Nem orgânico, nem convencional. O diferencial está em quem produz

Publicado por Descascando a ciência em

Alimentos orgânicos ou não orgânicos, qual você escolhe? Existem prós e contras em qualquer modo de produção, mesmo sendo orgânico ou convencional. O importante é ter informação para comprar sem ser enganado. 

Encontrar alimentos orgânicos em supermercados e feiras já não é algo tão difícil. Esses alimentos prometem ser mais sustentáveis, saudáveis, nutritivos, são livres de agrotóxicos e transgênicos.

Vincular tais “qualidades” a esses produtos faz com que consumidores vejam esses alimentos como algo melhor para sociedade e meio ambiente e por isso, aceitam pagar, na maioria das vezes, valores mais elevados.

Quem acompanha o Descascando a ciência sabe que aqui trabalhamos para explicar e mostrar a importância da pesquisa e desenvolvimento de tecnologias aplicadas a agricultura.

Defendemos a inovação e o uso correto das tecnologias e acreditamos que por meio delas é possível alcançarmos uma produção de alimentos que seja sustentável e segura.

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Alimentos orgânicos e um caso hipotético

Os alimentos orgânicos emergiram como uma das tendências de estilo de vida mais populares nas últimas décadas.

As vendas e o consumo globais indicam um crescimento exponencial do consumo de alimentos orgânicos, com uma infinidade de reportagens na mídia e publicações sobre estilo de vida destacando os benefícios dos alimentos orgânicos. Até onde isso é verdade?

Imagine uma situação em que uma cidade está sendo atacada por um vírus, os agentes de saúde já tentaram proteger a população com métodos como, isolamento, uso de máscara e outras estratégias de prevenção e mesmo existindo uma tecnologia (vacina) que pode proteger toda a cidade e reduzir, em grande escala, o número de pessoas doentes, os agentes de saúde não podem recomendar o uso dessa tecnologia porque senão a cidade vai perder um selo de “qualidade de vida” e para resgatar esse selo será preciso anos de trabalho.

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Atualmente, para receber a certificação de orgânico, uma fazenda precisa atender a um conjunto muito específico de padrões, incluindo o uso mínimo de produtos químicos, sintéticos, ser livre de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) entre outras práticas descritas na legislação.

As normas estão disponíveis no site do Ministério de Agricultura e Pecuária para produção de alimentos orgânicos e esses padrões se aplicam a qualquer produto agrícola com rótulo orgânico: frutas, vegetais, laticínios, ovos, aves, carne, peixe, arroz e grãos, e até mesmo alguns têxteis naturais.

Por isso, o caso hipotético mencionado não está distante de acontecer em uma fazenda orgânica. Pragas e doenças não diferenciam alimentos orgânicos dos convencionais e uma vez que a cultura está sendo atacada é preciso entrar com uma solução rápida, eficiente e segura, o objetivo é sempre reduzir a perda de alimentos.

Por isso, não tem como dizer que agricultura orgânica é melhor que agricultura convencional (ou vice-versa), tudo depende das medidas que o produtor rural toma – desde a escolha da semente até as medidas de controle frente as adversidades no campo (chuva, seca, pragas, falta de nutrientes e tantos outros).

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A sustentabilidade na cadeia de alimentos deve ser olhada caso a caso. Produzir alimentos orgânicos em larga escala é possível. Existem diversas práticas e produtos permitidos na agricultura orgânica que são eficientes na nutrição e proteção de plantas assim como para o controle de pragas e doenças.

No entanto, as ameaças e necessidades fisiológicas das plantas e solo podem mudar de um ano para o outro (algo que tem sido intensificado pelas mudanças climáticas). Nesse ponto, dizer não para uma tecnologia pode ser algo prejudicial para sociedade e ao meio ambiente.

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Em contrapartida, muito dos conceitos defendidos pela agricultura orgânica tem sido adotodos na agricultura convencional, como a integração lavoura-pecuária. Nesse modelo existe a produção de diferentes culturas – grãos, madeira, hortaliças, frutas e o gado, a combinação vai depender da região e culturas escolhidas.

A conservação do solo tem sido priorizada cada vez mais, havendo o mínimo de revolvimento, manutenção de palhada e rotação de culturas tudo para manter a biodiversidade e nutrientes ali presentes. Além disso, muitas tecnologias têm sido desenvolvidas para recuperação de solos degradados.

Agricultura digital tem melhorado a eficiência no monitoramento da lavoura, produtos biológicos (permitidos na agricultura orgânica) também tem sido priorizado na produção convencional, reduzindo o uso de produtos químicos – cada vez mais sendo utilizados como complemento aos produtos biológicos.

Prós e contras dos alimentos orgânicos e não orgânicos

A mesma semente cultivada em um campo convencional ou orgânico irá apresentar as mesmas composições nutricionais.

