Mesmo sendo o principal constituinte da nossa atmosfera (quase 80%), o nitrogênio gasoso (N2) não é assimilável pela maior parte dos organismos. O N2 pode ser fixado por bactérias do gênero Rhizobium, que vivem em nódulos de raízes de plantas leguminosas, e, principalmente, por cianobactérias. O processo de fixação biológica do nitrogênio (FBN) requer uma energia de ativação muito alta, desta forma está longe de ser um processo espontâneo. Além deste pequeno problema, uma das grandes restrições da FBN é a fragilidade da enzima catalizadora. A nitrogenase é altamente sensível à presença de oxigênio, que pode destruir de forma irreparável a enzima. Uma pergunta bem coerente seria: “Como uma microalga poderia realizar um processo onde a enzima catalizadora é muito sensível ao oxigênio?”. A seleção natural deu um jeito neste pequeno problema. Alguns grupos de cianobactérias filamentosas que fixam nitrogênio gasoso apresentam uma célula chamada heterocisto, que cria um ambiente microanaeróbico onde a enzima nitrogenase pode trabalhar sem sobressaltos.
Mas nem todos os grupos de cianobactérias têm heterocistos. Desta forma, a maior parte só consegue fixar nitrogênio a noite, quando não estão fazendo fotossíntese. Acho que agora ficou mais fácil de entender qual seria o papel ecológico deste grupo de cianobactéria. A falta de genes que são essenciais para a realização do processo de fotossíntese fez com que este grupo passasse a fixar nitrogênio durante o dia todo, mesmo sem uma estrutura especializada para proteger a nitrogenase. Sendo um grupo muito abundante em oceanos, a taxa de fixação de nitrogênio total neste ambiente pode sofrer um acréscimo considerável, tendo grande relevância ecológica. Quanto ao problema do grupo de microalgas descoberto não ter uma fonte de carbono devido a não realização da fotossíntese, existem duas hipóteses principais: essas microalgas podem estar se alimentando de alguma forma diretamente de matéria orgânica (como já ocorre em outros grupos) ou em simbiose com algum outro organismo.
Acho incrível como um processo de tamanha importância evolutiva como a fotossíntese pode ter sido “esquecido” por este grupo de algas. Tentem imaginar o tamanho da pressão seletiva para um grupo de cianobactérias ter se mantido, reproduzido e tornar-se dominante em seu ecossistema sem realizar um processo que alterou de forma marcante a vida em nosso planeta, tendo evoluído a mais de 2 bilhões de anos atrás.
Referência:
Zehr, J., Bench, S., Carter, B., Hewson, I., Niazi, F., Shi, T., Tripp, H., & Affourtit, J. (2008). Globally Distributed Uncultivated Oceanic N2-Fixing Cyanobacteria Lack Oxygenic Photosystem II Science, 322 (5904), 1110-1112 DOI: 10.1126/science.1165340
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