Você daria dinheiro para salvar a rã púrpura da Índia? Ela está ameaçada de extinção.
Muita gente pode ficar chocada ao ler o título deste post, mas um artigo publicado recentemente no periódico Conservation Biology traz revelações interessantes sobre uma ideia que eu levantei em 2009. No post “Salvem as lampréias!” eu comentei como espécies “feias” ameaçadas de extinção são normalmente deixadas de lado por ambientalistas, que preferem sempre bichos “fofos” como urso polar e pandas para dedicarem seu esforço e dinheiro. Em uma análise crítica, usei o argumento da triagem para mostrar que devemos ser mais realistas em relação a este tema, levando em consideração que em um mundo onde o dinheiro para a conservação das espécies é finito, temos que tomar decisões. É a difícil escolha sobre quais espécies devem receber mais esforços para serem salvas. Então não estaríamos deixando os pandas morrerem, mas apenas investindo o esforço limitado que temos para salvar algo mais importante. Alguém poderia me perguntar: “Mas como decidir o que é mais importante?” Realmente não é uma tarefa fácil. Existem vários estudos tentando estabelecer uma escala de importância ecossistêmica das espécies, tentando diferenciar quais seriam mais relevantes dentro do seu contexto ecológico. Mas claro que não é nada simples. Mas para isso ser realmente levado em consideração temos que dar uma passo a frente na discussão.
O pesquisador Murray Rudd fez uma pesquisa por email com 583 cientistas da área de conservação, escolhendo apenas pessoas que publicaram artigos em periódicos internacionais revisados por pares. Dentre vários dados interessantes, o que mais chamou a atenção da grande mídia (todos gostam de polêmica, não é?) está ligado a triagem. Segundo o estudo, 60% dos entrevistados responderam ser a favor ou fortemente a favor da triagem, que é a escolha de quais espécies devem ser priorizadas para a conservação. Em uma entrevista ao jornal The Independent, Rudd fez uma declaração interessante sobre o resultado da pesquisa:
“Ao considerar os valores de conservação e prioridades os cientistas disseram que compreender as interações entre as pessoas e a natureza era uma prioridade para a manutenção de ecossistemas. No entanto, eles largamente rejeitaram razões culturais ou espirituais como motivações para a biodiversidade biológica. Eles também rejeitaram ‘utilidade humana’, sugerindo que muitos não têm pontos de vista utilitarista dos serviços dos ecossistemas”
Esta frase é interessante pois um dos argumentos mais utilizados pelos ambientalistas para tentarmos salvar todas as espécies é de que a extinção delas é culpa do homem e que todas tem um valor intrínseco, tendo o “direito de viver”. Esta posição é muito bonita no papel e no discurso, mas não é nada realista. Um argumento interessante para não deixar de lado as espécies “bonitas” apenas por serem “bonitas” está na arrecadação de dinheiro para pesquisa. No pesquisa com os cientistas da área da conservação muitos disseram que se usarmos apenas a lógica para escolher quais espécies devem ser prioridade de conservação muitas pessoas podem parar de doar dinheiro, pois querem que o mesmo seja investido na conservação do urso polar e não das lampreias. Este argumento pode até ser verdade, mas não deixa de ser muito triste. Podemos até perder dinheiro para conservação das espécies, mas pelo menos o debate sobre isso poderá trazer um ponto de vista mais crítico para a sociedade.
A referência está logo abaixo, mas quem quiser o artigo completo é só ir direto para o site da Conservation Biology. Ele foi publicado de forma aberta, como toda a ciência deveria ser feita.
Referência:
RUDD, M. (2011). Scientists’ Opinions on the Global Status and Management of Biological Diversity Conservation Biology, 25 (6), 1165-1175 DOI: 10.1111/j.1523-1739.2011.01772.x
A mensagem dos ambientalistas precisa mudar. Eu vejo problemas em espécies fofas, bandeiras, guarda-chuvas.
Quando se propagandeia que se deve proteger florestas porque elas tem espécie A, B ou C, se passa outra mensagem também. De que não é preciso proteger os ambientes que não tem essas espécies.
A mensagem pode ser simples, mas incorre em riscos. Queremos realmente comunicar às pessoas que apenas algumas espécies devem ser protegidas, ou queremos comunicar algo mais?
Eu acho que a época de propagandear que espécies podem ser extintas já passou. Todos sabem disso.
Já é tempo de passar uma mensagem mais ampla. Que toda espécie pode, potencialmente, ser importante para os outras espécies, para ecossistemas, para sua funcionalidade, para os nossos interesses.