Os alimentos orgânicos costumam ser mais “frescos” dado ao fato de existirem poucos agrotóxicos destinados a proteção desses alimentos e por isso o seu tempo de prateleira é menor, devendo ser consumido em um tempo mais curto e assim evitando perda e desperdício e contaminação por microrganismos.

Por isso, alimentos orgânicos estão muitas vezes ligados a produtores locais. Esses alimentos vão da fazenda à mesa com pouco ou nenhum uso de ingredientes sintéticos.

Os alimentos produzidos de forma convencional são mais acessíveis (preços mais baixos) devido ao fato de possuírem mais ferramentas tecnológicas a sua disposição, e por conseguirem ser produzidos mais facilmente em larga escala.

Além disso, os produtores conseguem proteger suas plantas e alimentos por mais tempo, por isso, os alimentos não orgânicos também possuem um tempo de vida maior – o que ajuda a reduzir o desperdício e perda de alimentos.

Com relação a questões nutricionais, alimentos orgânicos e convencionais apresentam mesmo valor nutricional. Não há um consenso científico de que um alimento é melhor do que outro (nutricionalmente falando).

É importante focar na melhoria das técnicas de produção e da gestão ambiental visando uma agricultura mais sustentável nas propriedades convencionais e maior eficiência de desempenho das dimensões social/ econômica/ambiental da agricultura ecológica.

Em uma revisão feita por Vélez-Terreros et al. (2021), foi feita uma comparação entre a produção de tomates orgânicos e convencionais.

Esses pesquisadores argumentaram que a competição entre produtos orgânicos e convencionais em relação a garantias nutricionais e de segurança resultou em campanhas publicitárias que desinformam os consumidores.

Essas estratégias levam os consumidores a pensar que certos produtos orgânicos são superiores e desencadeando um aumento em seu preço que está claramente relacionado ao alto investimento necessário para a produção não convencional.

Por outro lado, a produção de alimentos orgânicos requer mais trabalho por unidade, mais manuseio pós-colheita de pequenas quantidades de produtos e uma cadeia de marketing e distribuição para volumes relativamente menores do que produtos convencionais, o que aumenta o preço dos produtos orgânicos.

O estudo ainda relata que tanto os alimentos orgânicos quanto os não orgânicos contêm nutrientes essenciais, como proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais. Estudos comparando os níveis de nutrientes em alimentos orgânicos e não orgânicos geralmente não encontram diferenças significativas.

Em relação à toxicidade, muitos estudos tendem a favorecer os cultivos orgânicos; no entanto, limitações no número de estudos comparativos tornam impossível escolher entre os dois tipos.

O mais relevante na produção de alimentos, além de saber quais tecnologias estão sendo utilizadas é entender COMO e QUANDO elas são utilizadas no campo.

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A ciência garante que agrotóxicos e transgênicos são tecnologias seguras

Agrotóxicos são perigosos? Sim, se não forem utilizados da forma correta podem causar danos à saúde das pessoas, animais e meio ambiente – muitas tecnologias do nosso dia a dia são assim. Por isso, é importante atentarmos para como esses produtos são utilizados no campo, exigirmos maior fiscalização e esclarecimentos das empresas, produtores e órgãos responsáveis.

Vale destacar que na legislação brasileira defensivos químicos, biológicos e outros produtos utilizados para proteção das plantas e alimentos são identificados como AGROTÓXICOS.

Dessa forma, existem alguns agrotóxicos que são permitidos na produção de alimentos orgânicos, como alguns defensivos biológicos e produtos químicos, como o cobre, por exemplo. Matéria prima para a produção da calda bordalesa.

O cobre é frequentemente utilizado na agricultura orgânica como um fungicida para controlar doenças das plantas. Embora seja permitido em muitos países para uso na agricultura orgânica, o cobre pode ter efeitos negativos no meio ambiente, especialmente quando utilizado em excesso.

O cobre pode acumular-se no solo e nas plantas, levando a um aumento da concentração de cobre no ecossistema. Isso pode ter impactos negativos na biodiversidade, pois pode afetar a sobrevivência de organismos que não são tolerantes a altas concentrações de cobre.

Além disso, o cobre pode ser tóxico para alguns organismos do solo, como microrganismos benéficos e vermes, que desempenham um papel importante na saúde do solo e na fertilidade do solo.

Também pode afetar a qualidade da água, especialmente em áreas onde a água subterrânea é utilizada para abastecimento de água potável.

Portanto, é importante que os agricultores orgânicos usem o cobre com moderação e em conformidade com as diretrizes estabelecidas pelas autoridades reguladoras – o que deve ser considerado como regra para uso de qualquer agrotóxicos, seja qual for o modo de produção.

Adoção de tecnologias gera redução de custos

Plantas transgênicas e outras tecnologias desenvolvidas por meio da biotecnologia são de grande importância para sustentabilidade.

