(Capa: à esquerda, foto por Caco Argemi CPERS/Sindicato, usada sob CC BY 2.0; à direita, foto por Larrion Nascimento)
Texto por Davi Carvalho
Ao ler o título deste texto, seja você de esquerda ou de direita, é possível que tenha elaborado mentalmente uma resposta às perguntas ali levantadas e, então, iniciou a leitura em busca de possível confirmação de sua hipótese. Aí vai uma resposta curta: conservadores são mais felizes do que as pessoas de esquerda. Essa afirmação confirma ou não o que pressupunha? Seja como for, entender – de um ponto de vista científico – a extensão e o porquê dessa diferença pode mudar sua visão sobre o quão feliz você pode ser.
O que diz a ciência?
A grande maioria das pesquisas indicam que conservadores são realmente mais felizes, na média, do que as pessoas mais à esquerda no espectro político-ideológico. Um estudo do Pew Research Center (PRC), nos EUA, apontou que 45% das pessoas de direita (republicanos) contra apenas 30% das de esquerda (democratas) consideram-se “muito felizes”. [1] Apesar de esses dados serem de uma pesquisa com mais de uma década, o aspecto mais interessante dos levantamentos feitos pelo PRC é a constância nos resultados sobre felicidade: desde 1972, os conservadores consistentemente aparecem como mais felizes do que os progressistas.
Outro estudo, de 2014, feito por pesquisadores da Universidade de Nova Jersey, EUA, apoiado em uma gigantesca base de dados (mais de 1 milhão de indivíduos oriundos de 16 países europeus), também apontou que as pessoas de direita são mais felizes do que as de esquerda [2]. Por fim, em um terceiro estudo, envolvendo 15 países europeus, além dos EUA, pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia e da Universidade de Utah descobriram que conservadores veem maior significado na vida do que progressistas [3]. Um ponto curioso dessa pesquisa é que, entre as pessoas de direita, aquelas mais conservadoras nos costumes (contra o casamento gay e o aborto, por exemplo) foram as que mais acentuadamente reportaram ver a vida com grande significado.
Tais pesquisas levantam uma questão ainda mais importante: afinal, por que as pessoas de direita são mais felizes? A literatura científica a respeito do assunto aponta três grupos de fatores que influenciam nisso: 1) aspectos demográficos – tais como casamento e religiosidade; 2) diferenças ideológicas ou comportamentais – como o grau de crença na meritocracia; 3) e, por fim, até mesmo a ideologia predominante do governo do país em que essas pessoas vivem. Quanto a este último fator, principalmente se não está contente com o governo atual de seu país, dificilmente você duvidaria do impacto disso em sua felicidade, não é mesmo? Vejamos, então, o que a ciência diz sobre a relevância de cada um desses fatores para o nosso bem-estar.
1) Fatores demográficos:
As pessoas de orientação política de direita casam-se mais [4], têm mais filhos [5] e são mais religiosas [6], quando comparadas às de esquerda. Ocorre que esses fatores todos se relacionam com a felicidade. Um estudo dos sociólogos Steven Stack and Ross Eshleman, da Wayne State University, encontrou que, em 16 de 17 países industrializados pesquisados, o casamento estava positivamente associado a um maior grau de felicidade [7]. E os conservadores não só se casam mais como, em comparação com esquerdistas casados, há maior probabilidade de se afirmarem “muito felizes” no casamento [8].
Quanto à crença religiosa, segundo o célebre psicólogo social Jonathan Haidt, pessoas que comungam da mesma fé costumam compor comunidades de apoio social mútuo, o que as torna menos isoladas [9]. Além disso, sistemas religiosos oferecem explicações sobre algumas das questões mais profundas que afligem os seres humanos, como sobre a finitude e o que ocorre após a morte [10]. A crença em tais narrativas pode aplacar a angústia existencial, o que tem o potencial de proporcionar maior nível de felicidade aos religiosos.
Quando tais fatores demográficos são considerados em conjunto, a diferença dos níveis de felicidade entre pessoas de ideologias políticas opostas pode ser muito expressiva. Segundo o cientista social Arthur Brooks, da Universidade de Harvard, 52% dos conservadores casados, religiosos e com filhos se afirmam muito felizes, contra apenas 14% das pessoas de esquerda solteiras, sem religião e sem filhos [11]. Esses fatores, porém, não explicam tudo. As próprias características ideológicas dos indivíduos também contam (e muito).
