Você enganaria seu Personal Trainer? // parte 3

Vamos retomar de onde parei essa sequência… era maio de 2023, quando contei o que planejei e como foi a experiência lecionando sem dar provas no 2o semestre de 2022 (Você enganaria seu Personal Trainer? // parte 2). Nesse post narrarei como planejei o 1o semestre de 2023 e essa experiência de não dar provas escritas (ou quase isso).

Ao terminar o 2o semestre de 2022, fiquei pensativa sobre como aumentar minha observação sobre o espectro de alunos que denotei como muito dedicados e pouco dedicados. Pois com os dois instrumentos que utilizei (demonstrações + listas, ou, resenhas + listas), isso se concentrava nestes dois polos. Assim, na ideia de enxergar o que há entre esses polos, decidi aumentar a quantidade de atividades regulares, mas propor que haveria uma margem superior acima da nota 10. Assim, ao mesmo tempo que a quantidade de atividades avaliativas aumenta, a possibilidade de escolher quais realizar também aumenta (basicamente as demonstrações passaram a valer o +1 além do 10).

Não discutirei aqui disciplina optativa que ofereci, uma vez que já fiz isso em um post próprio: Scratch para professores de Química.

Para as demais disciplinas, acrescentei as atividades descritas a seguir:

  • sinteses das aulas: uma página escrita à mão que expresse de forma resumida aquilo que foi desenvolvido nessa aula (porém, percebendo a dificuldade em resumir as anotações das aulas, reconsiderei a atividade como “fotos do caderno” com suas anotações da aula).
  • problema contextualizado: inventar um problema contextualizado e sua resolução, relacionado a um dos tópicos tratados naquela aula.

Tanto as sínteses quanto os problemas, seriam compartilhados pelo Google forms e a pasta onde os arquivos se encontram, ficariam disponíveis para acesso dos alunos. Assim, isto serviria de mecanismo de controle de qualidade dos materiais entregues, e também material extra/complementar para o estudo.

Para a turma de graduação que lecionaria Pré-Cálculo novamente, propús uma atividade a mais chamada Projeto. Isto seria o desenvolvimento em espaço de aula, de um projeto pequeno de pesquisa sobre algum dos tópicos de Pré-Cálculo que se correlacionasse a tópicos das disciplinas Biologia Geral ou Química Geral I. A ideia de desenvolver em aula era dispor de um espaço e tempo para que os alunos pudessem se reunir, e também apresentariam os trabalhos no final do primeiro bimestre, e depois poderiam reformulá-lo para apresentar no final do segundo bimestre.

Em relação à logística, passei a preferir as listas entregues pelo Google Forms, assim como as demonstrações.

… legal, mas isso é o que propús… agora vamos para o que ocorreu de fato.

As sínteses me mostraram um extrato interessante da turma, de alunos que copiam toda a lousa em todas as aulas, mas que parecem não saber o que estão copiando. Também tive alunos que copiavam de colegas a síntese, preenchendo cerca de metade de uma página e parando por ai, apenas para ter algum conteúdo a enviar. Contudo, o prazo que estipulei para o envio das sínteses (2 dias após a aula), foi bastante apertado, e em geral os alunos estouravam esse prazo, já que as demais atividades tinham o prazo de 8 dias.

A respeito dos problemas contextualizados, percebi várias situações em que o Chat GPT foi utilizado, mas em geral os alunos geralmente pegavam alguns exercícios que passava durante a aula, e faziam variações de seus números. Poucos eram os que se preocupavam em criar algo dentro de contextos.

Com as listas eu tive uma parte da turma fazendo-a diretamente do gabarito, copiando as respostas para entregá-las, contudo isso não pareceu ser predominante. A maior parte das turmas em que trabalhei enviava a lista incompleta, um indicativo de que tentaram fazer quantos puderam.

Nas demonstrações ocorreu situações em que os alunos tentavam descobrir a resposta com todas as peças corretas e depois compartilhavam com seus colegas, resultando que a partir de determinado horário de envio, todos tinham acerto total.

Em relação ao projeto na graduação, inicialmente esse tempo disponibilizado em sala pareceu bom, pois permitiu aos alunos se reunirem, planejarem e darem início ao trabalho. Porém nas semanas seguintes, começou a parecer tempo ocioso, já que os mesmos ou deixavam o trabalho para mais perto do prazo, ou faziam em contra-turno, sendo um momento de revisão ou tira-dúvidas, ou apenas alguns grupos trabalhando no projeto em si.

