Scratch para professores de Química
Final do 2o semestre de 2022 recebi um e-mail do IFRJ perguntando sobre interesse em ministrar ou propor disciplinas optativas para graduação. Então, achei legal a possibilidade de criar algo que venha a fazer parte do currículo dos Licenciandos em Química com quem trabalho, daí fui olhar a lista de disciplinas obrigatórias e optativas que já existem. Nessa busca percebi que não havia nada específico ligado à programação… embora algumas disciplinas envolvesse o uso de softwares de pesquisa em Química.
Assim, rascunhei uma disciplina que focava em duas vias, a aprendizagem de programação e a experiência com a plataforma Scratch. A ideia era que os alunos viriam a aprender sobre programação de modo que as estruturas servissem para outras linguagens, e também, adquiririam os conhecimentos básicos que lhes permitiria trabalhar Scratch com seus alunos da Educação Básica.
Após submeter o plano da disciplina junto a uma bibliografia, tive que defender a proposta na reunião do colegiado da graduação e foi algo realmente bastante simples, já que Química aparece no hall dos cursos de Ciências Exatas, então aprender a programar não seria ruim. O outro viés que propus, relacionado com o uso do Scratch como ferramenta didática na Educação Básica, também casou bem, já que a formação dos alunos é Licenciatura em Química e o Scratch é reconhecido como uma linguagem legal para trabalhar com crianças e adolescentes.
Logo, a disciplina optativa chamada Introdução à Programação em Scratch foi aprovada fora do prazo para matrícula dos estudantes, e o coordenador da graduação correu atrás de encontrar alunos interessados em se inscrever nela.
A começar, as aulas foram no laboratório de informática e tiveram presentes entre 2 e 7 alunos ao longo do semestre. A proposta inicial era trabalhar com conceitos ligados às estruturas de programação dentro do Scratch, mas pensando no aspecto intuitivo dessa linguagem, achei melhor trabalhar com a elaboração de programas simples e bem conhecidos, como joguinhos digitais. Pois assim teríamos uma estrutura de requisitos parcialmente elaborada, isto é, os componentes necessários para que o jogo funcione como conhecemos e sua dinâmica com o jogador.
Então o trabalho começou comigo escolhendo uma mecânica de jogo digital ou mesmo um gênero que pudesse ser elaborado utilizando a menor variação de funções no Scratch, e elaborando um pouco do início do código para que a turma me acompanhasse copiando a estrutura, e depois pedia que eles seguissem tentando programar o restante. Nessa ocasião eu ia nos computadores ver como estavam fazendo e quais soluções pensaram para atender aos requisitos do jogo.
O interessante é que todos os projetos de gêneros de jogo digital eu realmente nunca havia programado-os antes, então esta parte da aula era uma conversa onde eu apresentava um vídeo do jogo em questão ou pedia que eles jogassem para pensarmos nos requisitos. Como o que o jogo precisa ter, quais são as formas mais simples e eficazes de atender aos requisitos, e então começava a programar enquanto compartilhava a tela para que os alunos pudessem ver em seus computadores no laboratório.
Chegavam momentos em que a estratégia escolhida começava a dar muito trabalho, e então parava para refletir e perguntar o que podia ser feito de diferente. Geralmente eu tinha algum insight de como resolver, mas esperava ouvir dos meus alunos o que eles sugeriam. Enquanto circulava na sala vendo os códigos dos alunos, apareciam alguns problemas relacionados à notação, nomes das variáveis, centralização do objeto… e ia corrigindo-os tentando explicar a razão do problema e porque desta solução ser implementada.
Nesta disciplina eu elaborei a seguinte estrutura de avaliação:
Conte-me sobre um projeto (2 pontos): o estudante precisava pesquisar um projeto no Scratch, que achasse interessante e compartilhar com os colegas em um Google Slides, apresentando uma foto, contando sobre o que se trata e o link para acesso. Eu sempre postava um projeto meu nessa lista para participar junto aos meus alunos, na figura abaixo mostro de exemplo o projeto BesouriZ 4.0 (que tratei no post deste blog chamado BesouriZ 4.0).
