[Opinião] O limite entre o comodismo e a arte da apreciação

Mais um dia estacionei meu carro no gramado atrás do laboratório em que faço meu doutorado. Em uma fração de segundos uma dúvida apareceu na minha cabeça: depois de seis anos no mesmo lugar, eu estou acomodado? E nos minutos seguintes precisei ficar dentro do carro para resolvê-la. Sabe como é, as pessoas têm esse medo do comodismo, mas eu nunca tive. Provavelmente eu encontrarei muitas pessoas que dirão que sim, que é impossível não estar acomodado depois de tanto tempo.

Mas, será que isso não pode ser bom? Oras, eu pude construir tantas coisas legais por aqui, embarcar em tantos projetos diferentes e aprender tantas coisas novas. Ou seria isso apenas uma forma de eu justificar meu acomodamento? Por outro lado, as pessoas que foram para outros lugares também puderam aprender coisas novas e construíram novas coisas. Como resolver o dilema?

Mais um dia estacionei meu carro no gramado atrás do laboratório. Mas hoje eu vi o sol bater na grama molhada após três dias nublados e de chuva, e eu percebi que esta é a primeira vez que eu estaciono e noto isso. Durante minha discussão mental eu fiquei encarando o gramado sem perceber, e quando retornei, acabei notando que eu nunca o tinha contemplado desta forma. E que depois de 6 anos, ainda existem coisas novas a serem feitas por aqui. Certamente é clichê, mas não é exagero dizer que a resposta estava ‘à frente dos meus olhos’.

Apreciar o que há de bom ao nosso redor é um hábito que poucos de nós colocamos em prática no dia-a-dia (isso me inclui). Talvez, parte pela educação romântica que tivemos, nos dizendo que para merecer algo bom é preciso sofrer (pessoas que tiveram uma educação desse tipo entenderão). Que não se chega em bons lugares rápido, que isso é uma escalada lenta, e que só no fim é que as coisas podem dar certo. Obviamente as coisas não são fáceis sempre, nem são iguais para todo mundo, mas por vezes, não é uma questão de perspectiva? Afinal, duas pessoas podem olhar o mesmo lugar e uma delas dizer que é o melhor lugar do mundo, enquanto a outra diz que é o pior. Então, dado que em um mesmo lugar as visões podem ser distintas, podemos considerar ainda que é o mesmo lugar?

Cheguei à conclusão que me satisfez: apreciar algo que já se tem e buscar por mais desafios, ou pensar que está acomodado e sair buscando novos desafios são, ambas, opções válidas. A procura por novos desafios é o que motiva as pessoas, e não os encontrar é o que nos dá a sensação de estar acomodado e, como posso encontrar novos desafios no mesmo lugar, penso que ainda não seja hora de mudar.

Mais um dia estacionei meu carro no gramado atrás do laboratório, mas a partir de então o gramado já não é mais o mesmo. Nem o gramado, nem eu.

 

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Sobre gborelli

Mestre em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, atualmente é aluno de doutorado no programa de pós-graduação do IB/Unicamp. Empreendedor nas horas vagas, seu objetivo é ajudar pequenas startups a crescerem. Atualmente participa como consultor de duas startups e está abrindo a sua própria voltada para serviços de laboratório.

Uma resposta para [Opinião] O limite entre o comodismo e a arte da apreciação

  1. É bem isso. Fantástico ambiente em letras.

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