Biotecnologia: ciência que melhora a qualidade de vida

Publicado por Descascando a ciência em

Conheça a história da biotecnologia por meio das descobertas e desenvolvimento das ferramentas que permitiram a manipulação do DNA

O termo “biotecnologia” foi cunhado pelo agrônomo húngaro Karl Ereky em 1919. Em seu livro intitulado “Biotecnologia da Produção de Carne, Gordura e Leite em uma Fazenda Agrícola de Grande Porte“, Ereky descreveu o uso de organismos vivos, como plantas e microrganismos, para a produção de bens e serviços úteis à sociedade.

Desde então, a biotecnologia tem evoluído rapidamente, abrangendo diversas áreas, como a medicina, agricultura, indústria alimentícia, meio ambiente e energia.

Da fermentação do pão a vacina contra COVID-19

Há muito tempo, a humanidade utiliza organismos vivos para produzir bens e serviços socialmente úteis. Um exemplo disso é a produção de alimentos fermentados, como pão, queijo e vinho, que utiliza microrganismos para transformar ingredientes brutos em produtos comestíveis.

Veja bem, naquela época, as pessoas não tinham conhecimento sobre a estrutura do DNA, mas sabiam que podiam manipular os organismos vivos para obter resultados desejados. O fato é que, desde sempre, o que a humanidade tem utilizado são as sequencias genéticas (genes) presentes nos organismos vivos e, que muitas vezes, são exclusividades de cada espécie.

Com a descoberta da estrutura do DNA nos anos 1950, a biotecnologia começou a evoluir rapidamente. A partir desse momento, os cientistas passaram a ter um entendimento mais profundo sobre como os organismos vivos funcionam e como podem ser manipulados geneticamente para produzir resultados específicos.

Com isso, a biotecnologia tem sido amplamente utilizada na produção medicamentos, como a insulina para diabetes e a vacina contra a COVID-19.

Também tem sido aplicada na agricultura, permitindo o desenvolvimento de culturas mais resistentes a pragas e doenças, além de alimentos com maior valor nutricional. Na indústria alimentícia, além dos produtos fermentados, a biotecnologia tem sido utilizada para produzir enzimas, corantes e aromas naturais.

No enfrentamento as mudanças climáticas, a biotecnologia também tem contribuído para o desenvolvimento de tecnologias para eliminação de resíduos orgânicos – reduzindo a emissão de gases de efeito estufa – e de fontes de energia renováveis, como biocombustíveis e biogás.

A manipulação do DNA é uma das conquistas mais significativas da biotecnologia

Após a descoberta da estrutura e entendimento de como o código genético (DNA) é armazenado e transmitido entre as células, os cientistas começaram (década de 1960) a explorar a ideia de que era possível cortar o DNA em locais específicos e reorganizar as sequências de maneira desejada.

Assim surge a tecnologia do DNA recombinante. Esse processo era feito utilizando enzimas conhecidas como “endonucleases de restrição”, que cortavam o DNA em locais específicos, permitindo a manipulação das sequências genéticas.

Com isso, os cientistas começaram a realizar alterações precisas no código genético de um organismo, adicionando ou removendo genes para produzir características desejadas.

Em 1972, Paul Berg desenvolveu a primeira técnica para a criação de organismos recombinantes, combinando o DNA de diferentes organismos em uma única célula. Essa técnica permitiu, por exemplo, a produção de proteínas humanas em bactérias, abrindo caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos médicos. A insulina produzida por bactérias geneticamente modificadas é utilizada desde a década 1980.

A técnica de reação em cadeia polimerase (PCR), recentemente muito comentada, também foi desenvolvida na década de 1980 e é de grande importância para biotecnologia. Com ela é possível realizar muitas cópias de regiões específicas do DNA e com isso a identificação e manipulação (clonagem) dos genes foi aprimorada, facilitando a realização de pesquisas.

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Organismos geneticamente modificados e os transgênicos

A aplicação da biotecnologia nos leva hoje ao que chamamos de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) – seres vivos que tiveram seu material genético alterado para melhorar a produção de bens e serviços úteis à sociedade. Diferentemente dos nossos ancestrais, agora “enxergamos” os genes e não trabalhamos mais as cegas.

