Henrietta Lacks
Certo dia, eu estava trocando o meio de cultura em uma placa de petri contendo células humanas aderidas. Após sair de uma sala do laboratório reservada apenas para cultivo de células, eu estava conversando com um dos meus colegas de trabalho e ele me perguntou se eu sabia o que era essa linhagem de células HeLa. Como muitos, eu não sabia! Então, ele me disse que era o nome de uma paciente chamada Henrietta Lacks (por isso a linhagem se chamava HeLa) e que suas células de câncer haviam se tornado imortais sob a forma de uma linhagem celular tumoral. “Inclusive, existe um livro sobre ela que eu li recentemente”, ele me disse. Anos se passaram.
No início de 2017, eu estava assistindo o canal de televisão HBO durante o intervalo de um filme qualquer quando passou a propaganda do novo filme do mesmo canal: The imortal life of Henrietta Lacks (A vida imortal de Henrietta Lacks). Então, eu me recordei daquele dia, daquela conversa, do livro e das bilhões de células HeLa que eu já havia congelado, descongelado, tratado com quimioterápicos, contaminado, descartado, coletado, lisado, dentre outras diversas manipulações laboratoriais. Então hoje, eu apresento para vocês uma resenha sobre o livro e o filme que retrata a vida da Henrietta Lacks, a sua família e descendentes, e apresenta uma discussão faminta sobre ética médica e científica.
Primeiramente, uma linhagem celular surge a partir de uma célula ou grupo de células retiradas de um órgão de um ser multicelular e que tem a capacidade de se dividir indefinidamente dado os meios apropriados. Por não entrar em senescência e não ativar a morte celular, linhagens celulares são também denominadas imortais. Portanto, as células HeLa vieram a partir de um “carcinoma epidermóide de cólo do útero ou cervix” da paciente Henrietta Lacks. Um tumor que anos depois foi descoberto ser uma consequência da contração do vírus de herpes vaginal ou HPV (Human Papiloma Virus).
Henrietta Lacks nasceu em 18 de Agosto de 1920 com o nome Loretta Pleasant e faleceu no hospital Johns Hopkins (Baltimore, MD-USA) com apenas 31 anos de idade e um corpo repleto de tumores (metástase) desde aquele do tamanho de bola de Baseball até as “pérolas”, pequenos tumores ao longo dos órgãos. A causa da morte foi Uremia – envenenamento do sangue por toxinas não filtradas sob a forma de urina – uma vez que um tumor gigantesco bloqueava completamente a uretra e não permitia a passagem de cateter. Henrietta Lacks cresceu próximo a Baltimore em Clover, uma cidade pequena com famílias humildes e durante a maior parte de sua vida trabalhou nas plantações de tabaco. Seus familiares a descrevem no livro como uma linda mulher negra, com um belo sorriso e um bom coração.
Henrietta casou com seu primo David Lacks (“Day”) e teve seu primeiro filho, Lawrence Lacks, aos 14 anos, e outros 4 filhos vieram ao longo dos anos. Dentre eles, Elsie Lacks (segunda filha), que possuía deficiências mentais, foi internada no Crowsville Hospital Center (destinado a pessoas que possuíam doenças mentais) e faleceu 1 ano após a morte de sua mãe Henrietta. David Jr (“Sonny”), Deborah Lacks (“Dale”) e Zakariyya B. A. Ramal (nascido com o nome Joe Lacks) são os outros três filhos de Henrietta.
O livro chamado “A vida imortal de Henrietta Lacks” escrito pela autora Rebecca Skloot foi publicado em Fevereiro de 2010 e o filme com o mesmo titulo foi ao ar em 2017. O livro é dividido em três partes chamadas Vida, Morte e Imortalidade. Em todas elas, Rebecca Skloot apresenta a sua busca pela mulher por trás da foto. Aquela em que ela ansiava por saber sobre sua história mas que ninguém a saciava com uma resposta que não envolvesse o quanto aquelas células eram importantes. No entanto, a pergunta era “Quem era Henrietta Lacks?” Skloot entrega ao leitor toda a sua pesquisa sobre essa mulher imortal que foi ao espaço, que ajudou nos estudos da vacina de Poliomelite, que foi a primeira linhagem celular cultivada, que foi injetada em pacientes sem consentimento, que contaminou diversas culturas celulares e que por vezes foi chamada de Helen Lane.
Ao lado da família Lacks e amigos, Skloot apresenta uma histórica, belíssima e bem estruturada crítica sobre como a ética médica e científica foi e ainda é, e sobre os avanços e os percalços negativos em que alguns pacientes ainda são colocados. Cada vez que eu terminava um capítulo deste livro, eu balançava minha cabeça de forma negativa ou com as sobrancelhas levantadas e eu terminei o livro sob lágrimas. Da mesma forma que o livro, o filme apresenta a busca de Rebecca Skloot por respostas sobre Henrietta Lacks e coloca Deborah como um dos papéis centrais do filme.
Deborah Lacks, filha de Henrietta lacks, tem uma participação importante no livro, na busca de respostas sobre sua mãe, que ela não se lembra, e do que essas células tanto fizeram. Eu posso dizer que Deborah e cientistas tem em comum a mesma ânsia por respostas, porém com diferentes ângulos. Por vezes, Deborah tem receio do que Rebecca Skloot estaria fazendo com os dados de sua família, mas no livro e no filme vocês entenderão o motivo.
Eu adoraria escrever mais sobre Henrietta Lacks e adoraria que ela soubesse quantos de nós trabalhamos com as células que vieram do seu ventre. No entanto, eu não pretendo estragar a leitura do livro ou até mesmo o filme sobre ela, suas células e sua família. Portanto, se você está interessado em uma discussão um pouco apimentada sobre ética, procure o livro, mas se você apenas quer entender a história da família Lacks, o filme o satisfará.
Termino esse post deixando o link da Fundação Henrietta Lacks: http://henriettalacksfoundation.org/ a qual procura ajudar financeiramente aqueles indivíduos ou as famílias daqueles que já tiveram importante contribuição para a ciência.
***Este texto escrito por mim não representam a opinião do blog “Ciência pelos olhos delas” e de seus outros autores. Além disso, esse texto procura informar os leitores do conteúdo do livro e filme de Henrietta Lacks e não tem intenções de lucro ou de ferir a família Lacks e seus relativos.
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