O que mímica tem a ver com Cálculo diferencial?

Semestre passado, quando comecei a tratar de Limite em minha turma de Pré-Cálculo, me confundi e apresentei essa definição errada:

Limx→a f(x) = b, significa que para qualquer ε > 0, existe um δ > 0 tal que quando |x – a| < ε, então |f(x) – b| < δ.

A princípio pode ser difícil entender o que há de errado nesta definição, a grande questão aqui está na condição a ser atendida. Pois se você notar, δ é um número escolhido por nós, e esse δ aparece livre da função. Ou seja, se escolhermos um δ sempre maior que os valores assumidos pela função em um intervalo, concluiríamos (erroneamente) que o limite dessa função existe naquele ponto.

Vamos ver um exemplo:

Limx→0 |x|/x = 1

Essa função não está definida no ponto x = 0, porém podemos olhar seu limite neste ponto. Veremos que do lado direito do ponto 0, a função vale 1, enquanto do lado esquerdo do ponto 0, a função vale -1.

Porém, pela definição errada de limite, temos que para qualquer vizinhança em torno do ponto x = 0, podemos escolher um δ > 0, tal que todos os pontos da função calculados na vizinhança de x = 0, estejam entre 1 – δ e 1+ δ.

Mas isso é fácil, basta tomar δ = 10. Assim, todos os pontos escolhidos estarão entre -9 e 11 (Percebe o problema dessa definição errada de limite?).

Então, mas se por acidente apresentei uma definição errada no semestre passado, talvez o mais natural fosse não fazer de novo neste semestre. Porém em particular, eu gostei desse erro, afinal ele além de ser sutil, permite abrirmos uma discussão sobre o que é calcular o limite. Penso que para uma aprendizagem mais completa, seja interessante entendermos realmente porque a definição errada é errada, em vez de apenas memorizar a definição correta.

Assim, na aula de ontem, com minha turma de Pré-Cálculo atual, decidi trabalhar com a definição correta de Limite e com a errada:

  • Limx→a f(x) = b, significa que para qualquer ε > 0, existe um δ > 0 tal que quando |x – a| < δ, então |f(x) – b| < ε.
  • Limx→a f(x) = b, significa que para qualquer ε > 0, existe um δ > 0 tal que quando |x – a| < ε, então |f(x) – b| < δ.

Outra coisa que veio a tona nessa aula, é a “utilidade” do limite. Entendo que o limite nos permita estudar uma função a partir dos arredores de um ponto, e para isso trouxe a mímica para a sala de aula.

Você consegue “enxergar” o que essas pessoas estão fazendo?

Imagem de Tuna Ölger por Pixabay

Na imagem acima, faltam alguns objetos em cena, mas conseguimos enxergá-los devido ao comportamento do seu entorno. A forma como as mãos dos artistas estão, nos dá pistas para entender o que estão segurando. A relação entre os artistas nos dá dicas do que estão fazendo.

Ou se você conhece o anime/manga Baki, pode se lembrar do Shadow Boxing, onde Baki imagina um adversário e realiza uma luta física contra esse ser imaginado. Mas a medida que ele vai trocando golpes com o adversário imaginário, a coerência da postura, reações, consequências das ações, faz com que aqueles que estão assistindo consigam também “enxergar” o que está faltando na cena, ou seja, o lutador imaginário que Baki está enfrentando.

https://manga-baki.com/?comic=bakihanma-baki-vol-1-chapter-5-a-worthy-adversary

Em ambos os contextos, temos uma semelhança com a ideia de limites.

Na aula fiz o exemplo de segurar uma bola imaginária. Pelo movimento das minhas mãos, era possível para quem estava assistindo, dizer que aquilo era uma bola. O mesmo para a ação de usar uma vassoura para varrer o chão. O objeto em si não estava lá, mas a ação ao seu entorno era coerente com aquele objeto.

Diferente por exemplo se eu estivesse com uma mão acima da cabeça, e a outra do esticada para a parede, e quisesse representar uma bola. Para quem está assistindo, não veria uma bola. Ou se movimentasse as mãos em sentidos diferentes, não pareceria estar segurando uma vassoura.

Mas e ai, onde entra a discussão sobre a definição errada de limite?

Na definição errada de limite, o tamanho da vizinhança é irrestrito… ou seja, eu poderia dizer que existe uma bola entre minhas mãos, mas ela está simplesmente em algum lugar por ali, não especificamente estou segurando-a com as palmas da mão. Isso faz com que o objeto imaginado possa ser este, mas também possa ser qualquer outra coisa. Não há clareza alguma se ali há mesmo uma bola imaginária ou outro ser.

Mas na definição correta de limite, temos que a restrição da distância do objeto até sua extremidade é tão pequena quanto se queira, então é como se estivessemos segurando cada vez mais rente às palmas da mão o objeto. Se ele for uma bola, nossas mãos ficarão em formato circular, se ele for uma banana, nossas mãos ficarão em outro sentido, e dai passa a ser possível para quem assiste, dizer o que estamos segurando, ainda que o objeto não esteja realmente lá.

Imagem de capa adaptada de GILBERTO MELLO por Pixabay


Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. O que mímica tem a ver com Cálculo diferencial?. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da UnicampVolume 10. Ed. 1. 2º semestre de 2023. Campinas, 15 nov. 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/5499. Acesso em: <data-de-hoje>.

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