Lembro de ouvir uma vez de um professor de uma grande universidade federal que mestres e/ou doutores que saíam da academia estariam gastando dinheiro público sem dar retorno para a sociedade. Que ocupavam uma vaga de um aluno que poderia seguir a carreira acadêmica. E, claro, eu não tenho como discordar mais dessa afirmação. Por vários motivos. Vou tentar falar sobre os principais nesse espaço que se transformou em uma válvula de escape da minha vida acadêmica nos últimos 6 anos.
O principal motivo que me faz discordar do importante professor é que o papel de pós-graduandos em laboratórios é muito maior do que só a defesa de dissertação/tese ou publicação de artigos. Tenho certeza que nesse momento muitos leitores devem estar pensando que esta é uma defesa de quem não publica artigos. Bem, poderíamos entrar aqui em uma discussão sobre como o publish or perish contaminou a academia nos últimos anos e ou sobre indústria de publicação de artigos priorizando a quantidade e falta de ética na escolha de co-autores. Mas, de forma mais superficial, concordo que publicar é a forma de retornarmos aos nossos pares o que fizemos de pesquisa e que deixar dados na gaveta seria um desperdício de dinheiro público e tempo científico, pois outros cientistas não terão acesso aos mesmos. Sim, isso é muito importante. Mas o trabalho feito atrás das cortinas científicas é muito maior do que isso. E não é feito apenas pelos professores.
O papel quase oculto dos pós-graduandos
Orientar alunos (sim, orientar e não só co-orientar), escrever projetos que em muitos casos sustentam financeiramente os laboratórios, cuidar do gerenciamento e da prestação de contas desses projetos, organizar a rotina do laboratório, planejar/administrar/participar de viagens de campo e coletas de amostras. Essa é só uma parte da rotina de qualquer pós-graduando. Normalmente ele é o primeiro a chegar (antes do professor) e o último a sair do laboratório. Final de semana? Feriados? Eles normalmente entram na agenda como um dia normal de trabalho, mesmo se o pós-graduando não estiver no laboratório. E para todas essas funções ele ganha uma ajuda de custo do governo federal ou de um órgão de fomento local, que além de defasada e não contar com direitos trabalhistas é comparativamente muito menor do que o salário de profissionais de outras áreas com o mesmo tempo de estudo. Uma boa discussão sobre a profissionalização do cientista pode ser lida aqui.
Todas essas funções de um pós-graduando foram resumidas pelo já citado professor de uma universidade federal como sem importância perante a publicação de um artigo ou defesa de tese, uma total falta de reconhecimento do trabalho prestado todos os dias. Alunos de pós-graduação literalmente sustentam os laboratórios do mundo inteiro, e por isso não podem ter o trabalho reconhecido apenas pela quantidade de artigos publicados. O retorno para o laboratório tanto financeiramente – pelos projetos – como cientificamente – pela orientação dos alunos – é literalmente colocado de lado. Não ver isso é errado, ainda mais que todos sabemos que não teremos vagas nas universidades para todos os pós-graduandos. Esse é um grande tabu do meio acadêmico, sendo muito raro a discussão sobre o mundo profissional fora dos muros da universidade.
