Você é um aspirante a físico e gostaria de conhecer o maior laboratório de partículas do mundo? Conhece alunos realmente dedicados que adorariam ganhar uma viagem paga pra Suíça? Então você está na postagem certa!
O CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) realiza desde 2014, a competição “Beamline for Schools”1 (BL4S). Neste, grupos de alunos do ensino médio entre 16 e 20 anos são encorajados a propor um experimento usando um acelerador de partículas através de um pequeno artigo (até 1000 palavras) e um vídeo de um minuto. Dois times são escolhidos vencedores e estes ganham uma viagem (até 9 alunos e 2 adultos) de duas semanas para aprimorar o experimento e realizá-lo junto a equipe do CERN em Genebra.
Infelizmente o prazo de inscrições deste ano já se encerrou, mas você já pode começar a se preparar para a competição de 2018, afinal elaborar uma proposta de experimento não é algo simples! Este ano tive a oportunidade de ajudar um grupo de estudantes do COTUCA (Colégio Técnico de Campinas) que está competindo nesta edição e conto um pouco da experiência.
Vencedores de 2016 realizando treinamentos de segurança e trabalhando em seus experimentos (vídeo em inglês)
Os equipamentos disponibilizados
Para o experimento é disponibilizado o acelerador T9 que é utilizado para testar equipamentos antes de colocá-los em funcionamento em outros experimentos como por exemplo, o LHC (Grande Colisor de Hádrons). O T9 acelera prótons (que chamamos de feixe primário) até 99.92% da velocidade da luz e os faz colidir em um alvo fixo de alumínio ou berílio. Esta colisão gera diversas partículas (feixe secundário) que podem ser selecionadas em energias específicas usando campos magnéticos e identificadas quanto ao tipo de partícula. Os competidores então podem usar o feixe secundário para realizar um experimento proposto por eles.
Além disso, são disponibilizados diversos tipos de detectores de partículas que podem medir grandezas como fluxo de partículas, energia perdida, velocidade, ângulo de espalhamento, entre outros.
Caso algum equipamento necessário ao experimento não seja disponibilizado pelo CERN é permitido ao grupo levá-lo de outro lugar, sendo inclusive uma possibilidade de projeto a construção e teste de um detector de partículas caseiro! Outros exemplos de experimentos podem ser vistos aqui (link em inglês).
O contato inicial
O time “Brazinga” do COTUCA contatou o Prof. Dr. Marcelo M. Guzzo do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (localizado na Unicamp) falando sobre o BL4S e este marcou uma reunião convidando também os membros do Grupo de Estudos de Física e Astrofísica de Neutrinos, do qual eu faço parte. Nesta reunião eles nos explicaram a ideia por trás do concurso e nos apresentaram uma série de ideias para experimentos.
É interessante notar que os alunos trouxeram ideias de aplicações bastante práticas do acelerador, talvez devido a sua formação técnica, e isto é algo raro quando pensamos em colisores de partículas. Dadas as ideias iniciais do time, comentamos um pouco sobre a física e sobre a viabilidade das propostas e deixamos que eles escolhessem uma delas para aprofundar e enfim enviar ao CERN.
Entendendo que o projeto deveria ser totalmente dos alunos, tentamos ao máximo evitar dar opiniões pessoais ou inclinar o projeto em algum caminho específico. Então nos limitamos a tirar duvidas sobre física de partículas e quando as dúvidas superavam nossos conhecimentos encaminhamos eles a outros pesquisadores que poderiam sanar estas dúvidas. Isto inclusive possibilitou o contato do time com o Prof. Dr. Anderson C. Fauth que é especialista em detecção de partículas carregadas e pode ajudá-los nos toques finais da parte instrumental do projeto.
O experimento
Vídeo proposta do time Brazinga.
Recentemente os alunos me enviaram a versão final do projeto intitulado “Dispersion and absorption of muons: a new methodology for analysis of one of the largest environmental disasters of Brazil”2 e sinceramente, fiquei muito impressionado!
