Está é a principal conclusão de um artigo publicado recentemente no periódico Frontiers in Ecology and the Environment. Laura Martin e colaboradores das universidades americanas de Cornell e Maryland fizeram um levantamento inédito na literatura sobre onde os artigos de Ecologia terrestre foram feitos. Os resultados confirmam uma velha máxima da Ecologia, que trabalhamos no lugar errado.
A figura acima mostra o tamanho do problema. Na esquerda temos um gráfico das áreas que temos no planeta, sendo uma grande parte antropizada (transformada pelo homem; vermelho e verde) e uma pequena parte protegida (em azul, 13%). Quando olhamos para o gráfico da direita com a distribuição das áreas onde os autores encontraram estudos vemos uma situação bem diferente. A maior parte dos trabalhos teve como base áreas protegidas (63%). E o problema não para por aí. Este padrão também se repetiu para o bioma e até para a condição financeira do país em que foi feito o trabalho. Em geral, os ecólogos trabalharam mais em ambientes de clima temperado e em países ricos. Mas será que todos nós, ecólogos, estamos coletando no lugar “errado”?
Bem, nós seria algo muito generalista. O foco do artigo não foi em toda a literatura, pois isso dificultaria muito a obtenção de dados. Os autores escolheram os 10 “principais” periódicos da área baseando-se em fator de impacto, o que é uma maneira bem enviesada de se buscar um padrão na literatura. Os próprios autores admitem isso de forma parcial. Mas, segundo eles, se o número de periódicos fosse aumentado o padrão seria mantido devido as grandes diferenças encontradas, o que eu discordo completamente.
Focar em artigos de periódicos de alto impacto foi uma escolha dos autores, o que representa, teoricamente, os artigos mais influentes e com maior alcance da literatura. Nada de errado até aí. Mas eles não deveriam esquecer que a maior parte dos estudos regionais da Ecologia são publicados em periódicos menores e em línguas diferentes do inglês. Não amostrar periódicos deste tipo pode sim ter contribuído com os resultados, mais especificamente na parte de bioma e condição financeira dos países que fizeram a pesquisa.
Este artigo mostra para mim como o desmantelamento dos periódicos “menores” e em língua não inglesa pode ser prejudicial para a ciência. Tenho certeza que de forma geral coletamos mais em ambientes protegidos e de clima temperado, mas esta situação mudou ao longo dos anos com o crescimento da pesquisa em países menos desenvolvidos. O que falta talvez é considerarmos mais a pesquisa feita em periódicos nacionais, que cada vez mais seguem para um triste fim. É o famoso paradoxo tostines. Não queremos publicar mais em periódicos nacionais porque eles tem um baixo fator de impacto e o fator de impacto deles não aumenta porque não publicamos neles. Até quando estaremos submetidos a ditadura do fator de impacto? Os dados considerados “regionais” não serão mais publicados?
Em tempos de boicote a Elsevier, talvez o futuro não seja tão assustador. Aguardemos os próximos capítulos.
Referência:
Martin, L., Blossey, B., & Ellis, E. (2012). Mapping where ecologists work: biases in the global distribution of terrestrial ecological observations Frontiers in Ecology and the Environment, 10 (4), 195-201 DOI: 10.1890/110154
Muito bom o comentário sobre o artigo. O autor do comentário argumenta de forma coerente como (no mundo científico) ainda somos reféns dé países mais desenvolvidos e de língua inglesa. Será que pesquisas realizadas e publicadas em países ditos "menos desenvolvidos" não devam ser levadas em consideração? Isso mostra mais uma vez a arrogância Norte Americana querendo sempre ditar regras e tendências! Até quando seremos reféns??
Bento,
mais uma vez, tenho que parabenizá-lo pela coerencia. E olha que estou mais para opositor do que para entusiasta do ambientalismo militante.
Neste comentário tua orientação alinha-se ao meu pensamento quanto a condução da política. Quanto mais focarmos no ambiente regional, melhor será o entendimento e menor será o poder de controle supra-regional.
Cito um exemplo de fácil verificação: o Clero Católico passou 18 séculos impondo-se sobre o mundo como um verdadeiro império. Qual sua arma? o Evangelho? Não, senhores! A desinformação foi a principal ferramenta com a qual a Igreja se impôs ao mundo. E antes que me acusem de anti-religioso, quero deixar claro que sou Cristão-Católico praticante e assumido! Mas não cego.
O que fez com que o Catolicismo perdesse o poder terreno foi a tradução da Bíblia para outras línguas, que permitiu aos fiéis conhecer o texto, principalmente do Evangelo - pelo menos a versão que nos foi permitida - e contestar os excessos do Clero. E isso, paradoxalmente, foi o que salvou a Igreja Católica.
Na política, venho defendendo a "aldeização" do poder público. Creio que o ambientalismo deveria seguir o mesmo caminho.
Nenhuma aldeia pode salvar o mundo, mas, se cada aldeia salvar-se a si mesma, o mundo estará a salvo!
Olá, sou novo no blog (primeira visita) e na Ecologia também. Embora concorde com as conclusões desse estudo eu fico pensando: Será que é realmente o pobre do pesquisador ai da foto que está fazendo errado? Ou será o modelo de ciência que temos construído que está um pouco fora do eixo? Pois se meu projeto não é em uma área bem preservada, com algum conhecimento prévio para poder fazer comparações, com uma abragência maior , meu projeto não chama atenção dos órgão fianciadores, meus dados e conclusões não interessam aos periódicos de bom fator de impacto e por fim meu currículo não cresce. Então para quê trabalhar nessas áreas pouco conhecidas, para quê tentar fazer algo diferente e inovador e arriscar não ser bem recebido pelos colegas? Como você disse muito bem, até quando estaremos submetidos a ditadura do fator de impacto?
Olá jh, obrigado pela visita.
Realmente este círculo da ciência é complicado. Quem ganha mais dinheiro é quem manda projetos de assuntos "quentes". Isso serve também para quem quer publicar mais e ganhar mais pontos de CV. Mas nem tudo está perdido. Vivemos em uma época de transição em que possivelmente ocorrerão grandes mudanças na maneira com que publicamos ciência. Talvez a maior mudança, desde o início da ciência moderna. Pois acho que a publicação nos moldes atuais não é muito diferente do que Darwin fazia.
Sou otimista. Acho que o movimento open science vencerá. Pena que quando isso acontecer eu não estarei mais na academia.
Abraços.
Olá novamente.
Hoje me lembrei desse post. Estou trabalhando em um artigo que envolve ecologia de florestas urbanas. Pensei que o artigo que gerou esse post poderia ser interessante, mas quando tentei buscá-lo descobri que o acesso é pago. E lá vamos nós com nosso modelo de ciência. Luiz Bento, sinceramente espero que você esteja certo e que as grandes mudanças venham logo.