Não concorda comigo? Então aqui vai uma citação da Nature
Um editorial da Nature publicado essa semana cobra exatamente um maior posicionamento das universidades sobre a vida fora da academia. Separei um trecho importante abaixo:
“Quando as universidades estão cortejando potenciais pós-doutorandos, eles devem deixar claro que a maioria não vai acabar como membro do corpo docente, além de apresentar todas as outras carreiras que seus alunos de pós-graduação podem perseguir. As universidades também deveriam ajudar mais os seus alunos de doutorado a ganhar habilidades e contatos que serão importantes fora da academia (…)”
Transparência com os alunos é algo muito importante nessa hora e passar a realidade do mercado é dever dos professores universitários. Tanto do mercado acadêmico como do externo, pois não devemos achar que pós-graduações são meras produtoras de futuros professores ou pós-doutores eternos. O editorial também deixa claro que se não fossem os pós-graduandos que deixaram a academia provavelmente o periódico Nature não funcionaria, já que a revisão, produção de artigos jornalísticos e outras funções são exercidas por doutores que não seguiram na carreira acadêmica. No mesmo número da Nature outro artigo toca em um ponto relevante para a discussão:
“Uma percepção comum é de que os estudantes mais fracos de ciência são forçados a sair de um campo competitivo, deixando as estrelas mais brilhantes para ocuparem as desejáveis posições acadêmicas. Mas (…) como a maioria dos mentores sabe – este não é o quadro completo: às vezes os cientistas que saem são aqueles mais promissores. Suas motivações são diversas: alguns querem mais dinheiro, ou mais tempo com a família; outros são atraídos por oportunidades em outros lugares.”
A estrada dos tijolos amarelos fora da academia
Parece óbvio, mas é bom reforçar. Sair da academia não é sinal de fraqueza ou menor qualidade. Essa questão é muito complexa e pode atormentar a vida de muitos alunos que estão nesse momento na pós-graduação. Saber o momento certo de procurar outros caminhos não é fácil. Muitas vezes por falta de informação achamos que o único caminho é seguir a vida acadêmica, fazer um doutorado, um pós-doutorado, mais um pós-doutorado, outro pós-doutorado…aguardando o Santo Graal da vida acadêmica: uma vaga de professor em universidade pública. O que pode demorar muito a acontecer ou até não acontecer. Muitas vezes sair desse caminho sonhado pelos orientadores é difícil e até traumático.
Mas sim, existe vida fora da academia. Você não é o único a pensar dessa maneira, não é um perdedor como gostam de dizer os americanos. Nos EUA, menos de 10% dos doutorandos em biologia seguem uma carreira acadêmica. Busque contatos, faça cursos fora da sua universidade, procure pessoas de áreas completamente diferentes da sua. O mundo é muito maior do que a universidade e tenha certeza que um pós-graduado tem grande chance de se transformar em um profissional diferenciado no mercado de trabalho, independente da sua especialidade. Não ter experiência prévia comprovada mesmo tendo trabalhado por anos em um laboratório é uma triste realidade, que pode dificultar o caminho para o primeiro emprego formal. Mas vale a pena investir no que você realmente gosta de fazer.
Como disse Peter Medawar no livro “Os limites da ciência“, cientistas são um grupo de pessoas com as mais variadas habilidades e que poderiam facilmente se encaixar em diversas profissões. Por isso não fique preso no pensamento de que “Eu nasci para isso”. A pós-graduação pode ter sido um período de importante aprendizado para sua futura profissão. Ou talvez o tempo fora da academia pode fazer você amadurecer e ver que a carreira acadêmica é realmente o que você deseja. O importante é não deixar ser levado pela maré acadêmica, fazendo várias pós-graduações sem pensar muito no assunto (vale a leitura do post do Breno “Pós-graduação para que?“).
Se você não refletir sobre o que realmente gosta no meio do caminho pode acabar desperdiçando grandes oportunidades que estão acontecendo lá fora, neste exato momento, no mundo real. Faça sim uma pós-graduação, mas não esqueça de sempre olhar para fora da janela do laboratório.
Atualização 03/12/15
Mais uma vez a Nature resolveu discutir o tema e agora de forma até mais profunda. Acho que não estou sozinho nessa luta.
Editorial: Make the most of PhDs
Artigo: How to build a better PhD
Oi Luiz Bento e Breno, tudo bem? O Adriano me chamou a atenção para o seu post e resolvi passar aqui pra dar meus pitacos e, com sua licença, fazer um comentário longo.
