A ciência pelos olhos da Profª Drª Tania Ueda-Nakamura

Publicado por Bruna Bertol em

Profª Drª Tania Ueda-Nakamura. Arquivo pessoal.

É com satisfação que hoje, em parceria com minha colega de blog Marina Felisbino, publicamos a entrevista realizada com a Professora universitária, farmacêutica e microbiologista Dra. Tania Ueda-Nakamura, dando seguimento ao nosso Especial Epidemias, em virtude da atual pandemia causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela doença COVID-19.

A Drª Tania graduou-se em Farmácia pela Universidade Estadual de Maringá em 1980, obteve seu título de Mestrado em Ciências Biológicas – Microbiologia (1990) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o título de Doutorado em Ciências Biológicas – Biofísica (2001) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Realizou, entre 2010 e 2011, um pós-doutorado no Centro Nacional para a Pesquisa Científica (em francês, Centre National de la Recherche Scientifique), considerado pela revista britânica Nature como a primeira instituição mundial de pesquisa especializada em ciências e pesquisa, e  a maior instituição pública de pesquisa científica na França.

De volta ao Brasil, Tania atualmente é professora associada ao Departamento de Ciências Básicas da Saúde na Universidade Estadual de Maringá, onde orienta projetos de pesquisa de alunos de Mestrado e Doutorado no laboratório de Atividade Antiviral junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas.

Sua pesquisa tem focado na área de Microbiologia e Virologia, como a avaliação da atividade antiviral de produtos naturais e sintéticos. Possui uma produção científica de destaque, com quase 200 artigos publicados ao longo de sua carreira em revistas científicas, além de capítulos de livros e inúmeros resumos em anais de congressos internacionais. 
Na entrevista a seguir, a Professora Tania compartilha conosco suas experiências e seus posicionamentos sobre a pandemia causada pela COVID-19 e sobre mulheres na ciência, além de abordar também dificuldades e carreira acadêmica. Confira abaixo:

1. Cientista – Era isso que você queria ser quando crescesse?

Na infância, não me lembro de ter esse tipo de pensamento: o que queria ser quando crescesse. Apenas brincava. De casinha, com bonecas, pega-pega, e como quase todas as crianças brincava de escolinha, e fazia de conta que eu era a professora. Sempre gostei de observar as coisas e depois, tentar buscar soluções para os problemas. 

Possivelmente isso já sinalizasse a vocação para a academia, mas acredito que na época, ser “cientista” parecia ser algo muito distante e inatingível para alguém crescendo no interior do Brasil, e talvez isso ainda seja uma realidade.

2. Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?

Nem um cientista, nem uma descoberta científica em particular, mas vários fatores podem ter contribuído para seguir essa carreira. Quem viveu a infância e a adolescência nas décadas de 60 ou 70 foi muito influenciado pelos filmes e seriados de ficção científica, e que a mim particularmente chamavam muito a atenção. 

Meus pais, apesar de não terem o curso superior, sempre nos estimularam a dedicar aos estudos de uma forma leve, respeitando as nossas limitações, e fornecendo meios e ferramentas para buscar conhecimentos. Tínhamos acesso a muitos livros e revistas em casa. 

No início da década de 70, uma coleção chamada “Os cientistas” podia ser adquirida nas bancas de revistas. Cada fascículo era dedicado a um cientista acompanhado por um kit contendo peças que permitiam reproduzir experimentos relacionado ao cientista: Lavoisier, Dalton, Pasteur, Newton, e assim por diante. 

Assim, a cada quinze dias minha mãe chegava em casa com um kit novo, e o que mais me chamou a atenção foi o kit que trazia um microscópio juntamente com uma coleção de lâminas. A única peça desta coleção, que guardei por muito tempo foi o microscópio. Coincidência ou não, hoje sou Microbiologista.

3. Sempre se interessou em estudar os vírus? Como sua trajetória acadêmica a levou à especialidade de virologia?

O fascínio pelos vírus surgiu quando, logo após a graduação, no início da década de 80, eu precisei estudar para a obtenção do título de Especialista em Análises Clínicas. O conteúdo contemplava vários assuntos, e entre eles a Virologia. E ao aprofundar o estudo nesta matéria, fiquei fascinada por este agente infeccioso tão pequeno, mas ao mesmo tempo tão intrigante. 

Quando me vi inclinada a seguir a carreira acadêmica, a primeira oportunidade foi a Bioquímica, mas tinha maior afinidade mesmo com a Microbiologia, a área que finalmente escolhi. Porém, cultivar vírus é um desafio, pois além da partícula viral ativa precisamos também de uma célula hospedeira, portanto, a pesquisa em Virologia era restrita aos grandes centros de ensino e pesquisa. 

Apesar de ouvir opiniões de que eu não teria chance de progredir nesta área em uma universidade jovem no interior do Paraná, eu decidi enfrentar esse desafio e fiz o meu mestrado na área de Virologia, na Universidade Federal de Minas Gerais. Ao ingressar definitivamente na carreira acadêmica, de fato, trabalhar com vírus resumia-se em realizar testes imunológicos e de biologia molecular, que eram onerosos e faltavam recursos financeiros para desenvolver pesquisa. 

