Dragon Bubble
Esta é uma repostagem (não exatamente, já que faço pequenas modificações e comentários no texto) de uma produção colaborativa que escrevi a 5 anos atrás no Blog Xoxelho (o Zero ainda nem existia) sob o título Dragon Bubble, com meu amigo Pavel. Embora tenhamos escrito juntos, publicamos em nossos próprios blogs (na época Xoxelho estava vivo), dado as preferências e estilos de escrita, assim, há uma versão dessa discussão no post Dragonball em gráficos coloridos hospedado no blog do Pavel (o anotherecoblog). Assim, esse também se torna um post histórico no Blog Zero, já que todos os anteriores foram sempre monoautorais :3
Animes de luta (desenhos animados japoneses) ou mangás (quadrinhos japoneses) são repletos de emoções, batalhas ferozes, estratégias criativas e hipóteses sem resposta. Pois sempre que retomamos algumas lutas, faltam-nos parâmetros para comparar personagens. Podemos pensar em medir a destruição que eles provocaram no palco, ou a quantidade de poeira que seus golpes levantam, mas mesmo assim esses são fatores responsáveis pelo clímax da luta, às vezes tem um aspecto mais visual do que real. Além disso, se considerarmos os danos sofridos pelos personagens, caímos facilmente em outra armadilha, pois existem golpes, golpes especiais, super golpes, golpes de raiva, golpes engraçados… uma infinidade de fatores que não podem ser classificados sem levar em conta a intenção do autor. Chegamos então a uma triste verdade, quem ganha ou perde uma luta nessas histórias, é quem o autor quer. Não existe uma lógica, uma justiça poética, um fator de incerteza ou realidade nessas situações, se o anime ou mangá está no final, o protagonista precisa ficar muito mais forte de repente e nocautear o supervilão, e isso se justifica por dizendo que reuniu seus valores morais e convicções naquele último golpe de esperança para toda a humanidade. Um final entediante que funciona, porque todo mundo adora esse clichê.
Mas depois que a história termina, começamos a refletir sobre outras possibilidades de final, e se o personagem A enfrentasse o personagem J, ele teria alguma chance? Por falta de parâmetros, encontrar essas respostas acaba usando a propriedade da transitividade, o personagem A ganhou do personagem B, o personagem B ganhou do personagem C, então o personagem A ganharia do personagem C. Porém, os personagens desses animes têm o costume de treinar/evoluir seus poderes e isso arruína toda transitividade, já que não existe o personagem A em todo o anime, existe Ai, especificamente A1, A2, A3,…, An-1, An, onde i é um número natural tal que 0 <i <n + 1, onde i representa a fase da história (i = 1, início, i = n, final). Ainda é possível aplicar a relação de transitividade, assumindo que os personagens, salvo exceções, tornam-se mais fortes e nunca mais fracos com o desenvolvimento do desenho: A1 <A2 <A3 <… <An-1 <An. Assim, se Aj supera Bj, podemos assumir que Aj supera qualquer Bk, com k < j.
[Nota do Pavel: se você, ecologista, se confunde com todos esses i, j, k e n, leia este parágrafo algumas vezes até estar familiarizado. Acredite nisso, entender essas notações torna muito mais fácil entender as estatísticas]
Todo esse trabalho porque não temos medidas para comparar nossos personagens, e é aí que podemos ver a beleza de Dragon Ball. Akira Toriyama ao longo do mangá, apresentou como bônus os poderes de luta dos personagens ao longo do mangá (ou seja, pelo menos para Goku que é o protagonista da série, temos A1, A2, A3,…, An-1, An ). Mas afinal, qual é o poder de luta? É força? É velocidade? São esses feitiços que os personagens disparam? Então esse conceito é a verdadeira obra-prima de Akira Toriyama, pois diferentemente de algumas modalidades atléticas onde a força física, velocidade de reação, precisão, ou qualquer outra habilidade definida, é o diferencial para vencer ou perder, as lutas são ambientes. Vencer uma luta não é apenas uma questão de força, velocidade, poderes, estratégias, truques sujos ou qualquer outro fator, é uma soma de todos eles com pesos diferentes. Podemos considerar que as habilidades de luta de um personagem são expressas a partir de um vetor V, onde v1 é a força física, v2 é a resistência aos golpes, v3 é a velocidade de reação, v4 é a velocidade do movimento, e assim vai, até mais . Tal que cada vi é um número real que vai do menos infinito ao infinito. Então, para cada habilidade existe um peso que influencia, no caso a1 o peso referente a v1, a2 o peso referente a v2, até an o peso referente a vn. O poder de luta apareceria como a expressão a1v1 + a2v2 + a3v3 +… + an-1vn-1 + anvn.
