Nas ondas do sistema CRISPR: edição de genoma

Publicado por Descascando a ciência em

Você sabia que as bactérias também possuem sistema imunológico?

Elas têm um mecanismo de defesa contra material genético (DNA) de invasores como, por exemplo, vírus (bacteriófagos). Isso mesmo, os vírus são tão danados que não só causam doenças em nós, seres humanos, mas também infectam nossas amigas bactérias.

Um desses sistemas é conhecido como CRISPR-Cas.

O que é CRISPR-Cas?

Ele funciona como uma memória dos invasores que já tentaram atacar a bactéria no passado, ou seja, CRISPR-Cas é um sistema que a bactéria usa para se lembrar dos vírus que a contaminaram e poder combatê-los caso haja uma infecção no futuro.

Podemos compará-lo ao sistema imune de animais ao atacar microrganismos, mas no caso do CRISPR-Cas, quando o DNA estranho é detectado, algumas enzimas são capazes de reconhecer e picotar este material genético. 

Só que não basta picotar… 

Para que a defesa possa ser mais rápida e eficiente nas próximas invasões, alguns destes fragmentos são selecionados e “guardados” no DNA da bactéria, como em uma biblioteca. 

Esse DNA se transforma em um RNA guia, que age como soldadinhos marchando pelo citoplasma em busca do inimigo.

Caso encontrem algum outro DNA que tenha aquela mesma sequência específica que foi memorizada, ele é rapidamente destruído e livra a bactéria da infecção.

Caricatura de cientistas segurando uma lupa e olhando para uma sequência de DNA

Importância da CRISPR-Cas

Os cientistas sempre precisaram encontrar formas de cortar e colar determinadas sequências de DNA já que, por muitos motivos, é relevante alterar as sequências dos genes estudados. 

Isso até é possível em laboratório, com as chamadas enzimas de restrição — que cortam o DNA — e outras que conseguem ligar ele de volta: as ligases, mas realizar essa ação dentro de uma célula viva, mexendo direto em seu material genético, é outro nível!

Inspirados pelo sistema CRISPR, cientistas então decididiram copiá-lo para editar o genoma de eucariotos, que são organismos com DNA das células guardado dentro de um núcleo, ou seja, fungos, plantas e animais.

Técnica CRISPR e Genoma de Eucariotos

O pulo do gato é que, utilizando essa técnica CRISPR, podemos fazer com que aquele RNA guia carregue uma sequência complementar a um gene do nosso interesse, ao invés de ele carregar uma sequência que busca o material genético de um possível vírus invasor

Sendo assim, este sistema vai permitir que uma sequência específica seja encontrada e cortada.

Como age 

Quando o sistema CRISPR causa essa quebra no DNA, ela é rapidamente “remendada” pelas células. 

Porém, como elas agem rapidamente, acabam fazendo com que esse “remendo” insira mudanças da sequência do gene, que é um risco, pois um pequeno erro introduzido durante o reparo, pode alterar completamente a sequência da proteína que codifica e até parar a sua produção por completo.

E será que vale o risco? Todo esse trabalho para entrar dentro da célula, encontrar sua sequência para simplesmente cortá-la e estragar o gene? SIM!

Um dos jeitos mais tradicionais de estudar a função de um gene é, simplesmente, destruindo-o.

Calma, tem um motivo simples! Ao destruir podemos observar as diferenças entre:

  • uma célula com o gene normal
  • uma célula que não tenha o gene normal
  • célula que tenha o gene bastante danificado

Neste caso, o sistema pode editar sequências do genoma de qualquer organismo. 

E, mais ainda, você pode “consertar” um dano existente, introduzindo mudanças de sequências ao usar um molde de DNA e, com isso, “curar” alguns tipos de doenças.

CRISPR-Cas na agricultura

A técnica CRISPR-Cas pode ser utilizada em todas as culturas importantes, incluindo grãos, frutas e hortaliças. 

Alguns exemplos:

  1. O cogumelo que não escurece ao ser cortado foi o primeiro produto desenvolvido pela técnica CRISPR-Cas e disponibilizado no mercado após análise do departamento de agricultura dos Estados Unidos, em 2016. 
  2. Em 2018, o Brasil teve o primeiro produto agrícola resultado do sistema CRISPR, um milho editado que contém maior concentração de amilopectina. A amilopectina é bastante interessante para a indústria de alimentos, pois incrementa a textura do milho, além de poder ser usado como fazer papel e cola. 

Viram como a técnica de CRISPR-Cas é fundamental para melhorias em diversas áreas da Ciência?

Continuem acompanhando nossos textos!

Escrito por Dra. Paula Maria Moreira Martins
Referências
  • LIANG, Z.; CHEN, K.; YAN, Y.; et al. Genotyping genome-edited mutations in plants using CRISPR ribonucleoprotein complexes. Plant Biotechnology Journal, v. 16, n. 12, p. 2053–2062, 2018
  • YIN, K.; GAO, C.; QIU, J. L. Progress and prospects in plant genome editing. Nature Plants, v. 3, n. October, p. 1–6, 2017.
  • ZONG, Y. et al. Precise base editing in rice, wheat and maize with a Cas9-cytidine deaminase fusion. Nature Biotechnology, v. 35, n. 5, p. 438–440, 2017.
  • https://croplifebrasil.org/noticias/crispr-cas9-melhoramento-genetico

Descascando a ciência

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3 comentários

Carolina Stefano Mantovani · 8 de outubro de 2016 às 12:53

Acho muito interessante como os cientistas pensaram na aplicação desse sistema do CRISPR-Cas! O link que envio abaixo fala do "CRISPR timeline", e mostra os trabalhos científicos desde 1993 que contribuíram para a aplicação atual do CRISPR:
https://www.broadinstitute.org/what-broad/areas-focus/project-spotlight/crispr-timeline
Este é um excelente exemplo da importante conversa entre a Ciência Básica e a Ciência Aplicada, e da colaboração dos trabalhos de cientistas por todo o mundo!! Muito legal! =)

Nas ondas do CRISPR (edição de genoma) - Blogs Científicos - UNICAMP · 20 de julho de 2016 às 09:47

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Você sabe qual a relação do seriado Jéssica Jones e o DNA? · 23 de agosto de 2018 às 22:17

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