Cebola e alho temperando o Brasil
Imagine o som da frigideira chiando, o perfume que sobe quando os primeiros pedaços de cebola tocam o azeite quente, seguido pelo aroma inconfundível do alho dourando logo em seguida. Essa cena é comum em praticamente todas as cozinhas brasileiras. Mas você já parou para pensar por que essa dupla é tão querida — e o que a ciência tem a dizer sobre ela?
Alho (Allium sativum L.) e cebola (Allium cepa L.) são muito mais do que temperos. São plantas da mesma família botânica — a Aliácea — e compartilham uma origem asiática milenar. Desde que chegaram ao Brasil, tornaram-se protagonistas na nossa culinária e parte da história agrícola do país. A relação com os brasileiros é tão intensa que hoje as duas hortaliças têm peso socioeconômico, sendo cultivadas em pequenas propriedades e também em grandes áreas produtivas.
Mas o que são, afinal, o alho e a cebola? Curiosamente, ambos são classificados como bulbos, ou seja, folhas modificadas que funcionam como estruturas de reserva e reprodução. Diferem-se das raízes e dos tubérculos por sua anatomia, mas todos acabam ocupando lugar de destaque na mesa — e na ciência.
A história do alho e da cebola no Brasil: um tempero que veio de longe
Assim como tantas outras plantas alimentícias, o alho e a cebola não são nativos do Brasil. Ambos têm origens no Velho Mundo: o alho, provavelmente da Ásia Central, e a cebola do Oriente Médio ou da Ásia Ocidental. Eles chegaram ao território brasileiro com os colonizadores europeus, especialmente os portugueses, no século XVI.
Durante as grandes navegações, os europeus não apenas buscavam especiarias como canela, pimenta-do-reino e noz-moscada, mas também traziam consigo os ingredientes essenciais para sua culinária, entre eles, o alho e a cebola. Esses temperos eram fundamentais para conservar e dar sabor aos alimentos em longas viagens marítimas.
Com o tempo, o sabor e o aroma do refogado de alho e cebola se tornaram parte da identidade da culinária brasileira. Misturados a ingredientes indígenas e africanos, ajudaram a formar a base do que hoje conhecemos como “gosto de comida caseira”. Em praticamente todas as regiões do país, o “cheiro de comida no fogo” começa com a sinfonia do alho e da cebola dourando na panela.
Uma pitada de nutrição
Apesar de usados em pequenas quantidades, alho e cebola oferecem uma série de benefícios nutricionais. Dez gramas de alho cru somam cerca de 12 calorias, e a mesma quantidade de cebola tem apenas 4 calorias. Ou seja, agregam sabor com baixíssimo impacto calórico.
Mas é nos compostos bioativos que essas hortaliças brilham. A cebola é rica em quercetina (um flavonol) e antocianinas (flavonoides), especialmente nas variedades roxas. Esses compostos têm efeito antioxidante, anti-inflamatório e antimicrobiano, e o consumo regular está associado à redução do risco de doenças crônicas não transmissíveis. Já o alho concentra compostos organossulfurados, como a famosa alicina, que também exibe propriedades antimicrobianas e antioxidantes — além de ser responsável pelo seu cheiro tão característico.
Além disso, alho e cebola podem ser aliados na luta contra o excesso de sal. Por imprimirem sabor marcante às preparações, ajudam a reduzir a quantidade de sal necessária em diversas receitas, promovendo uma alimentação mais saudável sem abrir mão do sabor.
Produção que cresce, mas ainda não basta
Mesmo com todo esse protagonismo, o Brasil ainda não é autossuficiente na produção de alho e cebola. Em 2019, por exemplo, foram produzidas 131 mil toneladas de alho em pouco mais de 11 mil hectares plantados. Já a cebola ocupou quase 49 mil hectares e gerou impressionantes 1,5 milhão de toneladas. Isso representa um crescimento expressivo: em 1999, eram 69 mil toneladas de alho e 988 mil toneladas de cebola. Ou seja, aumentos de 48% e 34%, respectivamente.