No doutorado, sob orientação do Dr. Wanderley de Souza do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ), estudando a biologia das leishmânias, tive a oportunidade de me atualizar em biologia celular, aprender a cultivar células e trabalhar com modelos animais. 

Era início do século 21, a economia no país melhorara, e como consequência os recursos destinados à pesquisa aos poucos foram chegando às instituições do interior do país, juntamente com os cursos de pós-graduação. 

A busca por agentes antimicrobianos a partir de produtos naturais, a linha de pesquisa iniciada na década de 90 pelo nosso grupo de forma tímida com bactérias e fungos, foi então ampliada para Leishmania sp e Trypanosoma cruzi. E por que não buscar agentes antivirais? 

Incentivado pelo nosso colega Dr. Benedito Prado Dias Filho, contando com o apoio de meu companheiro de vida e trabalho, Dr. Celso Nakamura, e com a ajuda de um grande amigo que conhecemos durante o doutorado, Dr. José Andrés Morgado Diaz, pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (INCA) no Rio de Janeiro, começamos a cultivar as células de mamíferos em nosso laboratório. 

O próximo passo foi cultivar os vírus, e eis que agora contamos com um Laboratório de Atividade Antiviral e também um biotério experimental, onde realizamos os ensaios pré-clínicos. Foram muitos os pesquisadores, colegas, pessoal técnico e alunos que contribuíram, e ainda contribuem para esta realidade. Não é possível nominar a todos, mas é o resultado do trabalho de uma grande equipe.

4. Como são desenvolvidas as pesquisas em virologia? Há alguma dificuldade específica que você gostaria de ressaltar?

Para realizar pesquisa com bactérias e fungos precisamos de um laboratório equipado e condições mínimas para garantir qualidade e segurança, e se contarmos com pessoal treinado é possível realizar um bom trabalho. 

O grande desafio quando se trata de pesquisas em virologia reside na necessidade de cultivar o vírus. Além dos quesitos segurança e estrutura adequada, o fato do vírus ser um parasita intracelular obrigatório, aumenta a complexidade do estudo, pois precisamos sempre lidar com dois modelos biológicos: a célula e o vírus. 

Claro que quando estudamos outros parasitas, precisamos também levar em consideração a relação parasita-hospedeiro, mas quase sempre é possível cultivá-los em meio artificial, sem o seu hospedeiro, o que simplifica muito o trabalho. 

A evolução das metodologias de biologia molecular e imunológicas propiciou um salto muito grande na evolução da Virologia, agilizando a descoberta e o estudo dos vírus emergentes, tal qual o mundo vem testemunhando nos últimos tempos, particularmente nos últimos meses, com a pandemia do COVID-19. 

No entanto, para compreender a biologia do vírus, buscar agentes antivirais e vacinas eficazes precisamos realizar os testes in vitro e os ensaios pré-clínicos, que invariavelmente leva à necessidade de cultivar o vírus. No caso do SARS-CoV-2, um vírus novo altamente contagioso e potencialmente fatal, assim como outros vírus (Hepatites virais, Dengue, etc) requerem laboratórios com alto nível de biossegurança, porém é uma estrutura onerosa que em nosso país é rara, estando disponível e concentrada em determinadas regiões. 

Considerando as dimensões geográficas e a densidade demográfica de nosso país, constatamos na prática que esta situação é muito desfavorável num cenário de pandemia como a que estamos vivendo, ou seja, não há estrutura disponível para a realização das pesquisas, e inclusive dos testes para o diagnóstico da doença por falta de infraestrutura adequada longe dos grandes centros. E durante a pandemia da COVID-19 pudemos perceber também que mesmo em grandes centros, a estrutura existente – assim como pessoal qualificado e treinado – ainda não é suficiente.

5. Você acha que estamos perto de encontrar um remédio (antiviral) eficiente? E vacina? Quais os desafios em se criar um antiviral ou uma vacina?

Sim, se considerarmos os avanços tecnológicos e os conhecimentos acumulados, que ainda estão em franca evolução, é possível que tanto um fármaco antiviral assim como uma vacina, eficazes e seguros, sejam disponibilizados em curto de espaço de tempo. Mas isso tudo dependerá das características do novo Coronavírus e da doença, cuja fisiopatologia ainda não é totalmente conhecida. 

Sabemos que a chave do problema será o desenvolvimento de uma vacina, pois assim protegemos a população de risco. Vários candidatos à vacina em breve serão disponibilizados, e se tudo der certo, ou seja, se o nosso organismo for capaz de responder prontamente à vacina e conseguir manter os níveis de anticorpos capazes de neutralizar o vírus, ainda precisaremos aguardar pelo menos um ano para que se possa comprovar se a imunização foi eficiente, e seguir monitorando se não surgem cepas mutantes do vírus. 