Por exemplo, plantas transgênicas ajudam a reduzir uso de insumos – que aqui incluem os agrotóxicos, os fertilizantes e os equipamentos de cultivo (reduzindo gastos com combustível e emissões de gases de efeito estufa) também favorece a conservação do solo.

Tudo isso contribui para diminuir o custo na produção agrícola e isso é refletido no custo final do produto que você vai pagar no supermercado.

O pré-conceito ao uso de biotecnologia e moléculas químicas na produção de alimentos atrasa e encarece todo o processo de desenvolvimento tecnológico.

Sempre bom lembrar que para uma nova tecnologia chegar ao mercado (seja um defensivo químico ou biológico, um OGM, fertilizantes entre tantos outros) inúmeros estudos científicos foram realizados por vários anos. As aprovações são feitas por órgão como ANVISA, MAPA, IBAMA e CTNBio, sempre com base em dados científicos.

Sobre esses assuntos vamos deixar aqui outros conteúdos sobre a importância e segurança dessas tecnologias:

Transgênicos: é hora de perder o medo

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Posicionamento do Descascando

Limitar o uso de tecnologias modernas na produção de alimentos é um risco para segurança alimentar. Seja qual for a forma de produção, todas são ameaçadas por pragas, doenças, falta de nutrientes no solo, pelas mudanças climáticas e outros fatores que afetam o desenvolvimento das plantas.

Impedir o uso de moléculas químicas sintéticas e produtos desenvolvidos pela biotecnologia colocam em risco a sustentabilidade.

É preciso mais esclarecimento com conteúdo acessível à sociedade, aumentar a fiscalização sobre o uso correto e a também fazer com que essas tecnologias sejam acessíveis a pequenos, médios e grandes produtores.

Sobre os autores:

Dr. Paulo José Camargo Dos Santos: Biólogo, pesquisador, mestre em microbiologia e doutor em biologia molecular. Atualmente trabalha como criador de conteúdo voltado para agricultura e divulgador científico no Descascando a Ciência.

Dr. Francisco Humberto Henrique: Engenheiro Agrônomo, mestre e doutor em Agricultura Tropical e Subtropical. Atualmente trabalha com comunicação e marketing no agronegócio e é divulgador científico no Descascando a Ciência.

Principais fontes consultadas:

Adalbert B., et al. Differences in the progress of the biopesticide revolution between the EU and other major crop-growing regions. Pest Management Science, 2017.

Barbara De Santis, et al. Case studies on genetically modified organisms (GMOs): Potential risk scenarios and associated health indicators. Food and Chemical Toxicology, 2017.

BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento-MAPA. Coordenação Geral de Agrotóxico e Afins. Manual de procedimentos para o registro de agrotóxicos. Brasília, 2012.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA. Gerência de Processos Regulatórios – GPROR. Biblioteca de Agrotóxicos. Brasília: M, 8 p. 2019. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/4967127/Biblioteca+de+Agrot%C3%B3xicos_Portal.pdf.

Chantal Bruetschy. The EU regulatory framework on genetically modified organisms (GMOs), Transgenic Res, 2019.

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (Brasil). CTNBio 25 anos. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, 2021.

Dall’Asta, M., et al. Nutritional Quality of Organic and Conventional Food Products Sold in Italy: Results from the Food Labelling of Italian Products (FLIP) Study. Nutrients, 2020.

Suciu, N.A., et al. Organic and conventional food: Comparison and future research. Trends in Food Science Technology, 2019.

Vélez-terreros, P. Y. et al. Comparison of major nutrients and minerals between organic and conventional tomatoes. A review. Journal of Food Composition and Analysis, 2021.

Karalis D T, Karalis T, Karalis S, et al. Genetically Modified Products, Perspectives and Challenges. Cureus, 2020.

Knapp, S., van der Heijden, M.G.A. A global meta-analysis of yield stability in organic and conservation agriculture. Nat Commun, 2018.

The dose response principle from philosophy to modern toxicology: The impact of ancient philosophy and medicine in modern toxicology science (nih.gov)

Meemken, E.M.; Qaim, A.M. Organic Agriculture, Food Security, and the Environment. Annual Review of Resource Economics, 2018.

Ramankutty, N. et al. Trends in Global Agricultural Land Use: Implications for Environmental Health and Food Security. Annual Review of Plant Biology, 2018.


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4 comentários

lara · 18 de janeiro de 2024 às 17:53

Parabéns pelo artigo!

    Descascando a ciência · 24 de janeiro de 2024 às 11:05

    Muito obrigado!! Que bom que gostou! COntinue nos acompanhando.

Alonso · 18 de janeiro de 2024 às 17:53

Obrigado pela publicação!

    Descascando a ciência · 24 de janeiro de 2024 às 11:05

    Que bom que vocÊ gostou! Nós quem agradecemos. Continue nos acompanhando

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