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richard_dawkins_capa_livro.jpgPara quem nunca leu um livro de divulgação científica de Richard Dawkins e apenas conhece este biólogo queniano (sim, ele nasceu no Quênia) pelas críticas fervorosas ao seu livro mais midiático intitulado “Deus, um delírio” (Companhia das letras, 2007) e pelo seu famoso bom humor, uma recomendação: Comece sua trilha através do seu último livro “O maior espetáculo da Terra” (Companhia das letras, 2009). Neste livro, toda a destreza de um dos maiores divulgadores de ciência de todos os tempos é demonstrada, através de uma argumentação simples, direta e convincente. Considero esta mais recente empreitada de Dawkins como uma aula por escrito, onde o leitor/aluno sente-se preso ao escritor o tempo todo, até o último parágrafo, como em toda boa aula.

Claro que para leitores mais acostumados com a escrita Dawkiniana, o estilo sarcástico e divertido do autor não podem ser considerados como “grandes novidades”. Mas neste livro podemos encontrar várias cartas na manga, o que o torna uma leitura interessante para todos os públicos, mesmo os fissurados por biologia e, principalmente, evolução. Então vamos começar do princípio, com o objetivo do livro. Mais uma vez, Dawkins coloca um grande objetivo por trás de um dos seus projetos. Este é colocado de forma clara na contracapa de “O Maior espetáculo da Terra”:

“A evolução é um fato, e este livro o demonstrará. Nenhum cientista que se preze o contesta, e nenhum leitor imparcial fechará o livro duvidando disso.”

Richard Dawkins – O maior espetáculo da Terra, 2009 (contracapa)

Para quem acompanha o autor, este objetivo claro e forte em relação aos leitores não é novidade em um livro de Dawkins. Comparem com esta frase do seu livro “Deus, um delírio”:

“Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem.”

Richard Dawkins – Deus, um delírio, 2007 (divulgação)

Com toda a certeza a previsão feita no livro mais recente é mais factível do que em relação aos leitores religiosos. Desentendimento com religiosos a parte, o fato da evolução é defendido por grande parte dos crentes em algum tipo de religião, descontando os mais fanáticos. Desta forma, tenho certeza que grande parte das pessoas fechará “O maior espetáculo da Terra” sem dúvidas sobre o fato da evolução.

Dentre os vários pontos altos deste livro posso citar a interessante crítica ao uso do termo “teoria” para se referir tanto a evolução quanto ao criacionismo, no capítulo intitulado “Apenas uma teoria?”. Uma busca rápida no google com o termo em português “teoria do criacionismo” resulta em quase 80.000 entradas, que podem ser encontradas em grandes jornais e até em sítios educativos como “Brasil escola” e “Mundo educação”. O que mostra a importância desta discussão. Exemplos do poder da seleção artificial como no caso da pesquisa feita com lobos na Rússia, associados a evolução “Bem diante dos nossos olhos” dos experimentos de longa duração com E. coli feitos por Richard Lenski, mostram ao leitor que a evolução está longe de ser “apenas uma teoria”. O trabalho de mais de 20 anos realizado por Lenski é tão emblemático que foi descrito ao longo de quase 20 páginas do livro e também foi lembrado pelo Breno aqui no blog no início do ano passado. Vale ressaltar outro ponto interessante do livro que é a relevante discussão sobre o que os criacionistas consideram como os “furos” da evolução no capítulo intitulado “Elo perdido? Como assim, ‘perdido’?”. Os “elos perdidos” estão mais “achados” do que muita gente imagina.

Um ponto curioso do livro está no parágrafo em que Dawkins faz uma coisa um pouco incomum em seus textos, que é uma “autocrítica” bem humorada, que resultou em boas risadas quando li:

“Quando a teoria neutra da evolução molecular foi proposta pela primeira vez, entre outros pelo grande geneticista japonês Motoo Kimura, ela era polêmica. Hoje muitos aceitam alguma versão desta teoria, e, sem esmiuçar as evidências aqui, irei aceitá-la neste livro. Dada a minha reputação de “arquiadaptacionista” (alegadamente obcecado pela seleção natural como a principal e até única força propulsora da evolução), o leitor pode ter confiança de que, se até eu apoio a teoria neutra, é improvável que muitos outros biólogos oponham-se a ela!*

*Já fui, inclusive chamado de “ultradarwinista”, um motejo que considero menos insultante do que talvez tivesse em mente quem o proferiu.”

 Richard Dawkins – O maior espetáculo da Terra (Páginas 311-312)
Claro que este parágrafo não foi uma verdadeira “crítica”, como as que tomaram conta até de um livro inteiro, intitulado “The Selfish Genius: How Richard Dawkins Rewrote Darwin’s Legacy” da especialista em “comunicação da teoria da evolução”(?) Fern Elsdon-Baker. O livro ainda não foi publicado no Brasil, mas já trouxe bastante controvérsia lá fora. Acho que o Dawkins é um pouco avesso a “novidades”, como demonstra na página 204 ao chamar a “Epigenética” de “…um termo pomposo atualmente gozando dos seus 15 minutos de fama na comunidade biológica“, mas nada disso pode manchar a sua importância como divulgador do legado de Darwin, Wallace e muitos outros evolucionistas.

“O maior espetáculo da Terra” não termina nesta discussão. Dawkins passa ainda por embriologia, movimento dos continentes, críticas diretas ao que ele chamou de “Design desinteligente”. E ainda existem dados de pesquisas alarmantes da influência do criacionismo na população da Europa e dos EUA, no apêndice “Negadores da história” (ótima analogia, como a utilizada atualmente para descrever os antigamente rotulados “céticos do clima”).

Para fechar esta resenha gostaria de compartilhar um parágrafo que pareceu um pouco perdido no meio do texto, mas que me despertou para a importância da divulgação científica como um todo. É uma ideia simples, mas parece que muita gente não pensa desta maneira:

“Causou-me certa irritação ler um folheto, no consultório do meu médico, alertando sobre o perigo de parar de tomar comprimidos de antibiótico antes do tempo prescrito. Não há nada de errado no aviso em si, mas a justificativa apresentada preocupou-me. O folheto explica que as bactérias são ‘espertas’ e aprendem a lidar com antibióticos. Presumivelmente os autores acharam que o fenômeno da resistência aos antibióticos seria mais fácil de entender se eles o chamassem de aprendizado em vez de seleção natural. Mas falar em esperteza e aprendizado para bactérias é confundir o público, e sobretudo não ajuda o paciente a compreender por que ele deve seguir a instrução de continuar tomando comprimidos até o fim. (…) Folhetos como aquele da sala de espera do meu médico não ajudam nessa educação – uma lamentável oportunidade perdida de ensinar algo sobre o formidável poder da seleção natural”.

Richard Dawkins – O maior espetáculo da Terra (Página 130)
Muita gente por aí acha que o público precisa de informação, não importa como e em qual formato ela chegue ao público. Sinto isso principalmente com os ambientalistas em geral. Dizem que devemos “erotizar” a informação, travesti-la de uma roupagem que faça com que as pessoas se interessem mais. Na maioria dos casos, como exemplificado por Dawkins, uma informação passada de forma simples demais, travestida para ser mais palatável, pode trazer mais problemas do que soluções. Passar a informação de forma simplificada mas sem subestimar a inteligência do nosso público alvo não é fácil. Mas nunca, jamais este objetivo deve ser transfigurado. Precisamos atingir um maior público, mas sem perder a qualidade da informação. E neste sentido, Richard Dawkins dá uma aula em “O maior espetáculo da Terra”.