Que professor mais bobinho este seu que disse, em sala de aula, que “mestres e doutores que saem da academia estariam gastando dinheiro público sem dar retorno à sociedade, pois ocupariam uma vaga de quem quer seguir uma vida acadêmica”. Sabe nada (nem de economia, nem de sociedade), inocente.... Feliz o país cujos doutores e mestres estão espalhados por empresas privadas, instituições públicas (que não necessariamente de pesquisa), ONGs e mesmo em escolas de 1o e 2o graus. Infeliz é nosso país, onde isto acontece raramente.
Pensa bem, Luiz, o sujeito presta um exame de seleção, passa, assina um “contrato” (ganha bolsa, ajuda de custo, etc...) daí cumpre com as obrigações, defende o mestrado ou doutorado. Foi aprovado pela banca? Pegou o diploma? Quer ir trabalhar na empresa do pai? Quer virar suco? Se for mulher quer ir a Marte onde estão os homens? Bem, a sociedade (“fora da academia”) agradece. Porque ficar na academia, se descobriu que não tem aptidão pela coisa (pesquisa, aulas) ou pelo ambiente (fofocas de salão, politicagem, competitividade)? Não sei se vai encontrar um ambiente melhor em outro lugar, mas enfim o nosso não é dos mais salubres em vários aspectos.
Luiz, nestes momentos, é sempre bom lembrar a estes “professores brilhantes”, tão ciosos do dinheiro público, que quem paga o salário dele, a bolsa do aluno e as contas da universidade (o que inclui o financiamento da pesquisa), é esta mesma sociedade, à qual ele acha que se o doutor “voltar a ela”, estará desperdiçando dinheiro público. Imagine o que ele deve pensar sobre os médicos que se formam em instituições públicas e vão trabalhar na rede particular de saúde! É provável que ache correto que o médico cubano que trabalhe no Brasil, não receba o salário completo e que 70% dele vá para o governo cubano, para que este continue tiranizando o próprio povo. Ainda chegaremos lá, Luiz, pois a ignorância é a maior multinacional do mundo.
Nestas horas sempre recomendo Ortega y Gasset. Segue uns trechos (“A barbárie da especialização” – cap. 12 de “A Rebelião das Massas”):
“Quem impõe a estrutura de seu espírito na época? Sem dúvida, a burguesia. Quem dentro desta burguesia, é considerado o grupo superior, a aristocracia do presente? Sem dúvida, o “técnico”: engenheiro, médico, economista, professor….e quem representa melhor este grupo? O homem de ciência (cientista)”
“É um homem que, de tudo o que se deve saber para ser um personagem discreto, conhece apenas uma determinada ciência, e mesmo dessa ciência só conhece bem a pequena parte de que ele é um ativo pesquisador. Chega a proclamar como virtude o fato de não se inteirar de nada que esteja fora da estreita paisagem que cultiva especialmente, e chama de diletantismo a curiosidade pelo conjunto do saber”
“Mas isso cria uma casta de homens muito estranhos (…) O especialista sabe muito bem seu mínimo rincão de universo; mas ignora radicalmente todo o resto”
“Temos que dizer que é um sábio-ignorante, coisa extremamente grave, pois significa que é um senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a arrogância de quem em seu campo especial é um sábio”
Mas não é só sobre isto que pretendo falar.
Eu sei que muitos pós-graduandos dão um duro danado nos laboratórios de seus orientadores. E apesar disto não contar no “Lattes” (ÓÓ Lattes, Lattes meu. Existe algum Lattes mais belo do que o meu?), é evidente que a experiência que adquirem com isto conta muito na formação profissional e pessoal na hora de buscar um emprego fora (ou até mesmo dentro) da academia. Sim, burocraticamente o Lattes ainda é importante, mas para muito concursos clássicos por aí (estou falando dos honestos, ok?), prova escrita e aula didática contam mais que o Lattes e suas publicações.