Exercício de programação (3 pontos): Propunha algo que os estudantes deveriam programar, com certos requisitos e metas para fazerem, compartilharem e me enviarem o link do projeto. Esses exercícios eram basicamente os programas que fazíamos na aula, então quem acompanhava a aula e produzia certinho o que era proposto, já estava com essa atividade concluída.
Síntese da aula (2 pontos): Um resumo daquilo que foi trabalhado na aula. Estas sínteses ficavam públicas para aqueles que não puderam comparecer, se atualizarem sobre o que aconteceu nesta aula.
Assim, trabalhei com as seguintes propostas de exercícios e aulas:
- Conta no Scratch, buscar e remixar projetos
- Objeto que se movimente com os direcionais do teclado e outro objeto que deslize até o mouse quando uma tecla for pressionada.
- Pong
- Snake
- Tank war
- Jogo de plataformas
- Tetris
Como mencionei, estes projetos não foram planejados de antemão, então ao longo da aula alguns conceitos de matemática e de computação começavam a emergir. A relação entre funções seno e cosseno apareceram na hora que precisamos modelar o lançamento de projetils no Tank war, e também veio a ser útil no jogo de plataformas. Os demais projetos foram muito mais ligados à estruturas de repetições, variáveis, e alguns aspectos que faziam a comunicação entre os atores, como sensores e ajustes de sincronia entre os componentes.
Projeto (4 pontos): Um trabalho a ser desenvolvido no último mês da disciplina, que deveria estar relacionado ao campo de formação do estudante, no caso eu tinha um Licenciando em Matemática e os demais eram em Química. Este trabalho em particular teve sua avaliação baseada em critérios como apresentação, complexidade e funcionalidade do projeto.
Nesta etapa de desenvolver um projeto próprio, o espaço da sala de aula ficou sendo um local para sentar junto e ver como estava o código. Tive inclusive um aluno que começou a “emprestar” seu código para uma colega em um projeto semelhante, e em outros casos tirava dúvidas via whatsapp de quem não vinha ao campus.
No dia da apresentação do projeto, foi um verdadeiro malabarismo, uma aluna estava no médico e combinei que poderia enviar um vídeo em até uma semana. Dois alunos estavam presentes e outros dois de forma online. Usando meu celular como câmera, os presentes apresentavam enquanto compartilhavam a tela pelo computador. Para os alunos online, eles apresentaram enquanto tentávamos ouví-los pelo áudio do computador. E no momento de perguntas em geral e dúvidas, tentava posicionar a câmera como se estivesse para fazer uma selfie de todos os presentes, foi estranho e desajeitado, mas terminou bem.
Como você pode observar, a soma de todas as notas máximas dessas avaliações é 11, pois assim mesmo que um estudante mais dedicado viesse a tropeçar em algum aspecto, seria possível fechar a disciplina com nota 10. Essa margem extra na nota também me permite inferir com mais convicção caso um estudante menos dedicado viesse a ficar com nota abaixo de 6, precisaria passar pelo processo de recuperação, senão seria reprovado.
Ao final do curso, a impressão que tive dos estudantes é que embora as estruturas de programação não tenham sido tratadas diretamente, o aspecto intuitivo do Scratch somado à sucessão de trabalhos práticos e elaboração do projeto, trouxe uma noção intuitiva e prática de como programar nesta linguagem. Ao questionar aspectos dos códigos, os alunos sabiam explicar porque aderiram a cada escolha, o que elas faziam. Mesmo quando outras questões eram trazidas a frente, havia uma ideia de como poderiam ser feitas. Contudo, considero que tenha faltado neste trabalho, um pouco de estudo sobre a organização e o planejamento de um código, pois como os projetos eram bem simples, eles geralmente podiam ser realizados com poucos atores. Assim, se viesse a reaplicar esta disciplina, acho que antes de iniciarmos a fase de elaborar projetos, trabalharia um pouco na identificação dos requisitos de um projeto e seu planejamento.
Créditos da imagem de capa à Nikin de Pixabay
Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Scratch para professores de Química. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 10. Ed. 1. 2º semestre de 2023. Campinas, 1 ago. 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/5153. Acesso em: <data-de-hoje>.