2) Características ideológicas e comportamentais:
Segundo pesquisas do proeminente psicólogo social John Jost, da Universidade de Nova York, o conservadorismo político é uma ideologia que justifica o sistema social, isto é, seus portadores endossam e defendem o status quo, a realidade social, política e econômica como ela é [12]. Conservadores, além de aceitarem as desigualdades sociais, também as enxergam como causadas por mecanismos que consideram justos e legítimos. Assim, Jost argumenta que essa ideologia política acaba tendo uma função paliativa, ou seja, como pessoas de direita tendem a justificar a realidade social, é menor a possibilidade de sofrerem em relação aos problemas sociais, como a desigualdade, o que as tornaria mais felizes do que as de esquerda [13].
Para testar essa hipótese, John Jost e a psicóloga social Jaime Napier realizaram três estudos baseados em surveys [14]. Como resultado desses estudos, amparados em dados de dez países, encontraram que, em comparação com pessoas de esquerda, o maior bem-estar subjetivo de conservadores está de fato relacionado à sua capacidade de racionalizar a desigualdade. Por “racionalização”, conceito bastante conhecido na psicologia social, entenda-se que as pessoas criam narrativas e explicações próprias para as coisas – explicações essas frequentemente bem distantes da realidade – para que se sintam confortáveis com suas crenças e formas de ver o mundo. Um exemplo disso pode ser observado quando uma pessoa conservadora considera que a pobreza seja resultado de apatia, de uma suposta indolência das pessoas: se são pobres, é porque não se esforçaram o suficiente. Eis aí uma típica e clara racionalização de um fenômeno social complexo.
Não à toa, com base nos estudos mencionados, Napier afirma que a crença na meritocracia – a ideia segundo a qual o trabalho duro leva necessariamente ao sucesso na vida – é o principal fator para se predizer quem é mais feliz. Quanto mais se crê na meritocracia, mais feliz é o indivíduo. E os conservadores são os maiores defensores dessa crença.
Esquerda e direita – nível de bem-estar em queda
Em um dos três estudos referidos, Jost e Napier encontraram também que o nível de bem-estar subjetivo geral diminuiu significativamente, nos EUA, entre as décadas de 1970 e 2000. E essa queda geral da felicidade acompanhou um aumento expressivo da desigualdade naquele país. Curiosamente, ao mesmo tempo que a felicidade da população como um todo declinou ao longo do período relatado, aumentou a diferença do nível de felicidade entre os lados ideológicos: as pessoas de direita também foram afetadas e tiveram queda no nível de felicidade, mas em proporção bem menor do que as de esquerda. Observe o gráfico:
Jost e Napier supõem que isso ocorra porque os conservadores possuem, em sua visão de mundo, um “amortecedor” ideológico contra os efeitos deletérios da desigualdade econômica no bem-estar das pessoas. Assim, conforme a desigualdade cresce, isso afeta negativamente a todos, mas atinge mais acentuadamente a esquerda, que, em vez de justificar a realidade social e suas mazelas sociais, a elas se opõe.
Contudo, tais características ideológicas das pessoas aparentemente também não explicam, por si só, sua diferença nos níveis de felicidade. O contexto político e social em que vivem também pesa nessa equação.
3) Diferenças no tipo de governo
Para cada minuto que você sente raiva, perde sessenta segundos de felicidade. – Ralph Waldo Emerson
Se, por acaso, você se opõe firmemente ao governo atual de seu país, suas chances de ser bastante feliz diminuem. Difícil discordar dessa afirmação, não acha? Se os valores que permeiam os governantes no poder são opostos aos seus, isso tem grande potencial para reduzir seu bem-estar. É nesse sentido que apontam alguns estudos.
Em um extenso estudo que envolveu 98 países (incluindo o Brasil), economistas da Universidade de Heidelberg, Alemanha, investigaram a relação entre felicidade individual e ideologia de um governo. Esta última foi aferida a partir da orientação político-ideológica do chefe do Executivo, no caso de sistemas presidencialistas, e a partir da ideologia do maior partido no governo, nos países de regimes parlamentaristas. Como resultado geral da pesquisa, encontraram que as pessoas de direita são, de fato, mais felizes em média; já as pessoas de esquerda têm maior probabilidade de se declararem satisfeitas com a vida quando vivem sob governos de esquerda [15].