Eu sinceramente, não vejo toda a escravidão que você diz ocorrer aos pós-graduandos e acho meio exagerado e provincianos os argumentos daquela moça que defende a profissionalização do cientista pois quem realmente trabalha é o pós-graduando. Te devo dizer meu amigo, que muitos professores estão reduzindo o número de orientados justamente porque estes dão “muito mais trabalho” do que fazer o trabalho por si mesmo. Pode ainda não ser a norma, mas será. Pode não ser o caso daquele professor que tem um mega-laboratório, mas serve para a maioria dos professores que não têm nenhum laboratório.
Na minha opinião falamos pouco sobre o mundo profissional fora dos muros da universidade, simplesmente porque não sabemos nada sobre ele. Boa parte dos professores, fez mestrado, doutorado, prestou concurso e nunca trabalhou fora da universidade nem quando era jovem.
Neste sentido, não entendo muito bem quando você diz que os professores têm de ter transparência com os alunos sobre mercado de trabalho. No meu caso, nunca me prometeram nada e eu nunca prometi nada para meus alunos, a não ser a boa, saudável e velha convivência profissional de troca de conhecimento e habilidades (que o suor seja infinito, enquanto a bolsa dure...). Da minha parte, sempre digo que os alunos têm de se instrumentalizar para aumentar a chance de uma melhor colocação profissional (atualmente, sou a favor de treinar a escrita montando um blog como vocês fizeram, aprender usar bem imagens de satélite e programar em alguma linguagem, nem que seja o R...). Sei que não é fácil mas é o caminho mais seguro para uma sólida formação profissional.
A falta de informação a que você se refere sobre o mundo fora da academia não vai ser resolvida por quem está dentro dela, mas por quem imagina que um dia vai sair (ou ter de sair) dela, como você mesmo deixou claro no seu post. Como orientador num curso de mestrado em Engenharia Sanitária percebo que os alunos estão pouco dispostos a ficar na academia (aliás, poucos estão dispostos a fazer mestrado, quiçá ficar na academia). Há um mundo lá fora bem mais promissor.
Sinceramente e apesar da “autoridade” de um artigo da Nature dizendo que a Universidade deve auxiliar o aluno na busca de um emprego, etc..te peço um favor rindo: não diga pra reitorias brasileiras, pois elas vão acabar montando uma “Secretaria Especial de Empregos para ex-alunos” e incharão ainda mais a máquina administrativa. Também não será feito pelas coordenações de curso de pós, pois elas estão muito ocupadas em preencher a recente mas dinossáurica plataforma de dados da Capes chamada Sucupira. Você sabe, nós os cientistas somos muito modernos e por isto nos submetemos fácil aos arcaísmos burocráticos. (De qualquer forma, aqui entre nós, vejo um nicho de mercado: a montagem de uma empresa de Recursos Humanos especializada em colocação de doutores no mercado de trabalho...)
Quanto ao que disse ao Adriano sobre que “os professores não abriram os olhos para a realidade que não há vagas para todos os alunos”, novamente para mim é incompreensível. Se algum professor disse ou acredita mesmo isto, ele é o “gênio-ignorante” à que se refere o Ortega y Gasset lá em cima (ou ele é só um ignorante mesmo...).
Bem, não quero dar uma de juiz, mas não vi você desmerecer a pós, como disse o Adriano. Certamente você é um cético como eu e inclusive o Adriano não tem muitas ilusões sobre a vida acadêmica, mas de uma coisa eu e o Adriano concordamos: o sistema está muito longe de ser o melhor ou o mais justo, mas somos aquilo que somos e mais nossas circunstâncias e no caso brasileiro, com suas leis trabalhistas anacrônicas, com uma pesquisa dependente apenas do Estado e de grandes companhias (a maioria estatal), a mudança do modelo será lenta e sempre aquém da necessidade dos novos profissionais. Certamente aumentar as atribuições da Universidade e de seus professores não vai ajudar muita coisa.
