Ondas gravitacionais foram uma das maiores fontes de dor de cabeça para jornalistas mundo afora em 2016, afinal, como reportar algo que você não entende? E como não reportar, sendo que físicos receberam a notícia como quem ouve que descobriram a cura pro câncer? Esta postagem é mais uma tentativa de explicar porque ondas gravitacionais importam.
Lembro claramente dos rumores que se ouviam pelos corredores do instituto de física na semana anterior ao anúncio do LIGO (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro de Laser), quando este convocou uma coletiva. Os rumores foram confirmados na primeira frase de David Reitze (Diretor executivo do LIGO): “Damas e cavalheiros, nós detectamos ondas gravitacionais! Nós conseguimos!”1 (vídeo em inglês)
Para entender o impacto dessas palavras, vamos pensar em algo mais intuitivo para nós: ondas eletromagnéticas. Você se impressionaria se alguém dissesse que detectou ondas eletromagnéticas? Provavelmente não, pois a humanidade domina o eletromagnetismo há muito tempo, exemplos de detectores de ondas eletromagnéticas são o seu olho e antenas de rádio.
Perceba que estas ondas são caracterizadas pela sua frequência, e que um detector não pode ser usado para detectar ondas de todas as faixas de frequência. Assim seu olho não enxerga luz infravermelha ou ultravioleta e sua antena de rádio não detecta micro-ondas.
A comparação entre ondas gravitacionais e eletromagnéticas não foi atoa, quando estudamos a lei da gravitação universal de Newton e a teoria eletromagnética de Maxwell percebemos que as equações que as descrevem são muito parecidas, de forma que a massa de um corpo faz um papel análogo ao da carga elétrica e que ambas as forças produzidas caem com o quadrado da distância, isto é, se dobramos a distância entre dois corpos, a força que um exerce no outro diminui por um fator quatro e assim por diante.
Apesar das semelhanças existem algumas diferenças fundamentais: A primeira e mais aparente é o fato de não existirem corpos com massas negativas, logo as forças gravitacionais sempre terão um caráter atrativo e isso possui implicações em cosmologia.
A segunda é a diferença de intensidade entre as duas; Segure seu
celular (ou qualquer outro objeto) na sua mão. Você já notou que a força eletromagnética produzida pela sua mão consegue facilmente contrabalancear a força gravitacional que o planeta inteiro exerce neste mesmo objeto? Notamos aqui que interações gravitacionais são sutis, e que precisamos de objetos astronômicos para estudá-las.
A terceira é o fato da gravitação newtoniana não ser compatível com a relatividade
especial, diferente do eletromagnetismo que é uma teoria essencialmente relativística. Como a teoria de Newton não possui uma velocidade limite, acaba por prever que as interações acontecem de maneira instantânea e por isso não prevê ondas.
As equações de Maxwell tem uma solução que se comporta como onda e se propaga na velocidade da luz. Este foi um dos primeiros indícios de que a luz era uma onda eletromagnética, um grande salto no nosso entendimento da física. Não é espantoso pensar que ao tornar a teoria da gravitação compatível com a relatividade, através da relatividade geral, prevemos ondas de origem gravitacional.
Mas afinal, qual a grande vantagem da detecção de ondas gravitacionais? Vários textos e vídeos ressaltam que esta é mais uma comprovação da teoria da relatividade geral, o que de fato é verdade. Porém, mais do que isso, a possibilidade de detectar ondas gravitacionais cria um novo ramo de astrofísica!
A astrofísica é uma ciência sem igual, através dela entendemos a evolução das estrelas, a composição química dos astros, concluímos que o universo está em expansão, detectamos a existência de matéria escura, entre outros grandes feitos. E quase todas as conclusões feitas pela astrofísica foram feitas observando ondas eletromagnéticas 2!
Agora temos uma nova fonte de dados para estudar astronomia! Por exemplo, um buraco negro por definição não emite luz3, então para estudá-los usamos efeitos indiretos devido a sua forte influência gravitacional, como a alteração das trajetórias da luz emitida por outra fonte ou mesmo pela influência na órbita de outros astros. Com ondas gravitacionais temos a possibilidade de observar diretamente buracos negros, como feito pelo LIGO, que viu ondas produzidas durante a fusão de dois buracos negros há aproximadamente 1.3 bilhões de anos.
E se você é uma pessoa extremamente pragmática que não se importa com astronomia, saiba que o LIGO é a régua mais precisa do mundo! Lembra quando eu disse que efeitos gravitacionais são sutis? Ondas gravitacionais são caracterizadas pelo que chamamos efeito de maré, quando uma onda gravitacional passa por uma região, esta é comprimida em uma direção e esticada na direção perpendicular. Efetivamente no LIGO isto produz uma diferença de comprimento de aproximadamente 10-18 metros! Essa medida é quase 1000 vezes menor que o raio de um próton!
Para a construção do LIGO foram gastos mais de 620 milhões de dólares e podemos dizer que o gasto valeu apena! Já existem planos de construir outros observatórios como o KAGRA no japão e o IndIGO na Índia.
E quem sabe o que mais pode vir da pesquisa em ondas gravitacionais? Dizem que Michael Faraday, um dos mais importantes físicos experimentais da história e responsável por boa parte do nosso atual entendimento de eletricidade e magnetismo, foi perguntado por um político sobre suas invenções: “Pra que serve isso?”, e este respondeu: “Pra que serve um recém-nascido?”.
Bom pessoal, por enquanto é isso! Este é o primeiro texto de uma série de postagens sobre ondas gravitacionais, no próximo pretendo explicar como é possível detectar uma onda gravitacional, visto que seu efeito é tão pequeno. Até mais!
(Parte 2)
1 Tradução-livre de: “Ladies and gentlemen, we have detected gravitational waves! We did it! ”
2 Outras fontes de observações astronômicas são raios cósmicos e neutrinos, porém nosso entendimento dessas observações ainda não são comparáveis com as feitas com radiação eletromagnética.
3 Estou ignorando radiação Hawking.
One thought on “Ondas gravitacionais (parte 1): Uma introdução. (V. 3, N. 5, 2017)”