
A partir deste momento, o pesadelo começou. A perca do nilo se alimenta de ciclídeos nativos do lago. Só que o problema é que ela se alimenta muito! Imagina o quanto ela tem que comer para chegar a 200 Kg? Deste modo, ela praticamente dizimou quase que todas as outras espécies de peixes do lago. Com isso, a dieta dos moradores que habitavam o entorno do lago ficou restringida a perca.
Vocês acham que os problemas acabaram? Não!!! Tem mais ainda! A perca possui alto teor de gordura na sua carne. Assim, o que é feito para a conservação de carnes deste tipo? Defumamos. Com isso, um novo problema é gerado. Houve um intenso desmatamento das florestas em volta do lago para queima de madeira e, assim, com a fumaça, a defumação da carne da perca. Olha o efeito em cascata.
Além disso, outro grave problema de saúde humana. Simplesmente, não perguntaram para os nativos do entorno do lago se eles apreciavam a carne deste peixe. E olhem só! Eles não gostavam! Preferiam as espécies dizimadas pela perca do nilo. Então o que aconteceu? Enorme pressão de caça sobre animais terrestres para suplementar a dieta destas pessoas. Assim, toda a carne de peixe produzida no lago era industrializada e exportada para países asiáticos.
Esse foi parte do problema de origem animal. Entretanto, ainda existe um de origem vegetal. Para fins estéticos (isso mesmo, estéticos) foi introduzida uma espécie de macrófita aquática chamada Eichhornia crassipes (originária daqui das Américas, comumente conhecida como aguapé). Esta macrófita flutuante teve um super crescimento devido a falta de predadores, além do crescente processo de eutrofização do lago. Ambos possibilitaram que este vegetal se tornasse uma praga e prejudicasse a navegabilidade no lago.
Atualmente, o lago Vitória sofre outra ameaça. Devido a construção de barragens para hidrelétricas em alguns rios de desagüam no lago, o nível d’água diminuiu por volta de 2 metros entre 2000-2006. Com isso, alguns alagadiços nas margens do lago secaram, causando a mortandade de juvenis de algumas espécies de peixe. Isto porque elas usavam estas áreas como berçário.
Bem, tentei aqui ilustrar como o homem pode afetar um ecossistema inteiro por falta de conhecimento. Neste caso é clara a importância do cientista (aqui, do Biólogo) para (em uma visão antropocêntrica) saúde humana e (numa visão mais justa) para a natureza no geral. Quando perguntam qual o valor de um médico, qualquer um sabe responder no exato momento. E agora, alguém tem dúvida de qual o valor do Biólogo? Mais claro que isso, IMPOSSÍVEL.
Para uma melhor visualização do estrago, assista o documentário “O pesadelo de Darwin“. Ele foi indicado ao Oscar de melhor documentário em 2006 e ganhou outros 8 prêmios internacionais. A versão abaixo está com legenda em espanhol.
- Primeira parte
- Segunda parte
Primeiramente parabenizo-os pela iniciativa de se juntarem e transformar o que era um trabalho da graduação de Breno em um blog amplo e discursivo.
Sou aluno do curso de Engenharia Ambiental e, assim como Breno, estou entrando no mundo do blog por iniciativa de um trabalho da minha graduação, disciplina Ecologia. A diferença está apenas na responsabilidade que temos. Eu apenas como um comentarista e ele, na época, e ainda hoje, como o blogueiro.
Breno, este post, a meu ver, abrange uma discussão mais ampla que a falta de conhecimento científico. Não basta ter o conhecimento científico para evitar desequilíbrios como este e o efeito cascata por ele desecandeado. Muitas vezes os idealizadores da introdução de espécies possuem o conhecimento dos possíveis desequilíbrios, porém a irresponsabilidade e os interesses econômicos são muito maiores que a preocupação com o ambiente (fauna e flora) e as populações nativas.
Na história recente, anterior a este exemplo do Lago Vitória, houve muitos outros. Um deles, e também em larga escala, foi o da introdução pelos ingleses, no início do século 19, de coelhos na fauna australiana. O coelho se procria com uma rapidez incrível e por isto se tornou uma peste para a agricultura e florestas na Austrália. Em estados como South Australia estes coelhos vivem no deserto e se modificaram para sobreviver nestas condições. São bem maiores, com mais semelhança a ratos gigantes. Em 2000, um vírus foi desenvolvido para acabar com os coelhos e acidentalmente liberado, houve uma morte muito grande destes roedores, mas hoje se tornaram imunes ao tal vírus.
Como a ocorrência destes fatos não é recente, ou seja, ocorrem há séculos, a falta de conhecimento científico não justifica, a meu ver, um breve entendimento do que a introdução de uma espécie exótica em um habitat poderá causar. Uma pessoa que tenha condições de investir em uma introdução em larga escala e vislumbre um ganho econômico elevado, com certeza deve saber, pelo menos, que a introdução de uma espécie (mesmo que ele não conheça o termo espécie exótica) alterará em algo o meio. O que ocorre é que a ânsia pelo desenvolvimento econômico se sobrepõe ao que se acarretará ao ecossistema.
Em meu Estado (Alagoas), por exemplo, criadores investiram na criação de uma espécie de caramujo africano (achatina) no intuito de substituir o escargot, por esta ser mais barata. Como a aceitação do gosto não ocorreu, para eles foi mais barato abandonar as criações no ambiente. Sendo esta espécie maior e mais resistente do que as locais, ela se proliferou rapidamente, sendo hoje responsável por transmitir doenças e acabar com hortas e plantações.
Como sugestão deixo a ideia de ser criada uma categoria “Espécies Exóticas” para que os blogueiros possam opinar e discutir sobre situações parecidas que ocorrem em suas regiões e que possa ser difundida o conhecimento do pode acontecer ao equilíbrio de um ecossistema quando alterado por essas espécies.