Arte contemporânea é assim mesmo… (V.3, N.6, 2017)

No post anterior, demos o primeiro passo para nos aproximarmos da arte atual: aceitar que ela é o que pode ser. Por razões sociais e históricas que discutiremos em futuras postagens, aconteceu de ela ser assim. Mas… Assim como?

Primeiro de tudo…

Por enquanto, nos referimos à arte contemporânea de maneira bastante ampla, dizendo que ela é “estranha”, “difícil”, “diferente do que esperávamos”.

Tudo isso é verdade, mas ainda é pouco.

Se quisermos entender (e perceber!) melhor a produção artística de nosso tempo, precisamos compreender o que a palavra “assim” quer dizer nesse caso.

O fato é que ela quer dizer muitas coisas.

A arte contemporânea pode assumir diversas formas, tratar de vários temas. Em outras palavras, ela é marcada pelo ecletismo.

 

Viva a liberdade!

Dizer que ela é eclética significa afirmar que uma de suas características fundamentais é a diversidade. Os artistas contemporâneos não estão presos a uma doutrina ou escola artística, como acontecia no passado. Não há regras a serem seguidas e eles podem criar o que quiserem. Eles são livres para escolher.

Essa liberdade criativa se manifesta em muitos dos aspectos das obras (trataremos disso em outros posts!), mas sem dúvida a face mais visível desse ecletismo se revela nos materiais de que elas são feitas.

O artista inglês Liam Gillick afirma que hoje os materiais artísticos parecem ter sido comprados em “lojas inadequadas”. E tem razão!

Enquanto artistas do passado tinham uma opção limitada de escolhas (grafite, carvão, tinta, argila, por exemplo), os de hoje podem usar qualquer coisa. Mesas, cadeiras, pedras, sapatos, feno, barras de ferro, fotografias antigas. Tudo pode se transformar em material para a arte.

De 1950 para cá, tudo tem se transformado em material artístico. Liam Gillick, por exemplo, usou lenha para fazer essa escultura.

Mas isso não quer dizer que os materiais artísticos tradicionais não sejam mais utilizados. Eles não apenas são usados, como muitas vezes têm seu uso potencializado, por estarem lado a lado com materiais não-convencionais.

Foi justamente o que fez o artista cujo trabalho abre este post. Andrey Rossi utilizou uma mistura de materiais convencionais e não-convencionais, compondo uma  assemblage.

Com carvão e sanguínea sobre papel, ele fez desenhos ao mesmo tempo realistas e “estranhos”. Esses desenhos foram “acoplados” a um livro em cuja capa está encrustado o crânio de um pássaro. O marcador de páginas é uma mecha emaranhada de cabelos. Além disso, há anotações datilografadas e recortes de livros rasurados.

Todos esses diferentes materiais foram arranjados de maneira a compor um todo significativo, que se oferece a nossa fruição.

Esse trabalho nos faz pensar sobre a natureza do conhecimento que se encontra dentro de livros, mas também sobre o fazer artístico, que pode, por exemplo, tomar um livro antigo como suporte para uma colagem.

Mas não é só isso

Ele pode ser compreendido como uma imagem emblemática do que aconteceu com a arte de uns tempos para cá: ela não cabe mais dentro de limites fechados. Esparrama-se para além do aceito. Desafia explicações possíveis. Não se deixa aprisionar por aquilo que está escrito nos livros, embora muitas vezes se apoie sobre eles.

E é por isso que ela é legal: por oferecer-se aos artistas como liberdade de escolha, e aos espectadores, como desafio de interpretação.

 

Referência para a escrita deste texto:

Bourriaud, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins, 2009.