Com certeza um dos motivos que fazem o “Além de Darwin” ser um ótimo presente para um público não iniciado em evolução está no seu formato. Mesmo não tendo gostado do título e, principalmente da capa (sabemos que o autor do livro é sempre o último a ver), acredito que o formato do livro dividido em textos curtos, em sua maioria com temas de grande apelo para o leitor (como, por exemplo, na página 23: “Vamos ao que interessa: sexo”) e uma linguagem com termos coloquiais e mais simples atraem um público mais amplo. O problema talvez é que esse público alvo pode não chegar a abrir o livro, já que a foto do Darwin carrancudo e um título meio pesado podem afastar o leitor de ser iniciado (no bom sentido, claro). Algo como “Pílulas de evolução” refletiria melhor o que o livro apresenta. Não sei se atraria mais leitores, mas seria mais condizente com o conteúdo. Também não sei como funciona a pressão de uma grande editora para publicar um livro com Darwin no título em pleno ano Darwin, o que é realmente uma pena. Dentre os vários casos interessantes tratados de forma muito bem humorada (#eurialto, e várias vezes), posso ressaltar os capítulos “Feto malvado, mamãe mão de vaca – Embriões e os seus truques sujos para extorquir as grávidas”; “Até logo, e obrigado pelos peixes – Baleias e golfinhos têm o cérebro mais avançado da Terra?” e “Donald, o bem-dotado – Batalha sexual faz dos patos os campeões penianos do mundo”.
Um ponto que normalmente é o estopim de uma boa discussão (ou não) sobre evolução é o assunto religião. Não é preciso conhecer o Reinaldo pessoalmente para saber o seu ponto de vista sobre o assunto. Católico praticante (acho que não deveria existir a expressão católico não praticante, mas ela é bem utilizada), ele deixa isso bem claro no texto, principalmente na última parte do livro intitulada “Esperanças: do certo, do errado, da fé e da razão”. Não irei aqui questionar opniões pessoais quanto a religião, mas um ponto acho interessante ressaltar aqui. Concordo plenamente com o Reinaldo que “A biologia evolutiva não vai, sozinha, ensinar-nos o que fazer com a Terra” (pág 231), nem mesmo a ciência como um todo. Mas esse não é e nunca foi o objetivo desta ferramenta. Muito menos trazer aspectos de moral para o ser humano. No parágrafo anterior, este aspecto é levantado:
“Ao fim e ao cabo, a dúvida entre simplesmente seguir nossos instintos mais tribais, favorecendo parentes e aliados e se lixando para o resto, e tentar estender a toda a nossa espécie, e quem sabe uma parcela significativa do resto dos seres vivos, uma só teia de compaixão, não tem uma resposta puramente racional. Argumentos baseados na razão só vão até certo ponto.”
Acho que este argumento contradiz um pouco a ótima defesa do evolucionismo perante o Design desinteligente (como diria Dawkins) feita no capítulo intitulado “Desinteligências – por que a hipotese do design inteligente é má ciência e péssima teologia”. Neste capítulo, Reinaldo usa um argumento interessante (pág. 203):
“Vamos supor que os IDesigners estejam corretos. Sim, há indícios claros de planejamento inteligente nos seres vivos. Peço licença para perguntar. O que fazemos com isso? Para onde vamos daqui para frente? É possível expandir o conhecimento sobre a biologia de alguma maneira com essa premissa, além do meramente descritivo?”
Se hoje não temos um pleno conhecimento de como funciona a moral e o altruísmo em seres humanos e em macacos, isso não corrobora a ideia de que a compaixão é algo que a razão pura não explicaria. Como o próprio Reinaldo frizou, a defesa dos IDesigners que o evolucionismo está errado porque há sinais de design inteligente não ajuda a expansão do conhecimento científico. Pode até restringir se for levada a sério. Tenho certeza que atualmente ainda existem muitas lacunas em relação ao nosso entendimento de moral e altruísmo. Mas o conhecimento está avançando. Dou como exemplo uma matéria da Nature News sobre um artigo que fala da origem da moral humana e um artigo da PLoS ONE intitulado Altruísmo em chipanzés: o caso da adoção. Não estou afirmando que estes exemplos provam que o altruísmo e moral são frutos apenas da razão. Mas dizer que a razão não explica não ajuda em nada o estudo deste interessante ramo da ciência.