Apesar disso, ainda precisamos importar toneladas desses alimentos anualmente, vindos de países como Argentina, China e Espanha. Para virar esse jogo, o país investe em técnicas como a vernalização — um método de armazenamento dos bulbos de alho em câmaras frias que antecipa o desenvolvimento da planta e reduz o período de entressafra.
Saiba mais
Nem orgânico, nem convencional. O diferencial está em quem produz.
A cebola também passou por uma revolução. Durante muito tempo, era colhida manualmente porque a maioria das variedades plantadas aqui tinha casca muito fina, o que dificultava a colheita por máquinas — elas danificavam os bulbos. Com o melhoramento genético, pesquisadores brasileiros desenvolveram cultivares com maior resistência mecânica, facilitando a colheita e reduzindo o custo da produção.
Além disso, o melhoramento genético também ajudou a desenvolver cebolas mais adaptadas ao clima brasileiro, especialmente nas regiões do Nordeste, onde o calor e a baixa umidade exigem plantas mais resistentes.
Na década de 2000, foram lançadas cultivares resistentes a doenças típicas de períodos quentes e úmidos. Isso possibilitou o plantio nos meses de novembro e dezembro, antes inviável, e aumentou a oferta em meses de maior demanda.
Do campo ao prato
A produção de alho e cebola prefere o clima mais ameno, por isso se concentra nas regiões Sul e Sudeste. Mas com o melhoramento genético, já é possível cultivar essas hortaliças também em regiões mais quentes. Goiás e Minas Gerais, por exemplo, se destacam na produção de alho, enquanto Santa Catarina e Rio Grande do Sul continuam dominando a produção de cebola.
Em 2019, algumas cidades lideraram a produção: Cristalina (GO) se destacou tanto no alho quanto na cebola; Rio Paranaíba, Campos Altos e São Gotardo (todas em MG) foram referência no cultivo do alho; já Ituporanga (SC), São José do Norte (RS) e Alfredo Wagner (SC) são nomes fortes quando o assunto é cebola.
Em entrevista com o engenheiro agrônomo Leandro Rodrigues, descobrimos que cultivar alho e cebola não é tarefa simples — e muito menos barata. O custo por hectare pode chegar a R$140 mil para o alho e R$75 mil para a cebola, devido ao trabalho intenso com sementes, câmaras frias, plantio manual e cuidados específicos no campo.
O ciclo do plantio até a colheita leva em média 110 dias, e os produtores ainda enfrentam ameaças como a podridão branca, uma doença causada por fungo de solo que apodrece os bulbos e pode comprometer toda a lavoura.
Apesar dos desafios, o avanço da tecnologia e o manejo adequado têm permitido que esses ingredientes sigam sendo protagonistas na cozinha brasileira.
Como escolher e conservar?
Ao comprar, prefira alhos firmes e com casca que se solte facilmente. No caso da cebola, dê preferência às que forem pesadas, com casca seca e aparência firme. E atenção: nada de guardar na geladeira! Basta um local seco e arejado para garantir a durabilidade desses ingredientes que, por natureza, já são resistentes.
Curiosamente, o melhor momento para comprar é no segundo semestre do ano, quando a oferta de produtos nacionais é maior e os preços, mais baixos.
Um sabor que vai além
Além de temperar a vida, alho e cebola também movimentam a economia, envolvem pesquisas científicas e conectam o campo à mesa com muita história e curiosidade. Com cada fatia dourada, cada aroma que sobe no ar, carregamos um pouco do saber da agricultura, da nutrição e da ciência que, muitas vezes, passa despercebido no prato.
Então, da próxima vez que fizer aquele refogado, lembre-se: não é só sabor. É história. É ciência.
Principais referências:
EMBRAPA. Alho e cebola. Disponível em: https://www.embrapa.br/hortalicas.
ANACE BRASIL, Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/@ANACEBRASIL
UFMG. Ciência para todos. Disponível em: https://www.ufmg.br/ciencianoar/wp-content/uploads/2016/04/CPT-ET02_57-ascebolasnosfazemchorar.pdf
SUPER. Por que o inox tira cheiro de alho das mãos? Disponível em: https://super.abril.com.br/coluna/oraculo/por-que-o-inox-tira-cheiro-de-alho-das-maos . Acesso em: 4 abr. 2025.
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