Para dar o tom: “Laranja Madura”, de Ataulfo Alves
Rehovot Ć© uma cidade de mĆ©dio porte, localizada Ć 20 Km ao sul de Tel Aviv, e foi fundada em 1890 pelos primeiros colonos judeus. No brasĆ£o vĆŖ-se uma laranja, um microscópio e um livro representando os citros, a ciĆŖncia e o espĆrito. Os trĆŖs itens me chamaram a atenção nos primeiros dias na cidade, mesmo antes de saber o significado deles para a regiĆ£o.

Apesar de industrial e tecnológica, a cidade foi no passado um polo agrĆcola, batizada por uma passagem bĆblica em que Isaac, filho de Sara e AbraĆ£o, e seus homens chamam “Rehobot” o local onde abriram o terceiro poƧo sem causar conflito com locais, “porque agora, disse ele, o Senhor nos pĆ“s ao largo, e prosperaremos na terra” (GĆŖnesis 26:22).
Em 1904, Zalman Minkov, judeu polonĆŖs, compra as terras de um cristĆ£o Ć”rabe e transforma os vinhedos de Ć”rvores improdutivas em pomares de laranja. Com uma estação de trem, infraestrutura para exportação e a chegada de novos colonos judeus iemenitas, russos e etĆopes, os laranjais se expandem e geram riquezas. Mais tarde, com a mecanização e a competição internacional, os pomares perdem a importĆ¢ncia.
Hoje, pĆ©s da laranja “limta“, com frutos perfeitamente redondos, amarelos e amargos, enfeitam as ruas da cidade e as praƧas mantendo o passado vivo na memória. As oliveiras tambĆ©m sĆ£o frequentes e me encanta as flores, ervas e plantas aromĆ”ticas que brotam nas varandas, sacadas e quintais. Caminhando pelas ruas, me pego bisbilhotando dentro das casas e apartamentos. A quantidade de plantas mantidas no interior tambĆ©m impressiona.
O cultivo das plantas Ć© toda uma ciĆŖncia. AlĆ©m do Instituto Weizmann de CiĆŖncias, a cidade abriga o campus de agricultura, nutrição e medicina veterinĆ”ria da Universidade Hebraica de JerusalĆ©m, grandes empresas israelenses do setor alimentĆcio e inĆŗmeras startups de alta tecnologia.
Os livros representam o espĆrito, parte do tripĆ© da cidade, e estĆ£o por toda a parte. HĆ” prateleiras de livros em todos os halls de entrada de prĆ©dios sempre gratuitos e acessĆveis a qualquer leitor. Rehovot tambĆ©m foi casa e ponto de encontro de alguns dos primeiros escritores e poetas da lĆngua hebraica, entre eles Rachel Bluwstein, Moshe Smilansky e Benjamin Tammuz, para citar alguns exemplos. Parte da literatura, arte e cultura israelense nasceu aqui.
Entre citros, ciĆŖncia e espĆrito, sinto-me em casa.
“Numa gentil noite suave, eu irei
Para fora e imóvel,
Sem falar com uma Ćŗnica alma,
Vou sentar um pouco.
Vou descansar como quem busca refĆŗgio
Do calor do siroco,
à sombra de uma Ôrvore frondosa,
Enquanto sento sob seus pĆ©s.ā
Parte do poema “Four Poems – One Gentle Evening Suave” de Rachel Bluwstein. Tradução do hebraico para o inglĆŖs de Elias Pater. Minha tentativa de tradução para o portuguĆŖs.
Camila Pinto da Cunha, engenheira agrĆ“noma, jornalista cientĆfica e pesquisadora de pós-doutorado no Instituto Weizmann de CiĆŖncias, escreve sobre vivĆŖncias pessoais e experiĆŖncias cientĆficas em Israel.
CrƩdito imagem: DALLE*E
Texto publicado originalmente em 13 de dezembro de 2020