Escolha uma Página

Capa mais do que sensacionalista do tipo “Mordemos na capa e assopramos no artigo”
O título deste post é como a revista de divulgação científica americana NewScientist chamou os cientistas que trabalham com biologia evolutiva atualmente. Pela capa acima, nós esperamos um artigo revolucionário mostrando novos estudos que podem apresentar um novo caminho na teoria da evolução, novos mecanismos, novas ideias….bem, a esperança acaba por aí. Além de dar muito pano para a manga de criacionistas e os chamados “pós-darwinistas” (nunca entendi essa expressão), o artigo da NewScientist não trás nada denovo de novo.

Antes de começar a falar, ainda no editorial, a revista começa a pegar leve. Fala que a teoria darwiniana foi sim uma revolução, mas que eles esperam por outra revolução nos próximos anos, que ainda vamos comemorar o aniversário de 300 anos de Darwin, que nada que os estudos novos tragam vai diminuir o trabalho original, etc, etc. Além disso, ainda ressaltam que nada do que for trazido pela reportagem deve dar apoio aos criacionistas. Até parece que depois de uma capa dessa eles precisam falar alguma coisa. Já viraram hit nos sítios do ID. Na reportagem principal em si eles fazem apenas uma recapitulação de tudo que já vem sendo falado desde a década de 70 por Carl Woese.

A árvore desenhada por Charles Darwin em seu caderno de anotações B é um de seus principais pilares para a teoria da evolução. Esta árvore teria como base um ancestral comum, de onde toda a vida que existiu ou ainda existe no planeta teria derivado.

Árvore desenhada por Darwin. O número 1 seria o ancestral comum.

Já em 1998, mais de dez anos atrás, Woese publicou um artigo na PNAS em que ele defendia a ausência de um ancestral comum. Mas, como o seu artigo da década de 70 sobre os domínios da vida, ninguém deu muita bola. Porque ele defendia isso? Por causa da famigerada transferência horizontal, ora! Se os microorganismos trocam promiscuamente genes sem esses serem submetidos ao processo de seleção natural, não há motivo para termos um único ancestral comum. Então a árvore da vida estaria muito mais para uma “teia da vida” do que para uma árvore. Será que isso lembra alguma coisa? Antigamente usava-se muito o termo “cadeia alimentar”. Mas hoje sabemos que a cadeia (que da a idéia de algo unilateral) está muito mais para uma teia. Por isso o termo “teia alimentar”.


Teia trófica de um pinheiro, com os seus herbívoros, parasitas e parasitóides. Imagina de uma floresta inteira. Fonte: Canadian Forest Service

O artigo da NewScientist faz grande parte do seu estardalhaço nos artigos que estão saindo em periódicos mostrando transferência horizontal em organismos multicelulares, que já foram citados aqui no blog. Mostram até exemplos mais bizarros, como o genoma de uma vaca que tem pedaços de DNA de uma espécie de cobra que poderiam ter sido transferidos horizontalmente há mais de 50 milhões de anos atrás. Mesmo com todos esses exemplos, eles ainda ressaltam que vários autores ainda divergem sobre o assunto, defendendo que grande parte da diversidade pode ainda ser explicada por seleção natural e que a transferência horizontal é importante, mas não acabaria com a evolução darwiniana.

Polêmica ou não, acho que a discussão veio para ficar. Discordo um pouco de como o assunto foi colocado pela NewScientist. Na verdade, lendo o artigo, vemos que a capa deles foi muito mais para vender revista do que a tradução do conteúdo em si. A frase “lenhadores da árvore da vida” foi muito infeliz, pois passa a ideia que a ciência é construída através da desconstrução de teorias e conceitos anteriores. O conceito de evolução de Darwin foi construído no ombro de gigantes como Erasmus Darwin, Lamarck e Wallace. Desta forma, ainda acho que falaremos muito deles nos próximos séculos.