No final de 2015, os noticiários se voltaram ao desastre ambiental de Mariana/MG devido ao rompimento da barragem de Fundão. A barragem continha os rejeitos provindos da extração do minério de ferro da mineradora Samarco, que inundou diversos vilarejos e poluiu o Rio Doce cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios, sendo considerado o desastre industrial de maior impacto na história brasileira. Pensando em como contribuir no estudo de impacto ambiental, os estudantes propuseram analisar a água contaminada do rio.
Usando os múons (partículas parecidas com elétrons, porém mais pesadas) produzidos no feixe secundário, eles propõem analisar a concentração de poluentes metálicos como alumínio, ferro e manganês.
Para tanto, uma amostra não contaminada será bombardeada pelo feixe de múons e então será medida a absorção, dispersão angular e perda de velocidade do feixe. O mesmo procedimento será feito com amostras dopadas com concentrações conhecidas dos poluentes, tentando identificar as diferenças entre o comportamento delas em relação a amostra não contaminada e determinando um padrão que possa ser utilizado então para analisar uma amostra real do Rio Doce.
Provavelmente existem meios mais confiáveis de determinar estas concentrações, porém métodos alternativos são sempre bem vindos para confirmar os resultados obtidos. Além disso, é uma excelente oportunidade para estes estudantes verem o método científico em ação, desde a elaboração de hipóteses até a conclusão sobre a veracidade das mesmas, incluindo quais os argumentos levaram a estas conclusões através de testes precisos feitos em laboratório.
Se quiser saber mais sobre o projeto do time Brazinga, leia o projeto deles na íntegra!
É isso pessoal! Eu fico por aqui, torcendo para que estes jovens pesquisadores sejam escolhidos entre os 180 times que concorrem este ano e consigam ir ao CERN realizar seu ambicioso experimento. Lembrando que comentários são sempre bem vindos, então não deixe de mandar o seu.
Agradeço ao pessoal do time Brazinga pela oportunidade de contribuir com o projeto e pela permissão para divulgá-lo aqui: Gabriel dos Santos Pinto, Nikolas Franco Rios, Giulia Giacomello Pompílio, Beatriz Ferreira Forcato, Airton Cardoso Lana, Ian Loron de Almeida, Giovanna Machado Flores e João Pedro de Oliveira Silva, além dos professores do COTUCA: Prof. Me. Guilherme Araújo Wood (Dep. de Eletroeletrônica) e a Profª. Drª. Ana Paula Lima Barbosa (Dep. de Ciências) que os orientaram.
ATUALIZAÇÃO (06/14/2017): A proposta do grupo Brazinga ficou entre as 30 melhores recebidas pelo CERN e eles foram premiados com um detector de raios cósmicos, além de um certificado e uma camiseta para cada integrante. (LINK DA NOTICIA)
1Tradução livre: feixe (de partículas) para escolas.
2Tradução livre: Dispersão e absorção de múons: um novo método de análise para um dos maiores desastres ambientais do Brasil.
O tema foi uma feliz escolha. Meses de estudo e dedicação, foram necessárias pra finalização do projeto. Experiência pra toda vida. Parabéns a equipe do COTUCA e boa sorte.
Experiência pra toda vida mesmo! Da gosto de ver alunos tão dedicados! Se continuarem nesse caminho serão excelentes pesquisadores!
Tenho muito interesse sobre a construção e teste de um detector de partículas caseiro. Você sobe onde posso achar esse projeto ?
Olá Klinger,
Existem diversos tipos de detectores de partículas, não sei em qual tipo você estaria interessado. Um que pode ser feito com materiais razoavelmente fáceis de encontrar é uma câmara de nuvem, um dos primeiros tipos de detector. O mais difícil é achar álcool isopropílico e gelo seco.
Você pode começar por este vídeo da UFRGS: https://www.youtube.com/watch?v=KsPIFFEiCc8
Abraços,
Eduardo.