Em outro estudo bastante extenso, similar ao dos economistas alemães, psicólogas sociais da Universidade de Colônia também analisaram a questão. Com base em dados extraídos ao longo de 40 anos, de mais de 270 mil indivíduos, oriundos de 92 países (Brasil incluído), as pesquisadoras questionaram a universalidade da diferença de níveis de felicidade entre esquerda e direita. Segundo elas, seus dados mostram que, em comparação com progressistas, conservadores se declaravam mais felizes e mais satisfeitos com suas vidas à medida que a ideologia política conservadora prevalecia no contexto sociocultural do país em que viviam. Nesse estudo, as pessoas de direita se afirmaram mais felizes em 65% dos países e épocas analisados. Em parte das análises, não houve diferença significativa entre os lados ideológicos. Por fim, as pessoas de esquerda se afirmaram mais felizes em 5 dos 92 países estudados [16].
E a sua felicidade e bem-estar? Como andam?
E a felicidade, ainda que tardia, deve ser conquistada. – Sérgio Vaz
Fato já bem documentado na literatura científica, o grau de felicidade que sentimos se relaciona com a nossa orientação político-ideológica. Ocorre que essa última é provavelmente imutável por vontade própria. Em verdade, as pessoas que têm lado definido no espectro ideológico costumam mesmo exibir até certo orgulho de sua posição. É possível, porém, dar sua contribuição para que seu entorno mude a favor de sua visão de mundo. Em regimes democráticos, isso não só é possível, como também é absolutamente legítimo.
A luta política pode ser travada de mil maneiras na democracia. Quando você participa de manifestações democráticas de rua ou compartilha um post de cunho político e se posiciona, discutindo e debatendo temas, está influenciando as pessoas ao seu redor em algum grau. Sua meta maior pode mesmo ser a de dar sua contribuição para eleger um governo alinhado com seus valores. Nada mais legítimo. Afinal, sua felicidade e bem-estar podem disso depender.
Referências
1. (2016) Are We Happy Yet? – Pew Research Center. Acesso em: 10 Out. 2021.
2. Okulicz-Kozaryn, A., Holmes IV, O., & Avery, D. R. (2014). The Subjective well-being political paradox: Happy welfare states and unhappy liberals. Journal of Applied Psychology, 99(6), 1300-1308.
3. Newman, D. B., Schwarz, N., Graham, J., & Stone, A. A. (2019). Conservatives report greater meaning in life than liberals. Social Psychological and Personality Science, 10(4), 494-503
4. Wilcox, W. Bradford. & Wang, Wendy. (2019) Conservatives: Happier at Home, Worried for the Nation. Institute for Family Studies – IFS. Acesso em: 11 Out. 2021. {link}
5. Stone, Lyman. (2020) The Conservative Fertility Advantage. Institute for Family Studies – IFS. Acesso em: 11 Out. 2021. {link}
6. (2014) Religious Landscape Study – Religious composition of conservatives, Pew Research Center. Acesso em: 15 Out. 2021. {link}
7. Stack, Steven. & Eshleman, Ross (1998) Marital Status and Happiness: A 17-Nation Study. Journal of Marriage and the Family, 60, 527-536.
8. Wilcox, W. Bradford & Wolfinger, Nicholas H. (2015) Red Families vs. Blue Families: Which Are Happier? Institute for Family Studies – IFS. Acesso em 17 Out. 2021. {link}
9. Haidt, J. (2006). The happiness hypothesis. New York: Basic Books.
10. Myers, David G. 2000. The Funds, Friends, and Faith of Happy People. American Psychologist 55:56–67.
11. Brooks, Arthur C. (2012) Why Conservatives Are Happier Than Liberals. The New York Times. Acesso em 17 Out. 2021. {link}
12. Jost, J.T., Nosek, B.A., & Gosling, S.D. (2008). Ideology: Its resurgence in social, personality, and political psychology. Perspectives on Psychological Science, 3, 126–136.
13. Jost, J.T., & Hunyady, O. (2002). The psychology of system justification and the palliative function of ideology. European Review of Social Psychology, 13, 111–153.
14. Napier, Jaime L. & Jost, John T. ( 20008) Why Are Conservatives Happier than Liberals? Psychological Science – Vol. 19, No. 6, 565-572
15. Dreher, Axel & Öhler, Hannes. (2011) Does government ideology affect personal happiness? A test. Economic Letters. (2):161–5.
16. Stavrova, Olga. & Luhmann, Maike. (2016) Are conservatives happier than liberals? Not always and not everywhere. Journal of Research in Personality. 63:29–35.
Agradecimentos
Este texto contou com a sempre excelente revisão de Caroline Frere e Eduardo J. V., aos quais sou muito grato. Sem a decisiva contribuição do amigo Daniel Nunes, que trouxe referências, ideias e insights, o texto também não seria o mesmo. Gracias!