Para os indivíduos infectados, que apresentam sintomas e podem desenvolver quadros mais graves, não há outra possibilidade senão lançar mão de procedimentos terapêuticos e de suporte, sendo que o tratamento farmacológico parece envolver uma estratégia complexa na COVID-19. 

Considerando que a disponibilização de um novo agente antiviral eficaz e seguro no mercado pode levar pelo menos dez anos, a tendência atual é optar pelo reposicionamento de fármaco, que acelera o processo, pois estes já são utilizados no tratamento de outras doenças, e se tem informações sobre a toxicidade e a farmacocinética. 

Mesmo assim, estamos percebendo que não é tão simples. Desta forma, ainda precisamos compreender a fisiopatologia da COVID-19, de modo a buscar uma estratégia terapêutica adequada e eficaz para cada fase da doença.

6. Como você vê o cenário mundial de enfrentamento da pandemia nesse momento?

Embora a humanidade já tenha enfrentado diversas pandemias no passado e outras tragédias, a pandemia em curso vem causando um impacto devastador não apenas no sistema de saúde, mas na vida das pessoas em nível mundial nunca presenciado desde o fim da Segunda Guerra Mundial. 

Os tempos são outros, temos uma tecnologia avançada, conhecimento e informação, e por isso, tudo acontece numa velocidade muito grande, e a globalização vem influenciando o rumo da epidemia em vários países. Entre erros e acertos, só o tempo para nos mostrar quais foram as medidas mais efetivas. 

Assim, a vida pós-COVID-19 no mundo dependerá da forma como os governantes, as autoridades e a população conseguirão equilibrar as medidas necessárias para controlar a pandemia e as medidas políticas de sustentação econômica, minimizando ao máximo os problemas sociais. Mas uma coisa é certa: dias muito difíceis ainda estão por vir em praticamente todo o planeta. 

Independente das consequências, as mudanças que aconteceram certamente vão influenciar diretamente no modo de vida das pessoas no mundo todo. Da mesma forma que pessoas e nações sempre se solidarizam diante de uma grande tragédia, agora não é diferente, mas percebemos que de um modo geral muitos passaram a ter outros valores. 

A valorização da Ciência é notória em vários países, mas no Brasil ainda precisamos avançar muito. A situação que estamos vivendo é uma oportunidade para que todos percebam a importância do investimento em prol da Ciência. E quando pensamos em Ciência não se trata somente da busca de um remédio para a cura de uma doença, mas o conhecimento em todas áreas que contribuirão para a solução dos problemas.

7. Corremos o risco de termos um outro vírus com o mesmo comportamento do novo coronavírus em breve?

O conhecimento das características do vírus e da doença, o entendimento de como o vírus pode ter surgido, e como ele evoluiu serão essenciais para tomar as medidas de vigilância e de prevenção adequadas. Assim, acredito que outro vírus semelhante não apareça tão cedo, mas não podemos descartar a possibilidade de surgimento de outro vírus, talvez com outras características.

8. Ao longo da sua carreira, você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?

A minha formação e a carreira acadêmica se desenvolveram em paralelo aos meus projetos pessoais graças ao incentivo e apoio de meu marido, de minha família, e de todos que estiveram ao meu redor. E na carreira acadêmica normalmente a mulher não enfrenta grande dificuldade e nosso trabalho tem sido reconhecido. 

As dificuldades que encontramos, na verdade são desafios inerentes a qualquer profissão, pois na maioria das vezes, a mulher divide o tempo entre o trabalho fora de casa, a tarefa de administrar uma casa e os cuidados com a família, mesmo que ela tenha a ajuda de outras pessoas. 

9. Descreva, em poucas palavras, a ciência pelos olhos da Dra. Tania Ueda-Nakamura.

Desde sempre a Ciência tem definido os rumos da humanidade contribuindo para a sua evolução. Cabe ao homem a difícil tarefa de tomar as decisões certas.

Equipe de trabalho da profª Tania no laboratório de Microbiologia aplicada a produtos naturais e sintéticos (Universidade Estadual de Maringá) em diferentes anos. Arquivo pessoal.

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É um prazer enorme divulgar um pouco do trabalho e dar visibilidade para mulheres cientistas que contribuem imensamente para a pesquisa brasileira. Agradecemos profundamenteà Profa. Tania pela oportunidade de entrevistá-la nesse momento em que a valorização da ciência se faz tão necessária.

Nota

Confira aqui o nosso primeiro “Colírio Científico” do Ciclo temático “Epidemias”.


Bruna Bertol

Possui graduação em Farmácia (2014) e mestrado (2016) em Imunologia Básica e Aplicada pela USP de Ribeirão Preto, onde cursa seu doutorado. Em 2019 realizou 1 ano de estágio sanduíche na Universidade do Colorado, Anschutz Medical Campus – Aurora, CO, USA. Trabalha com imunologia tumoral e imunoterapia. Acredita na educação como instrumento de emancipação feminina e transformação social.

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