Semana passada (02/06) tive o privilégio de assistir a uma palestra que faz parte de uma grande iniciativa realizada pela Casa da Ciência (UFRJ), a série “Ciência para poetas”. Segundo o site da Casa da Ciência, o objetivo principal desta iniciativa é:
” (…) levar a um público diverso, em linguagem não-especializada, discussões sobre as mais diversas áreas do conhecimento de forma dinâmica e inovadora. Nascida da vontade de unir o saber acadêmico ao cotidiano das pessoas, a série apresenta o saber e o fazer científico como heranças culturais da humanidade e destaca a relação entre cultura e ciência.
O formato consiste em ciclos temáticos de palestras que se concretizaram através de parcerias com unidades da UFRJ e outras instituições. Eles apostam em uma nova forma de falar de ciência e utilizam-se de projeções, sons, experimentos e toques de arte e poesia, dentre outros recursos.”
O sistema funciona de forma simples. Escolas e outras instituições de ensino e extensão entram em contato com a Casa da Ciência e escolhem dentre vários temas o que mais interessaria para o seu público. Parcerias entre a Casa da Ciência e professores da UFRJ trazem professores e alunos de pós-graduação para realizar atividades e palestras no local indicado pela instituição. Só esta iniciativa já seria louvável, mas este ano o ciclo de palestras está sendo realizado em uma instituição bem especial: o INES, Instituto Nacional de Educação de Surdos.
Claro que uma palestra de divulgação científica para um público constituído de alunos surdos que cursam o ensino fundamental no INES precisaria de uma ajuda. Uma ajuda de um personagem indispensável: o intérprete, pessoa responsável pela difícil tarefa de traduzir de português para LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) a palestra proferida pelo palestrante ouvinte (como os surdos chamam as pessoas que não são surdas). O problema é que a LIBRAS é uma língua relativamente jovem e não tem sinais específicos para vários termos científicos, até os mais simples. Desta forma, além de traduzir simultaneamente, o intérprete tem que transformar para a LIBRAS várias palavras científicas que não tem sinal correspondente. Mesmo em uma situação considerada inicialmente de grande dificuldade por qualquer pessoa, a experiência tanto para o palestrante quanto para os alunos foi extraordinária.
Mesmo com toda a dificuldade de comunicação é incrível a vontade de se expressar do público surdo. Nunca vi uma plateia desta idade ser tão participativa como a que eu presenciei no INES. Claro que a qualidade da palestra proferida pela minha esposa Milena Nascimento, doutoranda em Ecologia da UFRJ, foi muito boa (sem querer puxar o saco mas já puxando), mas ficou evidente para todos nós que os alunos eram carentes de um conteúdo científico e uma iniciativa deste tipo tem uma importância ainda maior. Sem mencionar que para fazer uma pergunta o aluno deveria subir ao palco, aguardar o posicionamento da segunda intérprete e da câmera para transmitir sua imagem no telão, para aí sim começar a se expressar. A pergunta era então traduzida pela intérprete para português, respondida pela palestrante e traduzida novamente para LIBRAS pela primeira intérprete. Mesmo com todo esse processo ainda tinha fila para perguntas (ver na foto acima). Na foto abaixo vocês podem entender um pouco mais como funcionou este processo.
Após a palestra uma das alunas veio falar comigo e com a Milena sobre a dificuldade de pessoas surdas terem acesso a informações básicas sobre ciência. Ela nos disse (com a ajuda da intérprete) que o mundo dos ouvintes é bem diferente do mundo dos surdos. Informações passadas pela TV e mesmo de forma oral pelos ouvintes não chegam de forma tão fácil para eles.
É com esta mensagem que eu gostaria de fechar o post. Não adianta só fazer divulgação científica se o seu público não consegue ter acesso a esta informação. Muitas vezes a ferramenta e a forma podem ser muito mais importantes do que o conteúdo para conseguir que a informação realmente chegue ao seu público alvo. Parabéns para a Casa da Ciência e aos professores e alunos de pós graduação da UFRJ que aceitaram o desafio de levar o conhecimento científico para fora dos muros da universidade. Sem fronteiras e sem preconceito.
