Jurassic Park das moléculas
Já que o assunto é evolução, também temos o que descascar, e hoje vamos falar sobre fósseis. Mas não se engane, não é sobre ossos fossilizados de animais extintos: é sobre moléculas fósseis!
Quando falamos em DNA, RNA e proteínas, nos referimos à moléculas que foram ganhando maior complexidade ao longo dos anos. Assim como organismos inteiros se originaram de estruturas simples, e foram mudando e se adaptando aos diferentes ambientes com o passar dos anos, as moléculas também eram inicialmente mais simples.
Agora eu pergunto: se o desenterrar de ossos fósseis auxilia na elaboração de modelos evolutivos de animais, que tipo de molécula levou à elaboração de teorias de evolução de moléculas?
A resposta está nas plantas que podem estar aí no seu jardim!
![](https://www.blogs.unicamp.br/descascandoaciencia/wp-content/uploads/sites/80/2019/01/dinowithpplant-1024x576.jpg)
Desafio para os fitopatologistas
No século passado, algumas doenças desafiavam os fitopatologistas, cientistas que estudam as doenças das plantas. Eles não conseguiam identificar alguns tipos de microorganismos e isso dificultava o entendimento das epidemias.
A determinação das causas de uma doença infecciosa, ou seja, o conhecimento do patógeno responsável pela infecção, é fundamental para entender os aspectos relacionados à sua disseminação e sobrevivência, fatores que estão diretamente associados às estratégias de manejo e controle.
Dois exemplos dessas doenças desafiadoras são:
1- o afilamento do tubérculo da batata;
2 – a exocorte dos citros.
Pesquisas desenvolvidas ainda ano século XX demonstraram que ambas as doenças eram causadas por minúsculas moléculas de RNA denominadas viroides.
Vírus e viroides
O genoma dos vírus contém as informações necessárias para fazer uma nova cópia, mas eles precisam da maquinaria das células vegetais para construir outro capsídeo e outro ácido nucleico, já que não conseguem fazer isso sozinhos.
E, por incrível que pareça, viroides são ainda mais simples, porque além de não apresentarem capsídeo, o genoma que os compõe é constituído de uma pequena molécula circular de RNA que não carrega nenhum tipo de informação. É um RNA “pelado” e bem pequeno (com cerca de 350 nucleotídeos).
Se ainda couber uma comparação, é como se o vírus fosse uma nave com um piloto, e o viroide fosse só o piloto.
O genoma dos viroides não codifica proteínas e é cerca de 10 vezes menor que o genoma do menor vírus de plantas conhecido.
Viroides na agricultura
Mesmo sendo moléculas muito simples, os viroides causam grandes preocupações para a agricultura e são capazes de infectar uma planta inteira viajando pelo floema, causando sintomas que podem, inclusive, culminar com a morte das plantas.
Há pouca mais de 30 espécies de viroides conhecidas e são classificadas em duas famílias:
(i) Pospiviroidae, que reúne os viroides que se replicam no núcleo das células vegetais e não possuem ribozimas;
(ii) Avsunviroidae, cujos membros se replicam nos cloroplastos e possuem ribozimas.
Ribozima
Esse é o nome que recebem as estruturas moleculares formadas pela dobra da própria molécula de RNA do viroide, podendo ocasionar a sua quebra.
A presença dessas estruturas foi crucial para determinar qual família de viroides é a mais ancestral: a Avsunviroidae! Isso porque essa capacidade de clivar a própria molécula de RNA (autocatálise) é considerada uma maneira ancestral de fazer cópias da própria molécula.
Dúvidas sobre evolução? Confira essa infográfico!
O fato desses viroides se replicarem nos cloroplastos também é outra evidência de sua ancestralidade, já que evidências evolutivas indicam que cloroplastos eram microrganismos capazes de fazer fotossíntese e tinham vida livre antes de serem englobados por células.
Os viroides são responsáveis por prejuízos importantes na agricultura, sendo capazes de infectar plantas de diferentes famílias botânicas, monocotiledôneas e dicotiledôneas, herbáceas e lenhosas.
Entretanto, é intrigante o fato desses RNA infecciosos só terem sido encontrados em plantas superiores, mas essa é uma outra história para descascar.
Para aqueles que se interessarem em aprender um pouco mais sobre os viroides, indicamos esses alguns artigos científicos:
- Discovering viroids–a personal perspective
- Viroids and Satellites
- From Y1K to Y2K: Millennial Milestones in Plant Pathology
- Viroids: Survivors from the RNA World?
Texto escrito pelo pesquisador Marcelo Eiras
Edição por Diogo Galdeano e Raquel Caserta
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