Amanhã às 11:30 da manhã na sede da Embrapa em Brasília o Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc e o presidente Lula irão anunciar o Zoneamento da cana-de-açúcar. Segundo a assessoria de comunicação do Ministério do Meio Ambiente (grifos são meus):
“A iniciativa garantirá uma atividade
sustentável com todas as salvaguardas socioambientais. A expansão de
áreas para produção de etanol, com os critérios adotados, transforma o
projeto de expansão de áreas para o plantio de cana-de-açúcar em uma
grande contribuição do Brasil para o mundo no que diz respeito à
produção de energia limpa. Porque foi planejado de forma pactuada,
consensuada entre os setores envolvidos e feita com critérios técnicos,
científicos, ambientais e sociais.”
Tenho certeza de que qualquer atitude que vise organizar uma atividade agrícola é benéfica, mas vamos tentar olhar os detalhes. Primeiro que qualquer tipo de atitude que use a palavra sustentável já me faz levantar da cadeira. É uma palavra muito bonita, mas que também é utilizada por redes como o Wallmart para convencer os seus clientes que eles “lutam pelo meio ambiente”. O plano de zoneamento (que ainda passará pelo Congresso Nacional) só será conhecido por completo amanhã, mas o G1 deu uma amostra do que vem pela frente:
“(…) o governo vai proibir a expansão do plantio de cana no Pantanal e na Amazônia. (…) Dois argumentos convenceram Lula a impedir a
expansão do plantio de cana nos biomas pantanal e amazônico. Um
deles é que o Brasil precisa manter um discurso ambiental forte
para defender a ampliação da produção de etanol frente a outros
combustíveis no mundo. Isso abriria portas para exportação do
etanol brasileiro.”
Belo argumento. Então fazemos um zoneamento apenas para “manter um discurso ambiental forte“? Conservação da biodiversidade, diminuição da emissão de gases estufa, manutenção dos serviços ecológicos…nada disso é importante, se não for necessário para “abrir as postas para a exportação do etanol brasileiro“. Será que precisamos aumentar a área devastada em nosso território para exportar álcool para o mercado externo? Bem, vamos continuar com o segundo argumento:
“O outro motivo que levou o governo a evitar exploração de algumas áreas no Pantanal, como defendia o ministro da Agricultura, Reinold Stephanes, é que já haverá 7 milhões de hectares disponíveis em outras áreas para dobrar a produção até 2017. Portanto, não havia motivo para criar exceções nesses dois biomas.”
Atitude muito correta. O ministro da agricultura defendia o uso do Pantanal para plantio de cana-de-açúcar e o governo, em uma atitude ambientalmente correta, disse que não precisávamos plantar cana no pantanal. Temos milhões de hectares disponíveis e não precisamos criar exceções no Pantanal e na Amazônia. Você me perguntaria onde estariam esses hectares “disponíveis”. Eu respondo:
Por-do-sol no Cerrado. Crédito: matiasromero
“A estimativa do governo é que os atuais canaviais somam 7 milhões de hectares. A expansão da produção de etanol vai demandar pelos menos mais 6 milhões de hectares, a grande maioria em áreas de Cerrado.”
O que eu esperaria depois destas informações? Que todos os blogs ambientalistas fizessem um protesto, mesmo que fosse de sofá, contra o avanço dos biocombustíveis sobre o Cerrado. Mas acho que vou esperar sentado. Desde que não encostem na Amazônia, o pessoal das ONGs “verdes” estão tranquilos. Desde que não mexam no mico-leão-dourado, nas baleias, nos golfinhos…bichos e biomas “feios” não tem vez com os ambientalistas.
Depois desta contextualização gostaria de anunciar que os meus próximos posts serão sobre o lado obscuro dos biocombustíveis. Tentarei mostrar através de dados científicos o quanto esses combustíveis ditos “verdes” estão muito longe dessa denominação. Espero contribuir com a discussão e análise mais crítica deste tema, tão maltratado pela mídia e principalmente pela “defensores” do meio ambiente. Até lá.
Leia a continuação deste post aqui: Ainda sobre o Zoneamento “Agroecológico” da Cana
Só hj consegui ler esse post e simplesmente nao entendo pq ainda insistem em dizer q o alcool é um combustivel verde, só se for pela cor da cana, né?
Fala Douglas, bem vindo.