Tirando a minha opnião pessoal sobre a pequena parte do livro dedicada a religião, gostaria de ressaltar que é simplesmente incrível como o livro “Além de Darwin” de Reinaldo José Lopes é ágil, simples e ao mesmo tempo muito correto cientificamente. Sem dúvida alguma recomento a leitura ao público leigo mas também aos cientistas e divulgadores de ciência amadores (grupo ao qual eu me encaixo). Temos uma aula de como passar informação científica para um público leigo de um grande jornalista. Ótimo exemplo de não ser ralo demais (o que muitas ONGs ambientalistas praticam) e nem complexo demais (como a maioria dos livros de Dawkins e Gould).
Olá Luiz, passei por aqui só para agradecer a indicação do livro, ainda não o li mas farei isto com certeza. Por enquando apenas o dei de presente para o meu filho, que já acabou de ler e adorou. Pelas discussões que tivemos a respeito do mesmo enquanto ele estava lendo e a posteriori, pude ver que valeu a pena, ele já me encomendou outro "presente" que bom não é? vou providenciar. Muito obrigada mesmo! E aproveito para parabenizar ao autor é claro,pois posso garantir que apesar de seus 17 anos, o meu filho é um leitor bem crítico e não é nada fácil agradá-lo.
Bem agora vou guardar os próximos comentários para quando eu mesmo o estiver lido.
Obrigada pela indicação e parabéns pela resenha.
Olá!
Procurando informações a respeito do livro do sr. Reinaldo, casualmente li este blog e as reflexões sobre o livro e percebi o quanto é difícil para a maioria das pessoas e percebi isso aqui com vocês também, desapegar-se da religião!Por que a religião? Que importancia tem? Poderão vir ainda à existir mil Laplaces,Freuds e Einsteins ensinando que o que voces acreditam que seja religião, nada mais é do que auto-engano,nessecidade de segurança e conforto psicológico...e mesmo assim,voces sempre acalentarão a esperança:será? Se me permitem dize-lo,essa situação parece-se muito com ,talvez,uma estória que nossas mamães contavam quanto nós éramos pequenos, e que lembramos ao nos tornarmos adultos, carregamos pela vida e nunca dela nos desvencilhamos...
Acho que temos algumas coisas diferentes que talvez explique o altruismo e a construção da moral em humanos:a cultura pode ser uma delas. O próprio Dawkins afirma que isso, por sí só, já nos faz diferentes, e coloca a cultura e sua continuidade no mesmo patamar dos genes (lembrando dos "memes" que ele inventou).
Quanto a religião acredito que as pessoas podem buscar esses "grandes ensinamentos" que você citou de outras formas...enfim, acho que no fundo só atrapalha mesmo.
Nada melhor do que o próprio autor para discutir uma resenha.
Entendo bem o seu argumento. Só ainda acha que dificilmente a religião poderá trazer isso de forma homogênea. Tenho plena certeza que a religião traz grandes ensinamentos para várias pessoas. Mas pode ser utilizada de forma muito errada, pois, dependendo da leitura/interpretação, cada um pode fazer o que acha melhor. Claro que isso não invalida a importância da religião. E este também não é o meu ponto.
Muito obrigado pelo seu comentário, ele com certeza foi valioso para os leitores.
Grande Luiz, tudo bem?
Só tenho a agradecer, do fundo do coração, pela resenha. Como já te disse privadamente, ela denota uma leitura cuidadosa do livro e uma visão crítica que vai direto ao ponto sem deixar de ser cortês. Muito obrigado mesmo!
Dizem por aí que, se você precisa explicar o que quis dizer num texto depois que ele já foi publicado, significa que ele tinha problemas, hehehe... De qq maneira, deixe-me tentar explicar o que quis dizer sobre a questão racionalidade/moralidade.
