No Zero a gente leu “Vídeos na Educação Matemática: Paulo Freire e a quinta fase das tecnologias digitais” de Borba, Souto e Canelo Junior

Enquanto alguns livros seguem um ritmo crescente, este já começa jogando gasolina na fogueira ao apresentar o que entendem como “a quinta fase das tecnologias digitais”. Digo isso não só pela minha impressão do capítulo 1 que começa apresentando uma parte do título da obra, mas também pela visão e longa discussão que essa questão gerou nas reuniões PECIMAT (Grupo de pesquisa de Tecnologias Digitais em Educação Matemática e formação de professores) que participei envolvendo esse livro.

De fato escolhemos para discutir esta obra no 1o semestre de 2022 por vários aspectos, dentre eles a atualidade desta discussão, a relevância do autor para as pesquisas em Educação Matemática e por trazer em seu título o nome do nosso patrono da Educação, Paulo Freire. A princípio seria uma obra bastante interessante para nos aprofundarmos um pouco nas teorias desse grande educador (usado tantas vezes fora de contexto) com a Educação Matemática em um cenário, embora ainda pandêmico, já mais naturalizado com essa situação após 2 anos de crise.

Assim, o livro começa trazendo o que são as 4 fases das tecnologias digitais relacionadas à Educação Matemática, esse é um aspecto importante de destacar, pois não estamos falando de tecnologias digitais per si, e sim, presentes nos cenários de Educação Matemática. Assim, podemos dizer que uma tecnologia digital como por exemplo, o cartão magnético, não aparece nestas 4 fases pela simples razão de não ter ocupado espaço nos cenários de Educação Matemática, ainda que possa ter marcado “uma fase” nas tecnologias digitais relacionadas às transações financeiras. Desse modo, o autor inicia listando o resultado de seus trabalhos anteriores que organizou as tecnologias digitais neste contexto, em 4 fases, para exemplificar e amparar nossa discussão, são elas:

1a fase: Marcada pela incorporação o software LOGO nas aulas de matemática, que trazia a possibilidade de desenvolver diversas representações e problemas a partir de um ambiente de programação.

2a fase: Marcada por softwares específicos utilizáveis diretamente sem a necessidade de programá-los, como por exemplo Winplot, nele você conseguia gerar vários gráficos inserindo diretamente a função matemática.

3a fase: Marcada pela popularização da Internet, nessa ocasião começam a surgir espaços virtuais com conteúdos de matemática como blogs (tipo esse) e também ambientes de compartilhamento e aprendizagem a partir de cursos e fóruns.

4a fase: Marcada pelo aumento da banda de internet, com isso o volume de conteúdos deixa de ser um limitante, viabilizando o uso da internet para compartilhamento de vídeos, realização de atividades síncronas e trabalho em espaços virtuais compartilhados.

A polêmica então surge como no próprio livro é relatado, com o BOOOOM que essas 4 fases tiveram nas pesquisas em Educação Matemática. Valendo ressaltar que as fases não se substituem, e sim, somam-se. Por exemplo, o Scratch pode ser considerado um objeto multifases.

  • 1a fase: quando usado para criar do 0 um programa;
  • 2a fase: se você usar projetos prontos;
  • 3a fase: Se você utiliza fóruns e páginas de auxílio para a produção do código ou mesmo baixa códigos de outros usuários;
  • 4a fase: Se você utiliza o ambiente de programação online.

Acredito que até esse ponto tenhamos uma concordância entre as fases, mas eis que segundo o autor começou a alguns anos uma agitação para descobrirem qual seria a próxima fase. Ou se já estaríamos vivendo na 5a fase. Apesar dos ânimos, o autor se manteve na ideia de que as fases são marcadas por mudanças significativas que as separam. Pequenas mudanças seriam somente um desenvolvimento de uma fase, mas não um salto para a seguinte. Contudo, com a COVID-19 surgiu uma mudança que levou o autor a assumir que de fato, entramos numa quinta fase… ficou curioso para saber o que foi? Ou qual a maneira como a 5a fase foi definida a ponto de levar nosso encontro do PECIMAT a uma discussão calorosa? Então… isso vou guardar em segredo para que você leia o livro e discuta com a gente nos comentários 🙂

Após esse primeiro capítulo que inquieta os leitores, o livro segue em um ritmo mais tranquilo, discutindo sobre alguns eventos que ocorriam antes da pandemia, como passaram a ocorrer na pandemia e como eles foram ao mesmo tempo influenciadores e influenciados da mudança que ocorreu. Ao longo de todo o livro os autores traçam links com alguns pensamentos e Paulo Freire, mas esse não seria um livro adequado a quem gostaria de se aprofundar no nosso patrono da Educação. Pois embora fique nítido o domínio que os autores tem sobre Paulo Freire, parece que a urgência em lançar este livro em meio a um cenário ainda pandêmico, fez com que os encaixes dessas ideias à obra não tivessem todo seu potencial aproveitado.

O livro faz em si, um apanhado bastante amplo dos vídeos digitais ao longo de vários espectros da Educação Matemática, cobrindo desde festivais, formações acadêmicas, e levando a diversas reflexões a seu respeito. Contudo, seu capítulo 4 foi o mais enigmático. Para ter uma ideia, um encontro de 2 horas do nosso grupo, não foi o bastante para entender as teorias tratadas e remodeladas neste capítulo, tivemos que chamar um orientando do autor, cuja pesquisa foi referência neste capítulo para tentar nos explicar sua teoria, para então, voltarmos a nos reunir em cima deste capítulo. De fato, este capítulo não só é central espacialmente no livro, mas também é central na discussão por traçar uma relação de seres-humanos-com-mídias, com teoria da atividade em movimento e semiótica social e multimodalidade. Se estes nomes de teorias já parecem confusos, imagine uma discussão enxuta sobre elas (26 páginas de tamanho A5 pareceram poucas).

O capítulo 5 é bastante calmo comparado ao capítulo 4, embora discuta sobre metodologias para análise de vídeos e os chamados miniciclones de aprendizagem expansiva, entender destes tópicos pareceu bem mais simples e objetivo (é possível criarmos representações mentais dessas ideias com maior facilidade do que sobre a teoria da atividade). Enquanto o capítulo 6 e 7 fazem em tom de encerramento algumas reflexões sobre o que estaremos para viver no cenário pós COVID, e como essas mudanças influenciaram de forma irreversível o que virá a ser o novo normal para a Educação Matemática.

Esse foi um livro bastante “divertido” de se ler, e por divertido quero dizer um tanto “inquietante”, pois a medida que você o lê, vai logo pensando e se remexendo na cadeira, querendo traçar algumas ideias mas sabe que precisa continuar a leitura. Acho que essa é uma reação bem positiva, pois embora possamos discordar e ter ressalvas sobre estarmos ou não numa quinta fase, isso certamente é um aspecto que levará a mais discussões que somem nesta direção do conhecimento.

Agradeço à Editora Autêntica pelo livro cortesia “Vídeos na Educação Matemática: Paulo Freire e a quinta fase das tecnologias digitais” de Borba, Souto e Canelo Junior, que possibilitou a produção desse texto.


Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. No Zero a gente leu “Vídeos na Educação Matemática: Paulo Freire e a quinta fase das tecnologias digitais” de Borba, Souto e Canelo Junior. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 7. Ed. 1. 1º semestre de 2022. Campinas, 13 jun. 2022. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4277/. Acesso em: <data-de-hoje>.

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