Concordo que será muito difícil frearmos a expansão da área de cana, mas não acho que apenas o Pantanal e a Amazônia são os Biomas mais importantes do Brasil. Não acho que tenhamos que devastar todo o cerrado antes de entrar na Amazônia e Pantanal. E quanto ao potencial exportador de álcool do Brasil eu realmente não consigo imaginar isso como sendo algo interessante para a nossa economia. Será que realmente é melhor investir na degradação dos nossos biomas para exportar álcool? Será que o custo-benefício desta conta vale a pena?
A questão de já ter muito pasto degradado e que poderíamos utilizar só essas áreas eu acho que é algo meio utópico. Não conseguimos respeitar hoje em dia nem Parques Nacionais (eu trabalho há mais de 5 anos em um e sei muito bem disso), imagine se respeitaremos área de vegetação nativa?
Para mim o problema está em direcionar a produção de álcool para o mercado externo. Entendo a importância da agroindústria para o Brasil, mas acho que os interesses da Agroindústria estão bem longe do desenvolvimento e da conservação do nosso país.
Bom, essa história sobre poluição ainda está mal contada. No comentario que eu fiz no "Ciencia na Mídia", eu coloco minha opinião.
Quanto ao aumento de área da produção de cana, eu acho que vai ser necessário e quase impossível de ser freado. Nesse sentido, acho importante que se criem regras pra evitar a destruição de biomas. Já temos MUITO pasto degradado que pode ser utilizado. As empresas acabam avançando para outros biomas por pura questão econômica: terras para agricultura no estado de SP (onde estão as maiores usinas) passou a ser muito caro. Antes que avancem indiscriminadamente para o Pantanal, é preciso criar regras.
Eu acredito no potencial do etanol de cana como combustível alternativo a curto e médio prazo, e acredito tbm que o Brasil pode ser o grande fornecedor mundial de etanol. Acredito também que ainda temos muito a avançar no aumento de produção sem aumentar drasticamente a área plantada.
Obviamente, a questão é complexa e deveria ser focada em: onde plantar cana? o que estamos deixando de plantar para plantar cana? essa á a melhor alternativa para geração de renda na agricultura?
Uia! Depois dessa vou desligar o lap e curtir o findi que já ganhei o dia 🙂
Obrigada pela indicação generosa!
Pessoal e principalmente @maria,
Recomento veementemente o post da @Tatiana sobre o assunto:
http://ciencianamidia.wordpress.com/2009/09/19/alcool-gasolina-ou-coluna-do-meio/
Vamos continuar a discussão sobre os biocombustíveis, escrevam mais posts sobre o assunto. Precisamos de mais informação sobre tema tão carente de discussões de qualidade!
Pessoal, me desculpem pelo atraso na publicação dos comentários. Estava em uma viagem de campo e só retornei ontem a noite. Abaixo as minhas considerações:
@Tatiana
Obrigado pelos elogios. Tentarei começar a falar do tema o mais rápido possível, se o meu casório deixar 🙂
@Ítalo
Como sempre um grande comentário vindo de um especialista na área. Concordo plenamente com você Ítalo. Acho que o plano tem várias virtudes mas fico muito preocupado com a expansão do plantio de cana voltado para exportação. Será que precisamos realmente sustentar a produção mundial de biocombustíveis ocupando mais terras? Vou tentar comentar mais sobre o assunto nos próximos posts.
@Douglas
Tudo que está na "moda" ou é a queridinha dos meios de comunicação sem uma discussão profunda é algo que temos que nos preocupar. Vou tentar levantar alguns pontos de vista que normalmente não são discutidos pela grande mídia. Aguardo a sua contribuição nos próximos posts!
@Wellington
Aumento da expansão do plantio de cana para exportação é realmente o oposto de sustentabilidade. Vamos discutir mais isso nos próximos posts.
@maria
Eu vou dar uma boa lida em todo material publicado pelo governo sobre o projeto (o texto do projeto em si, o projeto de lei, etc) e vou tentar postar mais tarde sobre o tema. O que escrevi neste post foi a minha opinião sobre o que foi tratado na mídia. Como o Ítalo disse, acho que o projeto até pode ter "boas" intenções. Mas plantar mais cana apenas para exportação está longe de ser algo sustentável.
Quanto ao artigo que você citou, eu tentei encontrar na internet o manuscrito original mas não tive sucesso. Encontrei apenas o abstract e um trecho me deixou intrigado:
"For the gasohol vehicle, results showed that the use of fuel additive causes a significant increase in the emission of naphthalene and phenanthrene at a confidence level of 90% or higher; the use of rubber solvent on gasohol showed a reduction in the emission of naphthalene and phenanthrene at the same confidence level; the use of synthetic oil instead of mineral oil also contributed significantly to a decrease in the emission of naphthalene and fluorene. In relation to the ethanol vehicle, the same factors were tested and showed no statistically significant influence on PAH emission."
