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A pergunta que eu fiz neste post parece simples mas não é. A primeira vista parece mais uma daquelas perguntas chatas que nos fazem decorar a resposta e que só terão utilidade em programas de televisão de quinta categoria. Esta na verdade poderia ser a pergunta de 1 milhão e quase ninguém (tirando ecólogos como o Saci) acertaria. A resposta correta é Robert McCormick. Ele era o cirurgião a bordo e ocupou a posição oficial de naturalista do Beagle. Esta descoberta interessante foi feita pelo antropólogo Jacob W. Gruber e publicada no The British Journal for the History of Science em 1969.

Capa do artigo sobre o naturalista do Beagle. Fonte: Cambridge Journals

Para chegar a conclusão de que o cirurgião a bordo do Beagle era o naturalista oficial da embarcação e não Charles Darwin, Gruber fez uma análise baseada em cartas da época, já que em nenhum documento oficial havia a identificação de quem seria realmente o naturalista do Beagle. Primeiramente Gruber ressaltou o contexto histórico. A marinha britânica tinha uma longa tradição de médicos-naturalistas e McCormick era instruído para tal função, tendo participado de outras expedições exercendo este cargo. Mas a prova irrefutável ainda estava por vir. Em uma carta escrita pelo naturalista Robert Jameson foram feitos vários conselhos ao naturalista do Beagle, manuais de como coletar e preservar amostras. A mesma foi endereçada a Robert McCormick. Desta forma, um mistério que durou mais de 100 anos foi desvendado. Mas se Darwin não era o naturalista a bordo do Beagle, porque e como ele fez parte desta viagem?

Charles Darwin fez a viagem mais importante de sua vida (e uma das mais importantes da história da ciência) como companheiro do capitão, Robert FitzRoy. Você deve estar me perguntando, como assim “companheiro”? Ele já conhecia o capitão FitzRoy antes da viagem? Na verdade não. Ele conheceu o capitão do Beagle apenas 1 mês antes da grande viagem. Para entendermos o motivo desta situação incomum, devemos pensar de forma contextualizada. Viagens deste tipo era muito longas, onde o contato com amigos e familiares era mínimo. Além disso, a marinha britânica desincentivava o contado pessoal do capitão do navio com a tripulação de “nível inferior”. FitzRoy era relativamente novo (26 anos) e o último capitão do Beagle tinha se suicidado. Realmente não era um contexto favorável.


Robert FitzRoy aos 40 anos de idade. Fonte: wikipedia

Desta forma, Robert FitzRoy precisava de um companheiro de viagem. Mas não qualquer um. Já haviam outros passageiros extras no Beagle (um desenhista e um instrumentador), mas nenhum da sua classe social. FitzRoy era um aristocrata de família nobre e precisava de alguém que tivesse uma origem próxima a sua. Sabendo desta situação, 0 grande mentor de Darwin, J. S. Henslow, enviou uma carta para o capitão indicando seu aluno aplicado como candidato a vaga. Foi assim que Darwin conseguiu subir a bordo do Beagle, mesmo sem ser o naturalista oficial da embarcação.

Após uma série de desentendimentos científicos entre Darwin e McCornick, o naturalista oficial do Beagle retornou para a Grã-Bretanha, em 1832. Assim, o contato de Darwin com o capitão FitzRoy se tornava cada vez mais intenso e conflitante. E um dos principais motivos de conflito entre os dois estava no posicionamento de Darwin contra a escravidão. Um livro lançado recentemente defende que este ódio de Darwin a escravidão teria sido um dos seus principais norteadores da ideia de um ancestral comum. Acho esse argumento um pouco fraco, pois eu consideraria mais como um motivo para ele não ter preconceitos quanto a origem comum de todos os seres humanos (não importando a raça) do que como uma inspiração.

Outro motivo para discussões frequentes entre Darwin e FitzRoy era a religião. Parace muito claro que o posicionamento de Darwin em relação ao cristianismo foi alterado nesta viagem, principalmente devido ao comportamento autoritário do capitão (cristão ortodoxo) e as suas coletas que mostravam que a natureza necessitava cada vez menos de um criador inicial. Gould considera que “(…) FitzRoy pode muito bem ter sido mais importante que os tentilhões, pelo menos como fonte de inspiração para o tom materialista e antiteísta da teoria evolucionista e da filosofia de Darwin.” Quase 30 anos após a famosa viagem, Robert FitzRoy não conseguiu escapar de uma tradição familiar. Suicidou-se a bala em 1865, encerrando de vez seu possível sentimento de culpa por ter “ajudado” Darwin a chegar a suas conclusões heréticas.

Referências:

Who was the Beagle’s Naturalist? Jacob W. Gruber. The British Journal for the History of Science (1969), 4 : 266-282. Link para o artigo.
Darwin e os grandes enigmas da vida (2006). Stephen Jay Gould. Martins Fontes, São Paulo.