Nesse semestre também tive alunos que pediram para serem avaliados por provas escritas, outros que por não entregarem as atividades precisaram ser avaliados desse modo. Observei entretanto alguns casos em que os alunos sabendo que nas provas teriam questões das listas, memorizaram exatamente uma série de respostas da lista, e copiaram-na na folha da prova, inclusive errando a ordem das questões, mas reescrevendo exatamente o gabarito disponibilizado.

… e então, a que conclusões eu cheguei com essa experiência?

Parece que a ideia de observar os alunos para além dos polos muito dedicados e pouco dedicados deu parcialmente certo, pois inclusive nas reuniões dos conselhos eu sabia dizer quais tipos de atividades certos alunos faziam. Se eles eram daqueles que não abriam o caderno, mas acompanhavam pelo celular, se tinham o caderno perfeito, mas não sabiam o que estava escrito neles, e o quanto eles estavam “malhando” nessa academia que gerencio. Confrontado por alguns colegas sobre minha forma de avaliar sem provas neste semestre (dado que os burburinhos crescem e todos ficam sabendo disso), passei a explicar que esse método é uma espécie de “maratona”. Pois embora os alunos tenham a possibilidade de trapacear na entrega das atividades, sua quantidade passa a ser um mecanismo de regulação que separa com mais nitidez os diferentes tempos de dedicação empregados por cada estudante, e sabia responder a partir do quanto foi percorrido, quais “requisitos” este aluno atendeu.

Mas como disse, ainda achei que ficou aquém de ser uma real maratona, pois apesar de conseguir dizer quanto cada um correu (quantas atividades foram entregues), sua quantidade e mecanismos de regulação ainda atrapalhavam enxergar exatamente o espectro da heterogenidade da turma.

Ao final do semestre perguntei aos alunos sobre cada um dos instrumentos utilizados e fui ouvindo as críticas e elogios a respeito desta experiência. As sínteses foram de longe as favoritas, pois incentivava que os alunos tivessem seus cadernos preenchidos, e também que olhassem aquelas fotos da lousa que tiravam durante as aulas, ou que pudessem ver o que aconteceu na aula que faltaram. Os problemas contextualizados foram de grande dificuldade para as turmas, pois relatavam não saberem como desenvolver, e que ou utilizavam o Chat GPT ou tentavam replicar exercícios da aula, ou olhavam exercícios dos colegas para fazer parecido. As demonstrações eram bem vistas pelas turmas, eles diziam gostarem de fazê-las, considerando-as uma espécie de jogo, e tentavam resolvê-las à sério, procurando encaixar as peças nas posições certas e registrando os resultados até chegarem na combinação total, ou desistirem no meio do caminho depois de algumas tentativas. As listas seguiam sendo bem avaliadas, já que diziam ser bastante comum dos professores passarem listas, mas que era raro elas terem gabaritos, desse modo realmente tentavam fazê-las antes de olhar a resposta.

A respeito do projeto com a graduação, prefiro comentar deste em particular, houve muita dificuldade em conciliar o tema de Pré-Cálculo com os conteúdos das duas disciplinas propostas. Como mencionei em alguns posts, iniciei minha LIcenciatura em Química no mesmo campus em que trabalho, e cursei no semestre passado (2o semestre de 2023) as disciplinas Química Geral I e Biologia Geral. Assim, percebo que há sim, conceitos e conteúdos que se relacionam com Pré-Cálculo, como por exemplo, Porque o ângulo da ligação tetraédrica é 109°?, mas entendo que a dificuldade dos alunos pudesse estar relacionada ao fato de estarem ainda no processo de aprendizagem desses conteúdos, de modo que enxergar as relações possa ser bem mais difícil e que sem os indicativos ou conexões dos docentes, passem despercebidos. Sobre o tempo ocioso que comentei, a turma concordou, mas expliquei que embora tenha percebido isto, em respeito ao planejamento acertado com eles, preferi manter o combinado. Sobre as apresentações, elas foram boas, porém a união dos grupos foi aquém, sendo frequente que grupos grandes fossem reduzindo seus participantes até que no final tivessemos na maioria, projetos individuais ou em duplas.

Enfim, com os altos e baixos relatados, a decisão de manter sem dar provas compulsórias ainda me pareceu certa, assim segui nessa escolha no semestre seguinte, como você poderá ler no próximo post!

Um abraço, e até lá!


Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Você enganaria seu Personal Trainer? // parte 3. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da UnicampVolume 11. Ed. 1. 1º semestre de 2024. Campinas, 20 fev. 2024. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/5603. Acesso em: <data-de-hoje>.

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