Concordo totalmente com você sobre o avanço das explicações científicas sobre como a moral evoluiu. (Aliás, repare que eu sou bem aberto a argumentos evolutivos sobre a origem da religião, coisa que deixaria muitos religiosos mais "tradicionais" de cabelo em pé, imagino, hehehe). O meu ponto não é esse. O meu ponto é: OK, sabemos que a moralidade, como tudo o mais, é um produto da nossa trajetória evolutiva. Diante disso, como decidir o que é certo fazer com nós mesmos e com o mundo? Que objetivos devemos ter: lucro? maximização dos nossos genes? maximização da beleza da Terra? Ainda que as origens da nossa moral sejam compreendidas racionalmente, o que não acho que seja possível definir racionalmente é que partes dela a gente joga fora, que partes a gente mantém, que partes a gente amplia. Sacaste? 😉
Abração!
Concordo Mauro.
O problema é que eles podem não querer realmente expandir o conhecimento, mas usam esta premissa para ganhar espaço da mídia. O problema do criacionismo modermo (DI) é que eles querem se utilizar do status científico para confundir o grande público. Por isso acho que o argumento do Reinaldo está correto.
Olá Manuel,
Grandes palavras, como sempre. Acho que nós dois concordamos que a compaixão é algo excencial. Mas discordamos quanto ao papel da religião em relação a esta característica. Não acho que a Vida não passará de uma feroz competição sem religião. Não acho que a religião "é o mal do mundo" como diria Dawkins, mas não há motivos para fecharmos o caixão dessa discussão. Já sabemos bastante sobre a origem da compaixão até em outras espécies, o que mostra que o nosso sentimento pode ser compartilhado com outros animais que não tem religião.
Claro que não posso afirmar que a religião não é importante em relação a compaixão dos seres humanos. Mas afirmar que a razão sozinha não explica a compaixão é não científico, na minha opinião.
Abraços e obrigado pelos comentários sempre pertinentes.
Queria comentar sobre o trecho que fala dos IDs. Talvez a nossa falha, dos cientistas, é em não entender que eles realmente não querem expandir o conhecimento (ainda que queiram se beneficiar da expansão dele - usando carros, computadores e antibióticos de última geração). Essas pessoas buscam uma forma de mostrar que já estamos no mais avançado dos mundos. Não temos que discutir com o povo do ID. Temos é que combatê-los, pra não ficarem por ai enganando os desavisados.
Caro Luiz Bento
Li o seu texto cheio de pontos de reflexão. Antes de deixar aqui alguma coisa sobre ele,não me levará a mal se eu disser que o Luiz,um jovem,está,por assim dizer,iniciando as suas leituras,e a vida,enquanto,eu,pobre de mim,estou chegando ao termo das duas.
Das leituras,devo confessar que estou desencantado delas. São palavras,que,recorda-se ?,ainda há pouco agradeceu.Quanto há vida,tenho pena de a deixar sem ter visto uma luzinha ao fundo do túnel. É sempre a mesma escuridão.
O que vou deixar é muito pouco,talvez para minha defesa,para a qual estou muito treinado. No seu texto,encontrei uma palavra mágica,e que é Compaixão. Com a sua prática é possível,pelo menos,galgar o EU,esse poço,ou montanha, de egoísmo atávico,de modo a se poder debruçar sobre o OUTRO,qualquer que ele seja.
Se tivesse havido Compaixão,a história teria sido outra. A que está escrita é de arripiar. Sem ela,a Vida não passará de uma feroz Competição.
Pedindo desculpa do arrasoado,e apelando à sua compaixão,
desejo-lhe muito boa saúde,e que venha,um dia,a ver a luz ao fundo do túnel,admitindo que ainda não a tivesse encontrado,ou esteja nisso interessado.
estou lendo o livro e concordo com você!
Opa, falha técnica. Valeu Josue!
O correto é 'altruísmo', com 'l'.