[A discussão em particular sobre o poder de luta se relacionar ao Produto Vetorial, é melhor desenvolvida no post Produto Vetorial explica o Poder de Luta em Dragon Ball (publicado 8 meses depois da postagem original).]
Mas qual é o significado de um vi negativo? Pense em um personagem com todas as habilidades altíssimas, mas com uma velocidade muito baixa, ou seja, ele é super poderoso, mas leva uma eternidade para fazer qualquer movimento, neste caso, os personagens o atacariam incessantemente sem que ele reagisse. Portanto, seu poder de luta será muito baixo.
Outro detalhe a não perder de vista é: o que significa poder de luta em termos de luta? Representam intervalos, ou intervalos, de confiança sobre como a luta deverá terminar, mas sem garantias definidas de que a luta terminará com a vitória daquele com maior poder de luta, apenas que isso é provável. Numa visão ideal, se o personagem A e o personagem B, tal que o poder de luta de B for maior que o de A, se essa luta ocorrer nas mesmas condições um número muito grande de vezes, teremos o número de vitórias de B maior que o número de vitórias A.
Por exemplo, na batalha final do anime ou mangá, entre Goku e Piccolo. Baseado no mangá, Goku tem 368 de poder de luta enquanto Piccolo tem 364. Uma diferença tão pequena nesse nível interferia tão pouco no equilíbrio do combate. Corroborando com o que foi dito anteriormente, o foco de Piccolo são técnicas refinadas, como disparar laser através dos olhos, seu braço pode esticar. Enquanto Goku possui apenas o Kame-hame-ha, equilibrando seu poder de luta com força física, resistência e velocidade superiores. Para quem já viu essa luta, é incerto até o último golpe, quem vencerá.
No caso deste post, dividimos a série de acordo com o crescimento do poder de Goku, o protagonista, que acompanha 9 ocasiões onde seu poder de luta aparece nas notas bônus do mangá. Dessa forma, colocamos os demais personagens em função desses 9 segmentos da série, ou sagas, ignorando no registro as ocasiões em que o poder de luta representa algum golpe especial ou o personagem não está utilizando seu verdadeiro poder de luta. Em caso de dúvidas sobre algum dos personagens presentes nos gráficos abaixo, basta pesquisar no Google o nome, pois existem diversos sites especializados em descrever cada um deles. Aqui, porém, tentaremos comparar os poderes de luta dos personagens a partir de um gráfico. No caso, temos 41 personagens, sendo cerca de 30 cujo poder de luta foi descrito em apenas um desses segmentos. Que estratégia poderíamos usar para abordar esses dados visualmente?
[Sem mais delongas, apresentarei o especialista em gráficos interessantes, senhor. Dodonov.]
Então é uma situação interessante: temos pelo menos três variáveis, ou informações, que queremos representar num gráfico: tempo (ocasião ou saga ou segmento da história); personagem; e seu poder de luta. Neste caso o poder de luta não varia tanto (não mais que oito mil!), o que facilita um pouco, mas algumas transformações – dos valores, não dos personagens – ainda podem ser necessárias.
[Nota do Marcos: A referência a “mais de oito mil!” que Pavel fez se refere a Dragon Ball Z, no momento em que Nappa pergunta a Vegeta qual é o poder de luta de Kakaroto – o nome de Goku em seu planeta natal – e Vegeta afirma que isso não pode ser verdade, pois seu poder de luta é “mais mais de oito mil!”, e ao dizer isso quebra o aparato que mede o poder de luta. Aí Nappa diz que isso não pode ser verdade, que o aparelho deve estar quebrado… e de fato está, porque Vegeta acabou de quebrar]
Bom, poderíamos, para começar, ver como o poder de luta de Goku aumenta com o tempo, afinal ele é nosso personagem principal. Para isso, eu faria um gráfico de pontos conectados por retas, com o segmento da série no eixo X e a potência de Goku no eixo Y:
Percebemos que a partir do sétimo segmento seu poder de luta aumenta mais rapidamente.
Mas como seu poder de luta se compara ao de outros personagens? Poderíamos, por exemplo, fazer um gráfico mostrando a evolução do poder de Goku junto com um, ou dois, ou talvez três outros personagens. Pavel escolheu Krilin, Yamcha e Goku para esta comparação porque são os que mais aparecem nos segmentos:
As linhas do Yamcha e Krilin estão quebradas porque esses personagens não aparecem em todos os segmentos, portanto não temos informações completas sobre eles. O que vemos é que o poder de todos aumenta com o tempo; mas o de Goku aumenta mais. E este gráfico mostra como Piccolo fica mais forte (no sétimo segmento), mas no final Goku o ultrapassa.