Grande abraço
Ronaldo
Olá Ronaldo,
Fico muito feliz com o seu comentário. Me lembrei da época que frequentava muito o Bafana Ciência, que me inspirou a abrir o meu blog. Como você bem sabe este é um espaço livre para discussão, mas é carregado de opiniões pessoais e que não precisam ser imparciais. Não somos jornalistas e, quem acompanha nossos blogs, sabe sobre nossa vida e nossas opiniões. E como isso influencia nos nossos textos.
Como você bem colocou, em nenhum momento eu desmereço a pós-graduação. Acho que é comum lermos um texto crítico a um aspecto importante da nossa vida profissional com várias pedras na mão, mas temos que tentar evitar isso ao máximo. Defender de forma cega o sistema é tão errado quanto só ver os pontos negativos do sistema. Por isso tentei fazer o texto de forma crítica, mas com argumentos. No final eu até digo para os alunos fazerem sim uma pós-graduação, mas buscarem informações sobre o mundo exterior. O que eu acho que todos nós concordamos.
Sei que existem bons e maus laboratórios, como bons e maus professores. Assim como bons e maus profissionais da divulgação científica (no meu caso). O que acontece é que nós que já estivemos ou estamos dentro da academia temos a tendência de não falar sobre os aspectos negativos da área. Como eu tenho a tendência de não falar os pontos negativos da divulgação científica. Espero ter contribuído para levantar uma discussão que é pouco tratada, mas pode ser mais comum do que achamos.
Obrigado novamente pela contribuição ponderada e bem colocada.
Abraços.
Olá Luis vamos lá. Mantenho a guarda alta em uma discussão porque acho que esta é a forma de se discutir quando se tem uma opinião formada e segurança dos argumentos que estão sendo colocados. Não vim aqui perder meu tempo para ser político, prefiro atacar a questão de forma clara e direta e embasar o que penso com argumentos. Aliás, tenho acompanhado a publicação de artigos científicos que discutem a importância de blogs em Ecologia e um dos argumentos apresentados é de que as discussões em blogs, como são livres de julgamentos de pares, devem ser o mais francas o possível, resguardando apenas ofensas pessoais. Este é meu posicionamento, que pode parecer pessoal, mas na verdade é franco.
Passado o sentimentalismo, vamos ao que interessa. Meu tom de crítica, o qual vc insinua que seja "demasiado defensivo" se dá pois eu represento a academia dentro da discussão, e embora vc "politicamente" diga que não acusa a conduta de professores ou do sistema educacional, vc também não contabiliza a responsabilidade dos alunos e também não reconhece a importância da competitividade para a manutenção dos níveis de qualidade acadêmica. Minha representatividade e opinião contrária a sua são extremamente legítimas. Digo isso pq frequentei o mesmo laboratório que vc frequentou parte da sua formação, fomos formados no mesmo curso de graduação e pós-graduação e, portanto, passei pelas mesmas mazelas a qual vc descreve no seu texto. No entanto, alcancei meu objetivo que sempre foi o de trabalhar na academia, e nunca precisei fazer nada além de trabalhar duro e focado para isso. Não estou dizendo que não presenciei na minha vida de discente injustiças, complôs, panelas, cambalachos dos mais variados no ambiente acadêmico (vc sabe que presenciei), mas nunca me nivelei por baixo ou deixei isto abalar a motivação que eu tinha de me tornar pesquisador. Uma coisa que a maioria dos alunos (não profissionais maduros) pensam erroneamente e imaturamente sobre a universidade, é que esta é um mundo paralelo e justo e que não reflete a competitividade da vida real lá fora. Me diga uma empresa ou profissional atuante no mercado de trabalho que não se depare com as mesmas coisas que vc citou sobre a pós-graduação?! Acho que se vc quiser advogar em prol de pós-graduação para todos vc precisa começar a advogar por mais justiça e oportunidades em escalões mais básicos para o ensino fundamental, médio, para mais vagas nos vestibulares e etc... Me parece muito estranho reclamar do ambiente competitivo do "publish or perish" que ocorre no topo do sistema educacional sem mencionar os pontos positivos que tal cultura também pode trazer. Obviamente, quando vc diz que levo pro lado pessoal, estou sendo novamente franco em saber a que tipo de "publish or perish" vc está se direcionando e onde ele é praticado, mas novamente meu caro, vc está nivelando todo o sistema de pós-graduação e pesquisa no Brasil por baixo e isso é injusto com quem trabalha de forma correta e teve na pós-graduação (a mesma que vc cursou) a oportunidade de conseguir alcançar seus objetivos profissionais e realizar seus sonhos de forma honesta.
