Os irmãos esquecidos de π
Na escola aprendemos que π é um número especial, uma constante obtida pelo perímetro de uma circunferência dividida por duas vezes o seu raio.
Uma maneira didática com que professores de matemática costumam apresentar esse conceito, é pedindo que os alunos encontrem circunferências pela escola, meçam seu perímetro, seu raio e depois realizem essa divisão. Ainda que percebamos pequenas variações resultantes nas próprias medições, o valor se aproxima do famoso número irracional π (ou seja, algo em torno de 3,14).
Um exemplo disso, é minha xícara de café aqui ao meu lado enquanto escrevo. Com uma fita métrica medi seu perímetro e seu diâmetro.
Dividindo 280 por 85, chegamos em 3,294. Sim, foi uma péssima medição da minha parte mas serve de exemplo 😀
O interessante, é que a existência de uma constante dada pela divisão do perímetro pelo dobro do seu raio, se mantêm para todos os polígonos regulares!
Podemos nesse caso definir o raio de duas maneiras:
raio-vértice: dado pela distância de um dos vértices até o centro do polígono;
raio-apótema: dado pela menor distância de uma aresta até o centro do polígono.
Esse problema de escolha não ocorre no círculo, pois todo ponto do seu contorno tem a mesma distância até o centro. Mas no caso dos polígonos regulares precisamos primeiro definir qual das categorias de raio estamos nos referindo. Por um gosto pessoal, dado que já existe o conceito de apótema, prefiro adotar o raio-vértice. Também por conveniência, chamaremos de diâmetro o dobro da medida de um raio-vértice.
Assim, pegando um triângulo regular cujo lado vale L, seu perímetro será dado por 3L (até aqui esta fácil);
Seu raio-vértice será dado por L/2 dividido por cos(30o), ou reescrevendo, L/[2.cos(30o)]. O valor do cos(30o) é sqrt(3)/2, logo, o raio-vértice será L/sqrt(3), e seu diâmetro será 2L/sqrt(3). Dividindo o perímetro pelo diâmetro, chegaremos numa constante que chamaremos de Bi, e ela será dada por 3L/(2L/sqrt(3). Como pode observar, temos a variável L no numerador e no denominador, e L é um comprimento, então L>0, assim o numerador e o denominador se anulam, restando apenas uma constante, que é aproximadamente 2,59807.
O mesmo raciocínio ocorre para um quadrado. Seu perímetro é dado por 4L, e seu diâmetro é dado por L.sqrt(2). Dividindo o perímetro pela diagonal novamente o numerador L se anula com o denominador L, restando apenas 4/sqrt(2), ou seja, uma constante que chamaremos de Ci e se aproxima de 2,82842.
Para ilustrar, também mostro o cálculo com um pentágono.
Um resultado mais geral pode ser notado para todos os polígonos regulares, pois o numerador será um produto de L unidades, enquanto o diâmetro estará em função de L, se anulando e restando apenas uma constante.
Interessante observar como numerador cresce de forma linear, enquanto o denominador cresce mais lentamente.
Isso faz com que a medida que o número de lados do polígono aumenta, vamos gerando constantes Di, Fi, Gi, … até chegarmos no nosso famoso (e por isso sem graça) π.
Uma expressão geral para o cálculo do diâmetro de qualquer polígono regular é L.cos(theta/2), onde L é o lado do polígono e theta é um ângulo interior do polígono.
Perímetro (L=1) | Diâmetro (L=1) | P/D |
3 | 1,15470053837925 | 2,59807621135332 |
4 | 1,4142135623731 | 2,82842712474619 |
5 | 1,70130161670408 | 2,93892626146237 |
10 | 3,23606797749979 | 3,09016994374947 |
20 | 6,39245322149966 | 3,12868930080462 |
50 | 15,9259711099087 | 3,13952597646566 |
100 | 31,8362252090975 | 3,14107590781284 |
200 | 63,6645953060007 | 3,14146346236413 |
200 | 63,6645953060007 | 3,14146346236413 |
500 | 159,155990294267 | 3,14157198277953 |
1000 | 318,310409783138 | 3,14158748587987 |
2000 | 636,620034167059 | 3,14159136166168 |
5000 | 1591,54953563821 | 3,14159244688228 |
10000 | 3183,09891419646 | 3,14159260191397 |
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Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Os irmãos esquecidos de π. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 4. Ed. 1. 2º semestre de 2020. Campinas, 15 nov. 2020. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/2409/. Acesso em: <data-de-hoje>.