Então aqui vemos que no geral Goku é o mais forte – embora em um momento Piccolo seja mais forte que ele. Isso levanta a questão – sempre existe alguém mais forte que Goku, ou isso foi um excesso? Então outro gráfico que podemos fazer é relacionar o poder de Goku com o poder do personagem mais forte (além de Goku) em um determinado segmento:
Então quase sempre há alguém com mais poder que Goku. Mas Goku continua treinando e ficando mais forte – embora nem sempre no segmento seguinte tenha mais força do que o personagem mais forte do segmento anterior. Por exemplo, no quinto segmento ele ainda não atingiu o nível de personagem mais forte do quarto segmento.
Mas… Não podemos fazer melhor? Não podemos comparar, num único gráfico, todas as potências de todos os personagens em todos os segmentos? “É muita informação para um único gráfico!”, Você pode falar, ao que eu poderia responder: “Pense fora da caixa, jovem Padawan. Pense em círculos, por exemplo! “
Existe um tipo de gráfico chamado gráfico de bolhas ou gráfico de bolhas. Este gráfico consiste basicamente em bolhas. E qual é o formato das bolhas? Sim, eles são circulares!
Neste gráfico podemos colocar cada personagem em uma linha e cada saga em uma coluna. E seu poder será representado pelo tamanho das bolhas. Então, à primeira vista, poderia ser algo assim:
Quanto maior a bola, maior será o poder do personagem naquele momento. Mas sem legenda fica difícil. Então vamos criar uma!
Bom, mas nem todos esses nomes de personagens dizem muito para quem não é fã de Dragonball (mais ou menos, mesmo escrevendo esse post o Pavel só conhecia Goku e Piccolo). Depois de escrever este post, bom, não mudou quase nada :D). Então pedi ao Marcos para classificá-los. Marcos então gentilmente classificou os personagens em algumas categorias, e atribuímos cores a eles, a saber:
- AZUL: Os amigos de Goku
- ROXO: Competidores em torneios de artes marciais
- VERMELHO: Red Ribbon Forces, uma organização maligna que Goku derrota quase sozinho
- AMARELO: Quem ajuda Goku mas não toma partido nas lutas
- CINZA: Participantes do Torneio de Artes Marciais do Mundo Sombrio
- VERDE: Piccolo e seus aliados
E aqui está o gráfico com essa classificação:
Finalmente, podemos mudar a escala, talvez para facilitar as comparações. Por exemplo, podemos mostrar a potência em raiz quadrada, o que facilitaria comparações entre potências menores:
Outras transformações, por ex. logaritmo, também poderia ser usado; Eu (Pavel) usei a raiz quadrada porque foi a que me pareceu mais informativa e fofa. E esse valor final ainda poderia ser melhorado – por exemplo, algumas bolinhas ficam sobrepostas nas bordas da figura, e isso não é muito bonito. Corrija isso e considere como um exercício para você, caro leitor.
Resumidamente, isso é uma forma de mostrar como o poder de luta varia ao longo do tempo e entre os personagens em um único gráfico. Isto é diretamente transponível para dados ecológicos: por exemplo, os caracteres podem ser ambientes e o poder pode ser o número de espécies ali presentes. E por aí vai. Gráficos de bolhas como este são muito úteis quando temos mais de dois tipos de informações que queremos mostrar no mesmo gráfico.
Os códigos e dados para confecção das figuras estão disponíveis clicando aqui. E gostaria de agradecer ao meu amigo Anderson Ara, professor de estatística da UFBA (Universidade Federal da Bahia), por algumas sugestões feitas para o primeiro gráfico de bolha exploratório que fiz 🙂.
Crédito da imagem de capa à Image by Vinson Tan ( 楊 祖 武 ) from Pixabay.
Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. DODONOV, Pavel. Dragon Bubble In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 11. Ed. 1. 1º semestre de 2024. Campinas, 16 fev. 2024. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/5565. Acesso em: <data-de-hoje>.
HAHAHAHA que artigo incrível, adorei o blog!! Sou fã de Dragon Ball desde pirralho, primeira vez que vejo a obra em um artigo tão rico assim, parabéns mesmo!!
Obrigada, fico feliz que tenha gostado. Estou com vontade de escrever sobre como podemos estimar a probabilidade de alguém vencer a luta dado uma diferença no poder de luta... mas to maturando a ideia ainda (sem data pra isso)
Ler esse artigo, logo após a partida no nosso querido Akira Toriyama é realmente incrível, continue com seu trabalho, e também lhe convido para algum post em meu site pessoal, grande abraço.
Realmente foi um choque, embora também foi uma baita coincidência eu ter lançado o post nesta data, já que ele originalmente foi escrito 5 anos atrás. Enfim, também lhe convido para escrever comigo :3 um grande abraço