Só assim quando um pequeno produtor rural ver uma área florestada de 1 hectare, vai se preocupar em manter não só as árvores que estão lá de pé por lei, ou em manter a nascente do rio que lhe interessa. Mas também com quaisquer espécies que estejam lá.
Boa polêmica!
E gostei do "Ele foi publicado de forma aberta, como toda a ciência deveria ser feita." 😀
É um fato Sibele 🙂
É aquele velho dilema humano: Você está no barco com seu panda, e ele se chama Nabunda... O resto da história todos nós sabemos.
Penso que a questão não é ser contra ou defender algum lado. Estamos é num deconfortável impasse que ninguém, ou pelo menos uma pessoa pública, quer ser o primeiro a falar sobre o que realmente devemos fazer. Certas palavras são chocantes e viraram tabus (e por isso nem vou listar aqui) mas com certeza devem ter passado na cabeça de muitos que ouvem e discutem sobre conservação. Porque observa-se que, na atual situação econômica mundial, a conservação da biodiversidade está sendo confrontada com a pobreza e fome de muitas nações. Mas, por outro lado, penso que isso é uma distorção: é como se ordenasse a uma mãe escolher um dos filhos para a morte para que o outro sobreviva. Temos de achar uma terceira opção para ela. Isto pode ser, por exemplo, uma atitude menos consumista e uma busca constante por uma nova forma de viver que equilibre a vida humana em sociedade com a vida não-humana que ainda não foi extinta. O desafio é esse: mudar a forma como vemos o mundo.
Marina,
Eu concordo com a sua posição, no papel. Na vida real, o tempo para a nossa sociedade começar a viver em equilíbrio e ser menos consumista está muito longe. O mesmo acontece em relação ao aquecimento global. Mesmo com todas as iniciativas educativas, a taxa de emissão de gases estufa do mundo continua a aumentar. Enquanto falamos animais podem estar sendo extintos por falta de investimento, pois o mesmo encontra-se diluído entre espécies carismáticas.
Escolha é sempre ruim, mas uma decisão tem sempre que ser tomada. O problema é que ninguém quer assumir este papel publicamente.
Abraços e obrigado pelo comentário.
Eu acho que essa é uma falsa escolha que é frequentemente colocada: resolver os problemas da humanidade ou do resto do mundo natural.
Os problemas da humanidade tem grandes implicações para a conservação e a perda de espécies e ecossistemas tem consequêcias para as populações humanas.
É com a alteração das condições às quais comunidades tradicionais ou de pequenos produtores rurais estão acostumadas a viver que surge uma incompatibilidade entre seu conhecimento, cultura e estilo de vida e a sua viabilidade.
Doenças, escassez de recursos, alteração do clima, perda de serviços do ecossistema, perda de espécies que pudessem ser usadas como medicamentos ou matérias primas ou fossem símbolos da cultura, podem gerar uma condição em que a cultura colapse como decorrência do colapso do próprio ambiente à sua volta e assim comunidades tenham que desistir do seu estilo de vida e adotar um novo, imposto.
Por outro lado, são as comunidades humanas locais que conhecem o ambiente. Com elas removidas, perdemos compreensão do seu valor e função, o que pode acelerar a degradação do meio.
Conscientizar as pessoas do valor do ambiente e reduzir o ritmo da sua destruição é importante não só para a natureza como para os próprios seres humanos. Proteger grupos humanos negligenciados e suas tradições é importante para a natureza também.
A morte de uma cultura obriga a adotar outra. E a que é mais imposta e propagandeada é a consumista e desenvolvimentista.
eu sou a favor da defesa dos pandas, o mundo precisa de mais meiguice e eles sao meigos! hahahaha 😉
Pandas são espécie bandeira. Usadas para alertar para o problema e conseguir recursos mais facilmente. Não sei se a massa da população já esta pronta para partir para uma atitude mais ampla. Talvez sim.
Não seriam uma espécie guarda-chuva? Já que precisam de uma extensa área para viver e assim se conservaria outras espécies?
Pensando nisso, talvez seria mais interessante conservar espécies guarda-chuva, mas dando um atenção especial as espécies "feias". Seria um jeito de arrecadar dinheiro e ao mesmo tempo conservar espécies que não ganham muita empatia das pessoas em geral.
A resposta é simples: nenhuma. Não deveríamos tentar salvar nenhuma. De tidas as espécies que já existiram, 99,9999% já se extinguiram. Natural mesmo, como a morte para um ser vivo, é a extinção para uma espécie.
O prejuízo certo da perda de espécies, de sua função ecológica e de seu potencial para bioprospecção, é pra nós, não pra vida ou pro planeta.