Escolha uma Página

ResearchBlogging.org

A primeira coisa que vem na minha cabeça quando eu penso no título deste post é “Para que?”. Se o organismo em questão é unicelular por que ele seguiria um mecanismo de morte celular programada? Seria um suicídio programado ?

A apoptose é o processo de morte celular programada em organismos multicelulares, sendo um componente importante do seu desenvolvimento e até da sua saúde. Este mecanismo tem grande influência no desenvolvimento de tecidos em plantas e animais e em problemas de saúde como o cancer. Estes temas são muito estudados pela comunidade científica, o que é demostrado pela existência de uma sociedade internacional e de periódicos científicos específicos sobre apoptose. No caso de organismos multicelulares, a morte celular programada tende a ser mais compreensível (mesmo havendo ainda muito estudo a ser feito). Mas porque um mecanismo parecido ocorre a bilhões de anos em organismos unicelulares?

“Eu nunca vi nada parecido. Elas dissolveram durante a noite”


Paul Falkowski,
comentando sobre microalgas que ele deixara no laboratório em frascos de cultura na noite anterior

Na verdade, este grande mistério está mais perto de ser resolvido. Em um artigo de maio deste ano na revista nature, Nick lake nos conta que os principais mecanismos responsáveis pelo início do processo de morte programada em algas eucarióticas está ligado a radiação ultravioleta, limitação por dióxido de carbono, deficiência de ferro e infecções virais. Todos fatores ligados ao estresse destes organismos. Blooms de microalgas podem gerar este estresse (muitas algas respirando e se reproduzindo causam um deficit de luz, oxigênio e dióxido de carbono), liberando determinados compostos que funcionam como um gatilho ao processo de “suicídio celular”. Mas o que as algas ganhariam com a sua morte? Haveria algum ganho para a população de forma geral?

Fonte: Nature

A resposta está na relação destas algas com vírus. Vírus são muito abundantes em oceanos e ambientes aquáticos em geral e as microalgas são seus alvos recorrentes. Para os vírus, a morte progamada das algas seria muito ruim, já que eles precisam delas para se reproduzir. Para uma população de algas, a morte de alguns indivíduos dentre milhões seria mais vantajoso. Desta forma, o mecanismo de morte programada mataria apenas as algas infectadas, impedindo a proliferação dos vírus. Pensando em termos evolutivos, temos uma verdadeira corrida armamentista entre microalgas e vírus, em busca de um maior sucesso reprodutivo. Vírus podem “desligar” este mecanismo, evitando assim a morte programada das algas.

A morte programada de organismos unicelulares não seria um “suicídio celular”, mas sim um assassinato de alguns indivíduos em prol de toda uma população. Com certeza, a fronteira tão demarcada entre altruísmo e egoísmo defendida por Dawkins, pode apresentar-se um pouco borrada quando pensamos neste exemplo dado pelas microalgas marinhas.

Referências

Lane, N. (2008). Marine microbiology: Origins of Death Nature, 453 (7195), 583-585 DOI: 10.1038/453583a