A curva de Peano e Mashle
No anime Mashle, o protagonista homônimo não pode utilizar magia, mas compensa com seus músculos absurdamente fortes para superar os desafios que enfrenta em uma escola de magia. Dentre eles temos o duelo contra o mago Macaron, o qual invoca um gigantesco sino que tocará após um minuto destruirá aqueles em seu alcance, exceto que Mashle consiga destruir sua varinha antes disso. Esta situação coloca o protagonista em uma espécie de pega-pega, onde Macaron foge na arena movendo-se na velocidade do som enquanto Mashle o persegue.
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Essa batalha me fez lembrar de uma questão da III Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária (7 de outubro de 2000), a qual tomarei a liberdade artística de trocar o nome dos personagens e os valores utilizados. Na variação deste problema, temos que a arena é um campo aberto e que Mashle não consegue determinar a posição de Macaron (ele poderia estar invisível por exemplo).
Em um plano se move de qualquer maneira um ponto (Macaron) com velocidade não superior a 18 quilômetros por minuto (velocidade do som), descrevendo uma curva contínua λ: [0, 1] → ℝ², onde [0, 1] é um intervalo de tempo de um minuto. Sabe-se que o Macaron se encontra inicialmente em um quadrado de lado de 144 km. No centro deste quadrado se encontra o Mashle que não pode saber a posição do Macaron, porém pode mover-se com qualquer velocidade. Encontrar uma curva contínua γ: [0, 1] → ℝ² (o caminho percorrido pelo Mashle) tal que em algum momento de tempo t ∈ [0, 1] se obtém a igualdade λ(t) = γ(t), isto é, o Mashle pega o Macaron independente do caminho que este último escolha.
De forma resumida, o problema pede para mostrarmos que existe um trajeto que Mashle possa percorrer de modo a capturar Macaron independente do caminho que ele percorra.
A ideia da solução desse problema foi apresentada a mim no Seminário de Coisas Legais realizado em 31/05/2012 por Érik Amorim (http://legal.icmc.usp.br/doku.php) intitulado “A curva de Peano e um demônio da tasmânia cego puntiforme infinitamente rápido”, e segundo ele a ideia da solução foi-lhe apresentada pelo professor Carlos Gustavo Moreira (Gugu) do IMPA em uma palestra sobre problemas legais de análise.
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A ideia para a solução é que o trajeto percorrido por Mashle seja uma curva de Peano, isto é, uma linha no plano que passa por todos os pontos de uma região com área, isto é, preenchendo-a.
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O problema é que Macaron não está parado esperando que Mashle o encontre, isto significa que dependendo de como Mashle preenche o plano, temos a possibilidade de Macaron mover-se para alguma região da qual o Mashle já passou e assim escapar de sua busca.
Para resolver esta questão, Érik Amorim propôe duas ações. A primeira foi dividir o quadrado inicial onde Macaron se encontra (em linha preta grossa) em 4 quadrados (linha preta fina), e cobrir cada um destes quadrados com outros quatro quadrados (linhas azuis), deixando uma margem de sobra (pois Macaron poderia tentar fugir para além dos limites do quadrado inicial.
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A segunda ação seria dividir o tempo que Mashle ficará em cada quadrado (azul). A ideia é que ele divida seu tempo total em 7 partes, ele fica perambulando por cada quadrado (azul) por 1/7 desse tempo (totalizando 4/7) e usa 1/7 do tempo para se mover de um quadrado (azul) para outro (totalizando outros 3/7 do tempo).
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Ai você pensa, o que Mashle fará nesse 1/7 do tempo que ele fica em cada quadrado?
A mesma coisa!
Ou seja, dividiremos este 1/7 do tempo, em 7 partes, e Mashle percorrerá outros 4 sub-quadrados que cubram o entorno de cada quadrado.
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Perceba que estamos sempre considerando uma margem a mais em cada etapa da busca (assim Macaron não conseguiria escapar dessa margem mesmo que mude de quadrado (inicial) na ocasião em que também mudamos de quadrado.
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Há mais alguns argumentos necessários para “formalizar” esta explicação que podem ser encontrados na apresentação de Erik Amorim (http://legal.icmc.usp.br/lib/exe/fetch.php?media=slides:tasmania.pdf). Mas a conclusão segue a mesma, se a velocidade de Mashle é ilimitada, então não importa para onde Macaron fuja, ele será capturado!
Créditos da imagem de capa à PublicDomainArchive por Pixabay
Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. A curva de Peano e Mashle. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 11. Ed. 1. 1º semestre de 2024. Campinas, 16 mar. 2024. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/5620/. Acesso em: <data-de-hoje>.