Preciso de uma idéia, pois estou querendo fazer uma monografia com o tema "É possivel ensinar Quimica através dos sinais de LIBRAS"?
obrigada!!!!!!
Excelente a iniciativa da Casa da Ciência. Que a ideia seja replicada em outras cidades também.
Mais uma informação: a TV Brasil online veicula o Jornal Visual, todo em Libras: http://www.tvbrasil.org.br/jornalvisual/
E Fafá, também achei ótima sua ideia! Vi aqui, no blog Você que é Biólogo, que o Mauro Rebelo já dispõe da funcionalidade de sonorização Audio Edition (ver na barra lateral do blog). Mas ainda não descobri nenhum post ali já sonorizado... o ideal seria que todos os posts do SBBr o fossem! 😉
Olá Andreza, obrigado pela participação.
Nós que agradecemos a oportunidade de participar de uma iniciativa tão interessante.
Abraços.
Caro Luiz Bento,
Agradeço a bela escrita sobre o evento do "Ciência para Poetas nas Escolas" no INES, bem como a visibilidade que proporcionaste ao projeto ao postar suas impressões, 'querências' e reflexões acerca desta iniciativa.
É bom saber que existem pessoas como o Rafael, o Manuel, a Sibele e tantos outros seres que desejam quebrar as barreiras do conhecimento científico.
É claro que, contar com a presença de pessoas tão carinhosas e atentas como Milena, Luiz (marido, fotógrafo...) e Ricardo Monteiro, facilita e flui qualquer atividade educativa!!!!
Mais uma vez, obrigada.
Cordialmente,
Andreza Berti
Pedagoga do Núcleo de Educação da Casa da Ciência da UFRJ.
Que bacana! Estou passando pela experiência de ensinar química de ensino médio para duas alunas com baixíssima acuidade visual. É um desafio, porque não estamos preparados para passar informações científicas para pessoas com necessidades especiais. Não estamos MESMO. Assim, considero reconfortante saber de iniciativas de sucesso como essa que vc relatou, Luiz.
Abraço,
Fer
PS.: Rafael, a sua ideia é ótima, precisamos implementar isso já 🙂
@manuel
Obrigado pela força de sempre!
Caro Luiz
"Nunca vi uma plateia desta idade tão participativa". A lição que esses jovens deram! Carentes de faculdades,mas não de quererem saber,ao contrário de tantos,a quem faculdades não faltam. Estão de parabéns,pois,eles,e todos quantos participem em iniciativas desta natureza. Servirão também para enriquecer as conversas do dia a dia,conversas ditas de café,que nada adiantam.
Parabéns,Luiz,pelo texto,e,claro,pela participação de sua esposa.
@Sibele
Obrigado pelos elogios! Vou tentar também fazer parte desta iniciativa da Casa da Ciência...
@Rafael
Ótima ideia. Já sabe que eu estou dentro né?
Luis, muito legal este post. Algo nunca visti na blogsfera nacional mesmo.
Algo q estou fazendo e proporei no Scienceblogs Brasil, é que narremos e gravemos nossos posts para o público cego. Existem sistemas de entrega de material para cegos, principalmente livros. Uma iniciativa desta faz diferença e divulga tmb.
abraço
Sensacional! A Casa da Ciência só merece aplausos e muitos parabéns por essa iniciativa, e que sirva de exemplo para outras ações de divulgação científica que induzam a inclusão dessa parcela tão negligenciada da população - as Pessoas com Necessidades Especiais (PNE).
E Luiz, você disse tudo! Não basta somente o conteúdo: o formato e o suporte empregados em ações de divulgação científica são tão importantes quanto a mensagem - eu diria mesmo que são os determinantes do real acesso ao conteúdo divulgado.
Também é muito louvável e digna de menção a recente ação do site da revista Ciência Hoje, que começou a veicular os primeiros vídeos temáticos sobre ciências com legendas, atendendo a uma reivindicação de leitores deficientes auditivos.
Que essas iniciativas prosperem e muitas mais sejam criadas, alargando as fronteiras e quebrando os preconceitos!
Parabéns pelo post, e também parabéns à sua esposa Milena pela participação nessa excelente iniciativa!