Vamos agora a discussão dos dois pontos que coloquei que vc criticou. Vc diz que os alunos não tem informações sobrando sobre cursos, orientadores e mercado de trabalho fora da academia. Talvez um aluno iniciando a graduação de fato não tenha Luis, mas vc vir tentar me convencer que um profissional formado com pelo menos 23 anos de idade não teve tempo ou iniciativa de buscar se informar sobre o que fazer do seu futuro profissional, é no mínimo cômico e novamente imaturo. O fato da sua opinião encontrar apoio em artigos publicados, não muda em nada meu ponto de vista, até porque existem centenas de contra argumentos que podem ser colocados em defesa do pq não é obrigação da Universidade (professores e pós-graduações) pegar nas mãos dos seus alunos formados e com mais de 23 anos de vida e mostrá-los a esta altura do campeonato que eles precisam estar atentos para as oportunidades de sua área de formação, pois não há mercado de trabalho suficiente na academia para todo mundo. Me diga outra coisa, que área de formação ou mercado de trabalho absorve todos os profissionais formados? Até onde eu saiba isso não é uma exclusividade da academia, e a meu ver a competitividade tem que ser mantida como forma de incentivar o trabalho duro e consequentemente a melhoria na formação dos recursos humanos. É uma utopia achar que existe mercado de trabalho para todos. Isso não ocorre em nenhuma carreira ou curso em lugar nenhum do mundo. Sobre este ponto lanço aqui meu último questionamento? Na sua opinião o que mais a Universidade (digo professores/pesquisadores e sistema de pós-graduação) precisa ser responsável? Fico muito triste quando às críticas à academia a qual eu faço parte são fundamentadas e generalizadas tendo como ponto de observação a atuação de maus profissionais. Gostaria de ver discussões que enaltecessem os bons profissionais e suas atividades na academia. Por exemplo, pouco se fala sobre a carga de trabalho e responsabilidades atribuídas a um docente com dedicação exclusiva numa instituição pública de ensino superior no Brasil. Antes de depositar mais responsabilidades sobre as costas da Universidade vale a pena lembrar que docentes (novamente os sérios e éticos) tem atribuições como se dedicar ao ensino (que na maior parte das universidades federais do Brasil exige no mínimo 8 horas semanais e não 2 ou muitas vezes nenhuma conforme o local onde vc obteve suas experiências), pesquisa (e todas as suas facetas como estudar, orientar, conseguir recursos, publicar, dar pareceres como consultor de órgãos de fomento e em periódicos científicos), extensão (organização de eventos científicos, palestras para comunidade, redação de textos de divulgação) e atividades administrativas (tais como chefias de departamento, coordenação de cursos de graduação e pós-graduação, representantes de centros e colegiados e etc...). Me parece muito cômodo de sua parte e também dos autores do artigo da Nature acharem que de fato a decepção ou frustração de pós-graduandos egressos das universidades que não conseguiram seu lugar na academia devem ser cobradas dos docentes e das pós-graduações.
