Uma história do movimento negaDOISnista

A algum tempo na cidade de Larkinstrongner na Alemanha, começavam grandes avanços nas Ciências Sociais.

Os pesquisadores dessas áreas estavam obtendo fortes resultados a partir de seus estudos e considerando deles algumas estratégias para políticas públicas eficazes pro desenvolvimento da população.

Nem todos os resultados eram do agrado dos pesquisadores ou seguiam a tendência que eles desejavam inicialmente, porém sua ética com a Ciência lhes fazia divulgar esses resultados com a maior integridade possível.

Contudo, os pesquisadores estavam tão focados em seu trabalho para o bem da sociedade, que consideravam ser mais benéfico trabalhar para a melhoria da sociedade, do que tentar explicar para a sociedade aquilo que eles estavam fazendo. Essa forma de pensar seguia predominante, afinal suas investigações utilizavam pressupostos e teorias bem complexas para se explicar numa linguagem corriqueira.

Até mesmo os pesquisadores que tentavam fazer essa comunicação, acabavam mais assustando as pessoas, pois pareciam falar de coisas absurdas, ou mesmo se passavam por loucos, cheios de termos, nomes, e dados que dificilmente eram entendidos, mas quanto mais o pesquisador tentava explicar, menos as pessoas se julgavam capazes de entender, e diziam que aquilo tudo era coisa de outro mundo. E nessa tendência os estudos seguiram, a população não queria saber o que acontecia lá, e os pesquisadores queriam propor políticas públicas melhores para a população… parecia que nessa simbiose todos estavam ganhando, mesmo sem se entenderem.

Contudo, um grupo decide se opor ao atual governo da região, eles não tem um plano, não tem metas, seu objetivo era simplesmente derrubar o atual poder e assumí-lo. Mas é claro que não poderiam dizer com essas palavras quais eram suas intenções, então começaram a incitar a dúvida na população, usar de metáforas e analogias para trazer insegurança sobre aquilo que os pesquisadores faziam. E tomar de exceções, regras para invalidar seus resultados. Com essas ações, eles batiam de frente contra as políticas públicas, e conseguiam convencer a população de que estavam perdendo com tudo aquilo, afinal todas as pesquisas ficavam centradas na ideia de coletivos, quando ‘a verdade é óbvia’, não existem coletivos.

Diziam que os cientistas trabalhavam em cima de uma mentira, afinal eles tiravam conclusões sobre pessoas inventadas, afinal, cada pessoa é única, não pode ser generalizada, cada um deveria ser tratado como um ser unitário, e não como um conjunto. Ainda que estranha, essa ideia era reforçada a partir de ‘histórias’ sobre exceções, sobre exemplos com que as pesquisas não funcionaram, sobre casos nos quais esses resultados se mostraram ‘mentirosos’, e assim ignorando todo o conceito de fazer-se ciência.

O movimento cresceu e foi aos poucos pressionando a gestão pública, as universidades começaram a ser intimidadas, os pesquisadores se viram em um contexto de medo. Se esforçavam para não mencionar grupos nos seus estudos, tentavam ampliar a forma de trabalho para analisar cada indivíduo como um caso único, e com isso as generalizações que possibilitavam seus resultados aplicáveis, foram diminuindo. As políticas públicas fomentadas pelas pesquisas foram se enfraquecendo e o movimento que negava a existência de nada além da unicidade de pessoas foi crescendo. Muitas famílias aderiam a esse pensamento, afinal, não dá para comparar seus filhos, nem considerá-los iguais aos dos vizinhos, quanto mais compará-los com filhos de desconhecidos, um absurdo, eles são cada um, um ser único.

A força desse movimento de negar o estudo humano como grupos foi crescendo, e seus apoiadores foram se tornando mais hostis nos argumentos. Eles pressionavam cortes nas pesquisas, justificando a falta de resultados realmente importantes, diziam que os pesquisadores não trabalhavam de verdade, e sustentavam suas mentiras baseadas na ideia de coletivos humanos, apenas para se alimentar dos impostos.

As mobilizações foram tão intensas a ponto desse grupo atingir seus objetivos, alcançando o poder acompanhado de multidões que os idolatravam como aqueles que os salvaram das garras dos pesquisadores e do antigo governo que lhes forçava a pagar seus custos de vida e suas pesquisas sem sentido.

Após vários anos no poder, esse grupo quase não trouxe melhorias a população, mas associavam regularmente suas ações como positivas dados os benefícios de considerar cada pessoa como única. O tempo passou, e as gestões foram mudando, a história do que ocorreu lá atrás já não era mais tão vívida nas pessoas, elas sabiam que algo tinha sido feito, que elas haviam vencido uma dura batalha, mas não se lembravam ao certo o que, e nem conseguiam dizer o que conquistaram com tudo aquilo, mas sabiam que era bom.

Novas gerações foram surgindo, e velhas pesquisas foram retomadas com cautela, guardando uma lição aprendida pelos mais velhos e passada aos que começavam essa jornada. Levar o conhecimento do que ocorre na universidade para a população, não é gastar tempo, é um investimento na Ciência. Uma forma de evitar que falácias se espalhem, e que novos movimentos baseados em argumentos fracos ou falsos, cresçam novamente e que levem lideranças sem planejamento algum ao poder.

Essa é uma história totalmente inventada, a tal cidade mencionada nem existe.

O motivo de trazer essa história inventada nesse blog de matemática, é discutir a importância das quantidades. Números são invenções, duas bananas serão sempre diferentes, podemos chamá-las de B1 e B2, e qualquer terceira banana (B3) será diferente de B1 e B2. Pois se olharmos de forma suficientemente ampliada qualquer objeto, veremos que de fato ele é algo único, seus átomos estão arranjados de forma que se diferenciam em algum aspecto um do outro. Quanto mais se tratando de pessoas, quaisquer duas pessoas serão sempre duas unidades diferentes, P1 e P2, não podemos dizer que são iguais para querer analisá-las em conjunto sem que isso tenha alguma perda. Quanto mais analisar milhões de pessoas? Isso tem um custo, tem uma série de dados que serão perdidos para aderir a um modelo simplificado de ser humano.

Contudo, pensar nas pessoas dentro de grupos traz um potencial de generalizar os dados do estudo maior do que quando pensamos cada indivíduo como um caso particular. Por exemplo, nos questionários socioeconomicos do ENEM, temos milhões de concluintes do Ensino Médio todo ano respondendo-os, analisar isso de forma individual, considerando cada estudante como um ser único é por um lado coerente, contudo inviável. Uma análise ignorando vários aspectos do indivíduo para considerá-los dentro de grupos, permite chegar em resultados que nos fazem pensar sobre vários assuntos, como por exemplo a influência da formação dos pais no desempenho do estudante.

Ao pensarmos em um grupo, pensamos em um perfil de ser humano imaginário, mas cuja conclusão que atingirmos a esse indivíduo imaginário deve atingir parte dos integrantes daquele grupo. Haverão sempre exceções, esse é um preço a se pagar por generalizações, porém tal forma de pensar nos possibilita propor mudanças maiores, pensar em formas de gestões e de políticas públicas.

Crédito da imagem de capa a Sarah Lötscher por Pixabay


Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Uma história do movimento negaDOISnista. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 5. Ed. 1. 1º semestre de 2021. Campinas, 08 jan. 2021. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/2543/. Acesso em: <data-de-hoje>.

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