OGM e transgênicos são definições dadas a organismos que tiveram seu DNA modificado por meio de ferramentas biotecnológicas. A diferença é que no caso dos transgênicos o organismo manipulado recebeu um ou mais material genético (gene) de um organismo em que não existe compatibilidade sexual – no entanto, as técnicas de biotecnologia aplicadas para desenvolvimento de um transgênico são as mesmas utilizadas para desenvolvimento de um OGM.

Por isso: Todo transgênico é um OGM, mas nem todo OGM é um transgênico!

  • A insulina utilizada por pessoas com diabetes é produzida a partir de uma bactéria transgênica. Essa bactéria possui um gene da insulina humana. A bactéria então produz a insulina humana, que é coletada e purificada para uso em injeções.
  • Diatraea saccharalis é uma mariposa que ataca cana-de-açúcar, milho e outras culturas. Plantas transgênicas resistentes a esse inseto possuem um gene da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt). A planta então produz uma proteína que é tóxica para saccharalis.

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Quando a biotecnologia produz um organismo não-OGM

A gente acabou de falar que os produtos da biotecnologia são OGMs, acontece que a ciência não para. Novas descobertas vão acontecendo e as definições e conceitos precisam ir se ajustando as novidades.

Nos anos 2000, foi desenvolvida a técnica de “edição genética”, que permitiu aos cientistas fazer alterações ainda mais precisas no DNA de um organismo. Com essa técnica, além da transferência de genes entre organismos, tornou-se possível a alteração de um gene sem a necessidade de inserção permanente de qualquer material genético no DNA do organismo modificado.

A técnica mais conhecida de edição genética é a CRISPR “Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas” (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), desenvolvida em 2012. Sua relevância resultou no prêmio Nobel de química (2020) para as cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pela descoberta e desenvolvimento dessa ferramenta.

Dependendo de como a tecnologia CRISPR é utilizada não há introdução de nenhum material genético no organismo que está sendo modificado. Nesse caso, o organismo modificado se assemelha aqueles gerados por mutações induzidas – adotadas desde a década de 1930 e não consideradas modificações que resultam em um OGM.

Todo produto desenvolvido por ferramentas biotecnológicas deve ser avaliado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A CTNBio é quem determina sobre produto não ser um OGM, ser um OGM ou um transgênico, decisão que é tomada com base em um dossiê científico elaborado pela instituição ou empresa requerente e nas informações presentes nos relatórios de atividade daquele laboratório.

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Hoje em dia, a biotecnologia segue como uma das áreas mais promissoras da ciência, com inúmeras aplicações em diferentes setores da sociedade. Desde a produção de alimentos mais saudáveis e sustentáveis até o desenvolvimento de novas terapias para doenças até então incuráveis tendo o potencial de transformar a vida das pessoas de maneiras que antes pareciam impossíveis.

Sobre o autor:

Dr. Paulo José Camargo Dos Santos: Biólogo, pesquisador, mestre em microbiologia e doutor em biologia molecular. Atualmente trabalha como criador de conteúdo voltado para agricultura e divulgador científico no Descascando a Ciência

Principais fontes:

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (Brasil). CTNBio 25 anos. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, 2021.

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio): http://ctnbio.mctic.gov.br/inicio. Acesso em 15/08/2022.

Kumar, K. et al. Genetically modified crops: current status and future prospects. Planta, 2020.

Mozafari, M., Tariverdian T e Beynaghi A. Trends in Biotechnology at the Turn of the Millennium. Recent Patents on Biotechnology, 2020.

Nawaz, M. A., et al. Addressing concerns over the fate of DNA derived from genetically modified food in the human body: A review. Food and Chemical Toxicology, 2019.


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2 comentários

livro pdf · 6 de maio de 2023 às 18:53

QUE ARTIGO INCRÍVEL!! ESTOU ESTUDANDO SOBRE O ASSUNTO E QUERO ME TORNAR UM PROFISSIONAL NO RAMO.

    Descascando a ciência · 10 de maio de 2023 às 11:41

    Olá! Que bom que você gostou do artigo e acompanha o Descascando! Fico feliz em saber que quer ser um profissional da biotec. Realmente é fascinante! Boa sorte pra você, e continue acompanhando a gente, dá uma olhada nos textos antigos também. Temos um material bem legal por aqui e nas redes sociais. Um abraço!

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