O autor afirma apenas que o uso do aditivo foi o responsável pela maior emissão deste composto específico em carros a gasolina. Ele depois afirma que a alteração do aditivo e o uso de um óleo sintético diminuíram significativamente a emissão do composto. Além disso ele trata de apenas um grupo de compostos e não da emissão de gases poluentes como um todo. Não conseguirmos analisar o balanço geral da emissão de gases poluentes apenas com este estudo.
Desta forma, em uma análise bem rasteire baseada no abstract, acho que o título da reportagem da Revista FAPESP foi no mínimo exagerado pois o estudo não afirma em nenhum momento que carros a alcool emitem 92% menos gases poluentes do que os a gasolina.
@Ronaldo
Acho que a sua reflexão me deixa ainda com mais medo de uma meta ambiciosa do governo federal em duplicar a área de cana. Estamos em uma fase de transição, de testes de novos combustíveis mais eficientes e menos poluidores. Podemos cair em sinucas parecidas com a borracha no Acre que seria a salvação da economia brasileira, mas que acabou virando um fiasco com a produção de borracha sintética em outros países...
Muito bom este post. Mas queria lembrar que os investimentos na plantação de cana no Cerrado têm, pode parecer incrível, diminuído. A razão não é ambiental. É que os valores do petróleo estão mais atraentes que os do álcool/açúcar. No fundo quem controla (descontrola) desmatamento é o mercado e seus preços, por isto estas estimativas do governo (mais 6 milhões de hectares) é invencionice do "Brasil Grande-Lula". Abr.
recentemente conversei com Hilton Silveira Pinto, professor da Unicamp e diretor-associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri). Ele participou da elaboração do zoneamento e me disse que a proposta é expandir o plantio de cana sem afetar áreas de proteção ambiental ou de produção de alimentos. Segundo ele, só usando pastos degradados, acrescenta-se 40 milhões de hectares aos 8 milhões que já são canaviais.
Você acha que não é bem assim?
Estou curiosa para saber mais sobre o lado negro dos biocombustíveis. A notícia de que carros a álcool não são menos poluentes simplesmente aponta que é mentira o que está numa matéria que saiu na Pesquisa (http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3883&bd=1&pg=1&lg=)? suponho que seja mais complexo que isso.
Realmente o termo "zoneamento" está correto...Pq é zona mesmo o que está me parecendo o aumento do cultivo da cana-de-açúcar...
O aumnento da produção deve ser necessário para manter o "conforto moderno", já que a população tá pipocando aos montes...Mas esta questão está mais parecendo aquela de que desenvolvimento não combina com sustentabilidade. De olho no mercado promissor de biocombustível, a biodiversidade do Cerrado que se dane...
Excelente Post...Aguardando o lado negro dos biocombustíveis
[i] Desde que não mexam no mico-leão-dourado, nas baleias, nos golfinhos...bichos e biomas "feios" não tem vez com os ambientalistas. [/i]
Falou tudo! O Cerrado sempre foi jogado para 2o plano na hora de se falar de preservação, pq não ter árvores enormes e animais "bonitinhos".
Atualmente, o plantio de cana já entrou (e bastante) no Cerrado, e é mais do que urgente que isso seja freado com alguma regulamentação.
Estou esperando ansiosamente a próxima série de posts sobre biocombustíveis. Mesmo sendo um biólogo que trabalha para o "outro lado" (trabalho com genômica em cana-de-açúcar e outras plantas de interesse na agricultura), tenho certeza que não há só coisas boas nessa nova moda.
Douglas
Luiz,
Gostei bastante de seu post. Também fico angustiado com o ecocídio do cerrado e da caatinga, dois biomas "feios" que não caem nas graças dos ambientalistas amadores de urso panda. Quanto ao zoneamento agrícola, concordo que o palavreado do texto em questão esteja infeliz, mas o zoneamento em si é um avanço tremendo em termos de racionalização das atividades agrícolas no país. Por outro lado, sou extremamente desconfiado do discurso de aumento de área cultivada para que se alcance aumento de produção. Já falei sobre isso e repito, é necessário aumento em produtividade, ou seja, produzir mais na mesma área ou até em área menor, como ocorreu nos Estados Unidos desde a década de 60.
Ótima reflexão, Luiz!!!
Tô curiosa pra ver os posts sobre o "lado negro" dos biocombustíveis!