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Animal Use in Research - Brazilian Campaign

Cartaz de uma campanha da FAPERJ que eu registrei em um post de 2008.

Depois de um puxão de orelha do Takata e da recente mobilização dos blogs de ciência causada pela Mariana, não poderia deixar de dar os meus dois tostões sobre a invasão do Instituto Royal. Para saber mais sobre o que os blogueiros de ciência estão comentando sobre o assunto recomendo este post do Takata.

Para mim o evento que testemunhamos no último final de semana foi um sinal de como a ciência está completamente afastada da cultura, como muito bem destacou C.P. Snow no meio do século passado. E com certeza os maiores culpados por isso são os próprios cientistas. Boa parte deles não considera a divulgação científica relevante e acaba se fechando em um mundo isolado. Isso é inaceitável, ainda mais levando em consideração as ferramentas disponíveis na web que facilitam ainda mais o contato direto com a população. O resultado disso é que casos como o do Instituto Royal demonstram que os cientistas precisam de uma opinião pública crítica e que entenda como e porque a ciência é feita, já que são eles que financiam os estudos através dos impostos. Não podemos achar que assuntos delicados serão abraçados pela população sem que os cientistas sejam totalmente transparentes e didáticos sobre o que fazem e porque fazem. Lembro de um trecho do artigo do Ildeu de Castro institulado “A inclusão social e a divulgação de C&T no Brasil“:

 

“(…) Um dos aspectos da inclusão social é possibilitar que cada brasileiro tenha a oportunidade de adquirir conhecimento básico sobre a ciência e seu funcionamento que lhe dê condições de entender o seu entorno, de ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho e de atuar politicamente com conhecimento de causa.”

 

Para uma atuação politica consciente levando em consideração que na sociedade moderna boa parte dos temas mais polêmicos são relacionados a ciência e tecnologia (aquecimento global, transgênicos, uso de células-tronco), a divulgação científica é a base para que todos tenham critérios na hora de dar o seu voto, participar de passeatas e até para discutir o assunto em redes sociais. Já discuti com alguns ativistas ambientais que não basta convencer as pessoas sobre a importância da sua causa de forma superficial. Os ativistas que ontem invadiram um instituto para salvar animais podem amanhã ser contra o uso de células-tronco, utilizando a mesma energia e pressão que utilizaram para o que muitos consideram uma “boa causa”. Divulgação científica é muito mais do que isso.

Acho sim que o ativismo animal é válido. Provavelmente sem eles não teríamos leis rígidas que regulam a experimentação animal, como a Lei Arouca no Brasil. Mas acho também que a invasão do instituto Royal aumenta mais ainda a distância entre ciência e sociedade. Assim como os cientistas devem se preocupar mais com divulgação científica, os invasores deveriam ter provas reais antes de uma atitude tão radical.  De acordo com uma reportagem da Record, os ativistas que começaram o protesto não tinham a intenção de invadir o prédio. Isso mostra que a invasão foi causada por uma histeria coletiva, devido ao calor do momento. Toda a discussão que surgiu após a invasão é um desdobramento positivo de uma atitude infeliz, que com certeza destruiu anos de pesquisas sérias. Todos os testes que com certeza causaram sofrimento aos animais (independente de seguirem a legislação) foram feitos em vão. Mesmo sem maus tratos sabemos que os animais sofrem com os testes e por isso temos que lutar para que isso seja minimizado, tanto em relação a percepção dos animais (analgésicos e tratamento adequado) quanto no número de animais necessários para uma pesquisa.

Temos atualmente um órgão responsável pela regulação do uso de animais em pesquisa. É o CONCEA. Todos os institutos que usam animais em pesquisa tem que ter uma autorização do CONCEA e devem passar por comissões de ética locais que avaliam o estudo antes dele acontecer. O CONCEA inclusive atuou na proibição do uso de animais pelo curso de medicina da UFSC, devido a provas de maus tratos. Não é perfeito, mas podemos cobrar mais atuação do CONCEA ao invés de destruir um instituto que aparentemente usa de forma correta animais em pesquisa. Iniciativas de divulgação científica sobre o assunto são aparentemente pequenas, mas posso citar um site interessante sobre ética na pesquisa. Pouco atualizado, mas mostra pelo menos uma tentativa de passar a informação de forma mais fácil para o público. Falta divulgação da iniciativa, já que eu só descobri o site depois da invasão do Instituto Royal.

Quanto aos beagles, realmente é difícil ser apenas racional. No meu caso o que me choca mais é o uso de macacos. Mas devemos lembrar que só uma pequena parte dos estudos é feita com animais de grande porte. E eles só são submetidos a medicamentos que tiveram sucesso em etapas anteriores em ratos e camundongos. Dados vazados pelo jornal da bandeirantes mostram que apenas 1,3% das pesquisas feitas no Instituto Royal eram para fins cosméticos. E em um pronunciamento oficial, a Dra. Silvia Ortiz afirmou que todas as pesquisas com cosméticos do instituto são feitas com cultura de células. Então o uso que é realmente questionável de animais em pesquisa feito pela indústria cosmética não era realizado no Instituto Royal, de acordo com as informações que temos até agora.

Não é um assunto fácil. Acho que os ativistas sérios são de grande importância para denunciar abusos e cobrar leis mais rígidas. Vamos brigar pelo uso mínimo de animais (pois vários testes ainda são insubstituíveis) e pelo desenvolvimento de testes alternativos. Para isso foi criada a Rede Nacional de Métodos Alternativos, que busca estimular e validar métodos alternativos de teste de medicamentos. Como o Pirulla discutiu em um vídeo, uma boa dica para os ativistas é buscar financiamento para pesquisas na área de métodos alternativos ou mesmo trabalhar diretamente nessa área. Com certeza seria uma grande contribuição para tentarmos diminuir ao máximo o uso de animais em pesquisa. Em um debate recente sobre o assunto, a Profa. Rita Leal Paixão da UFF declarou que temos que parar agora com todos os testes em animais para que isso estimule a criação de métodos alternativos. Acho que temos sim que estimular métodos alternativos, mas atitudes radicais como essa podem atrasar e muito avanços importantes na ciência e na medicina.