computação musical

ESPECIAL

Parte 1:

José Fornari (Tuti) – 12 de outubro de 2019

fornari @ unicamp . br


Na semana passada estive em São João del Rei, um município histórico de Minas Gerais, assistindo o décimo sétimo simpósio brasileiro de computação musical, o SBCM. Este evento, bianual desde 2001, ocorreu pela primeira vez em 1994, num encontro organizado pela UFMG que apresentou 34 artigos selecionados e trouxe para o município mineiro de Caxambu alguns dos maiores nomes na época da computação musical, especialmente do CCRMA (Center for Computer Research in Music and Acoustics) na Universidade Stanford, California, USA (onde coincidentemente fui pesquisador visitante alguns anos mais tarde), além de diversos outros pesquisadores, de importantes centros de pesquisa em países como: Brasil, Argentina, Canada, Dinamarca, França, Hong Kong, México e UK. Agora em 2019, o encontro do SBCM trouxe como fato inédito o interesse por parte dos organizadores de se recapitular o caminho trilhado pelos avanços da tecnologia musical, desde o início das tecnologias de informação e comunicação (as TIC) fomentadas pela abertura da internet à sociedade civil, contemporânea à realização do primeiro SBCM. Um dos palestrantes, Prof. Loureiro, foi o organizador deste primeiro evento em Caxambu, que tratou na sua palestra de rememorar as pesquisas apresentadas na época, de pesquisadores como Stephen Pope, David Jaffe, Dexter Morrill e Xavier Serra, entre outros. Isto me inspirou a escrever este primeiro artigo sobre o caminho traçado tanto pela tecnologia quanto pelo interesse social, da computação musical, essa área fronteiriça entre tecnologia eletrônica e arte musical, a qual, pela perspectiva dos músicos, trata-se da “tecnologia a serviço da música”, enquanto que, na perspectiva dos engenheiros e programadores, tende a encarar a música como fator motivador do desenvolvimento tecnológico e computacional.

John Chowning, inventor da síntese FM e fundador do CCRMA, segurando uma partitura para Max Mathews, considerado o pai da música computacional, tocar uma peça em uma de suas invenções, o “Radio Baton“. Fonte: https://news.stanford.edu/news/2011/may/max-mathews-obit-050211.html

John Chowning, compositor pós-moderno e percussionista, desenvolveu intuitivamente, no início da década de 1970, um método de síntese sonora baseado na modulação em frequência de ondas de rádio, normalmente usado na transmissão de rádios por modulação de frequência (ou FM, de Frequency Modulation). Este método aplicado à geração de sons surpreendia por permitir criar sonoridades com grande riqueza timbrística (especialmente para sons de metais e percussão) ainda que requeresse pouco processamento computacional (o que, na época, era uma grande constrição tecnológica). Chowning investiu diversos anos desenvolvendo intuitivamente sonoridades conhecidas (diversos sons, na época, considerados bastante similares com instrumentos musicais tradicionais) através deste método não-linear de síntese (ou seja, onde não há uma coerência direta entre os parâmetros da síntese e o resultado timbrístico que será obtido, tornando esta uma técnica predominantemente exploratória e hermética). No meio desta década, Chowning fundou na universidade de Stanford, o CCRMA, até hoje um dos centros mais importantes de pesquisa em computação musical e acústica. Esta invenção, posteriormente chamada de “síntese FM”, foi patenteada e licenciada pela Stanford para a Yamaha, no Japão. Cerca de uma década adiante, depois de diversos ajustes, melhorias e colaborações com o CCRMA, a Yamaha lançou o famoso e extremamente bem sucedido sintetizador DX7, em 1983. O DX7 continha apenas 6 geradores de áudio digital senoidal e 32 diagramas de conexão (chamados de algoritmos) e 16 notas de polifonia. O DX7 também aceitava entrada e saída MIDI (Musical Instrumento Digital Interface). MIDI é um eficiente e simples protocolo de controle de instrumentos musicais digitais em tempo real ainda utilizado, que na época havia sido recém lançado (mais especificamente, no ano anterior, no teclado Jupiter-6, da Roland). Além do DX7, a síntese FM foi extensivamente utilizada em muitas outras aplicações, mas genéricas e comerciais, tais como no processamento de efeitos sonoros e trilhas de jogos eletrônicos, em placas de áudio de computadores e na geração os diferentes toques e alarmes dos primeiros celulares. Segundo me falaram no próprio CCMRA, quando lá estive, a síntese FM tornou-se a segunda patente mais lucrativa da Stanford, sendo secundada apenas pela patente da pílula anticoncepcional, também da mesma universidade.

No próximo artigo continuarei tratando dos avanços e caminhos da computação musical. Até breve!

 

Como citar este artigo:

José Fornari. “Avanços e caminhos da computação musical – parte 1”. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas. ISSN 2526-6187. Data da publicação: 25 de setembro de 2019. Link: https://www.blogs.unicamp.br/musicologia/2019/10/12/33/

Escreva um comentário

Comentário