Principium tertii exclusi e Reductio ad absurdum: antigos “feitiços” matemáticos

Desde a antiga Grécia, matemáticos procuram a partir da lógica provar que propriedades matemáticas são verdadeiras.

Assim, existem diversas técnicas de demonstração, a forma direta, a contrapositiva, a indutiva … mas uma em particular é um tanto polêmica ao mesmo tempo que eficaz, a Reductio ad absurdum (que em Latim significa Redução ao Absurdo).

Essa técnica existe desde a antiga Grécia, e parte de um princípio que as lógicas mais simples não possuem, conhecido como Principium tertii exclusi (que em Latim significa Lei do terceiro excluído).

Essas palavras misteriosas, que com alguma frequência incomum nos faz recorrer à sua pronúncia em Latim e mais parecem feitiços como aqueles vistos em filmes de fantasia, possuem um significado isolado simples se comparado ao poder “devastador” que exercem em algumas demonstrações.


Para começar, a Lei do terceiro excluído QUANDO SE APLICA, diz que uma afirmação é verdadeira, ou sua negação é verdadeira, não existindo uma “terceira opção” (entendeu por que se chama “terceiro excluído“?). Uma situação em que a Lei do terceiro excluído NÃO SE APLICA já foi discutido neste blog no post A falha do Duplo Negativo-Inator.

Essa Lei pertence à Lógica Clássica, por isso se encaixa bem na Matemática como conhecemos, veja um exemplo:

  • Seja x um número Natural maior do que 1. Uma das afirmações será verdadeira.
    • o número x é primo;
    • o número x não é primo.

Perceba que nesse caso não há uma terceira opção. Ou seja, se demonstrarmos que qualquer uma das duas afirmações for falsa, então a outra precisará ser verdadeira. Mas cuidado, podemos facilmente enunciar essa lei de forma errada achando que estamos no caminho certo, veja um exemplo:

  • Seja x um número Inteiro. Uma das afirmações será verdadeira.
    • o número x divide y com resto 0;
    • o número x divide y com resto diferente de 0.

Neste exemplo, podemos ter a impressão que a Lei do terceiro excluído se aplicou… mas e se x for igual a 0? Nenhuma das duas opções ocorre (dado que a divisão por 0 não é definida), ou seja, existe ainda uma “terceira opção”.


Assim, quando uma afirmação permite o uso da Lei do terceiro excluído, ela pode ser atacada com a Redução ao Absurdo. A ideia nesse caso envolve demonstrarmos que uma das afirmações é falsa supondo que ela se seja verdadeira (pareceu meio confuso? parece que estamos indo na direção contrária ao que pretendemos). Porém, ao supormos que a afirmação é verdadeira e mostrarmos que isso nos levou a um Absurdo (uma conclusão contraditória), temos então que aquela afirmação é falsa. Então, pela Lei do terceiro excluído a outra afirmação deverá ser verdadeira.

Para melhor ilustrar esse “feitiço” matemático, apresentaremos duas demonstrações por Redução ao absurdo que existem desde a antiga Grécia.


Enunciado: √2 não é racional (cuidado, Pitágoras matou o aluno que criou essa demonstração)

  • Demonstração:
    • suponha que √2 é racional
    • então √2 pode ser escrito como p/q onde p e q ∈ ℤ, q ≠ 0 e mdc(p, q) = 1;
    • mas (p/q)² = p²/q² = 2, logo p² = 2.q²;
    • isso implica que p² é par, logo p deve ser par, então podemos escrever p como 2.n onde n ∈ ℤ;
    • assim, (2.n)² = 4.n² = 2.q², logo 2.n² = q²;
    • isso implica que q² é par, logo q deve ser par, então podemos escrever q como 2.m onde m ∈ ℤ;
    • porém, temos que mdc(p, q) = mdc(2.n, 2.m) = 2, Absurdo (a contradição reside que p e q foram definidos de modo que mdc(p, q) = 1);
    • logo, √2 não é racional.

Enunciado: Existem infinitos números primos (essa demonstração já apareceu no post Demonstrar com charme)

  • Demonstração:
    • suponha que existam apenas k primos, p1, p2, …, pk;
    • tome n = p1.p2…pk (o produto dos k primos);
    • sendo n+1 maior que pk, n+1 não é primo e não tem um divisor comum com n;
    • sendo pj (um dos k primos) divisor de n e n+1, então pj divide [(n+1) – n] = 1, o que é um Absurdo (a contradição reside que nenhum número primo pode dividir 1).

Lembre-se como um aplicado aprendiz de feitiçaria, sempre que quisermos utilizar o “feitiço” Reductio ad absurdum precisamos antes usar o “feitiço” Principium tertii exclusi.


Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Principium tertii exclusi e Reductio ad absurdum: antigos “feitiços” matemáticos. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 7. Ed. 1. 1º semestre de 2022. Campinas, 31 jan. 2022. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/3682/. Acesso em: <data-de-hoje>.

8 thoughts on “Principium tertii exclusi e Reductio ad absurdum: antigos “feitiços” matemáticos

  • 17 de março de 2022 em 21:23
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    Olá prof., boa noite,

    No texto "Neste exemplo, podemos ter a impressão que a Lei do terceiro excluído se aplicou… mas e se y for igual a 0?", acho que o sr. quis dizer "e se x for igual a 0".

    Desconhecia que prova por absurdo e por contrapositiva eram diferentes. Obrigado pelo artigo.

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    • 18 de março de 2022 em 12:57
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      Boa tarde Nilo, você tem razão, era x em vez de y, já vou corrigir aqui. Obrigado 🙂

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  • 28 de março de 2022 em 22:51
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    Obrigado pela edição. Tenho uma outra dúvida q acho que pode ser útil aos demais alunos: uma contradição é o mesmo que uma afirmação que é sempre falsa ? Em https://en.wikipedia.org/wiki/Proof_by_contradiction#Relationship_with_other_proof_techniques se infere a partir de uma proposição p o equivalente que introduz a contradição, mas se fala tanto em contradição como em afirmação falsa ("where {\displaystyle \bot }\bot is a logical contradiction or a false statement"). Agradeço sua ajuda e eventual material de leitura 🙂

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    • 30 de março de 2022 em 08:53
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      Bom dia Nilo, uma contradição é uma afirmação sempre falsa. Como por exemplo 1 = 0 (dentro dos conjuntos numéricos usuais). A ideia de uma prova por contradição, é mostrar que se uma das condições iniciais fosse diferente, isto levaria então a uma situação insustentável. Mas por si só a contradição não garantiria a demonstração. Por exemplo, para mostrar que x = y, não bastaria mostrar que x > y leva a um absurdo, pois ainda existiria a situação em que x < y possa ocorrer. Daí a necessidade de garantirmos que existem apenas duas situações (a lei do terceiro excluído). No exemplo de x = y, a segunda condição poderia ser expressa como "x y", se mostrar que isto leva a uma contradição, logo só podemos ter a outra situação.
      Fico feliz que este curso e material de leitura tenha-o ajudado 🙂 no próximo semestre pretendo lançar uma versão melhorada deste e também um com foco no princípio da indução

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  • 30 de março de 2022 em 19:50
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    Mas uma contradição e uma afirmação falsa não me parecem a mesma coisa. Toda contradição é necessariamente uma afirmação falsa, mas dizer "O planeta Terra é amarelo" não me parece uma contradição (i.e. não afirma e nega a mesma coisa), apenas uma afirmação falsa...

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    • 31 de março de 2022 em 17:56
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      Boa tarde Nilo, acho que a parte confusa nesse caso ficou relacionado à afirmações. Uma afirmação pode ser verdadeira ou falsa. Por exemplo, seja x pertencente aos Reais estritamente positivos, tomemos a afirmação: x > x².
      Essa afirmação será verdade quando 0 < x < 1.

      Porém, a afirmação (x + 1) > (x + 1)² será falsa para todo x maior que 0. Então, se eu consigo em meus cálculos chegar a este resultado, posso dizer que cheguei em uma contradição.

      Diferente por exemplo de chegar neste resultado para os Reais (que admitiriam soluções como x = -1.5, logo, teria status de situações verdadeiras e de situações falsas)

      Por outro lado, um teorema é uma afirmação que para todo seu domínio, só pode assumir o status de verdadeira. Por exemplo, para qualquer x pertencente aos Reais, (x² + 1) > 0.

      Isto será sempre verdade para todos os Reais, não havendo possibilidade de assumir o status falso (o que não seria verdade por exemplo para os Complexos, onde poderia dizer que x = i, logo x² = -1, daí x² + 1 = i² + 1 = -1 + 1 = 0).

      Ficou mais claro essa questão Nilo? (comentário atualizado em 2022-04-01 às 12h20)

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      • 10 de abril de 2022 em 13:50
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        Boa tarde prof.,

        Pensei bastante sobre a sua resposta e entendi. Realmente uma afirmação falsa eh uma contradição. O q me ajudou: Se p eh uma afirmação falsa, p ^ q, qualquer q, sempre eh falsa (pela tabela-verdade de e). Assim tomando em especial q = ¬p, temos p ^ ¬p, a contradição. Obrigado pela ajuda!

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        • 10 de abril de 2022 em 21:56
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          Que bom que entendeu "do jeito fácil" Nilo.
          Digo isso, pq na graduação a gente vê isso sem nenhuma antecipação, do nada aparece e o professor espera que isto seja óbvio pra toda a turma :3

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