Vc diz que não toca no assunto sobre a valorização da ciência básica x aplicada. De fato não diretamente, mas certamente seus argumentos indicam claramente sua opinião, e não é preciso ser muito esperto pra perceber isso. Não guio a minha opinião pessoal pelo que está escrito na resolução 227. Posso até concordar com vc que isso é importante para direcionar a escolha de um aluno que entra num curso de graduação, mas novamente é ridículo após passar 4 anos dentro de um curso de Biologia da universidade continuar acreditando na resolução 227 como parâmetro para decidir fazer uma pós-graduação. É no mínimo assinar atestado de que foi alienado durante os 4 anos do curso para acreditar na politicagem que envolve os conselhos profissionais no Brasil. Lembre-se nossa discussão envolve a pós-graduação onde se assume que estejamos lidando com profissionais formados e portanto conscientes e cientes de todos os poréns que envolve em cursar um curso de pós-graduação stricto sensu, principalmente de uma área de ciência básica. Sabe Luiz seu argumento de que apenas ecólogos ou biólogos são capazes de resolver problemas ambientais práticos podem até estar corretos atualmente, mas se a Biologia se preocupar em fazer aquilo em que é melhor e mais fundamental relativo a sua função que é a de gerar conhecimento de qualidade e indispensável para o futuro da sociedade, ao invés de se preocupar em abraçar o mundo, vc acha mesmo que os as disciplinas básicas de biologia não serão mais requisitadas e vistas como indispensáveis no currículo de uma carreira aplicada. Eu vejo isso claramente na Medicina, onde nenhum médico é formado sabendo o funcionamento celular ou como funciona um sistema imunológico. vejo isso ainda mais sedimentado nas engenharias conforme citei, vc acha que um engenheiro competente se forma e se torna capaz de construir uma ponte sem saber bem física e matemática. Da mesma forma, meu sonho é que vai chegar o momento em que as disciplinas da Biologia serão vistas com respeito e consideradas indispensáveis para a formação dos profissionais destinados a aplicação do conhecimento nas carreiras de engenharia ambiental, florestal e etc..., só que para isso a Biologia vai precisar mostrar seu valor naquilo que só ela pode fazer em seu campo, produzir conhecimento científico de qualidade capaz de fundamentar os currículos das carreiras mais aplicadas. Isso não é lavar as mãos, isso é defender o papel da academia na geração de conhecimento básico de qualidade e que para isso, as pós-graduações das áreas de ciência básica precisam sim focar em formar bons cientistas.
Vc terminou seu texto discordando da crítica que fiz sobre a sua generalização sobre o sistema escravocrata que vc prega ser de praxe nos laboratórios do Brasil e do mundo e termina me dizendo para eu conversar mais com os alunos. É engraçado pq novamente, vc age como se eu tivesse nascido professor/doutor/pesquisador e não tivesse vivenciado as mesmas experiências que vc durante minha formação. De fato o que vc falou acontece em muitos laboratórios no Brasil e no mundo mas novamente vc é injusto em considerar ou dar crédito as muitas situações onde o seu argumento não se aplica. Além disso vc também só considera como opinião a visão de quem cursou uma pós-graduação e que por alguma contingência ou escolha não conseguiu seu posicionamento na academia. Não seria interessante perguntar e considerar também nesta discussão a opinião de quem cursou uma pós-graduação e foi feliz em atingir seu objetivo? Eu também sugiro a vc conversar com professores (aqueles que vc sabe que conquistaram seu lugar na academia dignamente) e perguntar a opinião deles sobre tudo o que foi discutido aqui. Desta forma, seu blog seria mais informativo e menos parcial considerando e aceitando os pontos de vista dos dois lados.
Parafraseando vc, para finalizar eu também acho que sou uma das pessoas mais corretas para "discordar" de grande parte do que vc colocou no seu post e de certa forma "defender" parcialmente o sistema. Pois como vc, eu também estive dentro dele e de forma honesta e trabalhadora, soube aproveitar o que o sistema tinha de bom ao invés de depositar minhas e frustrações na falha do sistema. Como vc também terminei minha pós-graduação mas continuei na academia e também encontrei muitas pessoas com a mesma trajetória que a minha o que também reforçou minha opinião, assim como vc reforçou a sua. Não neguei direito de ninguém em falar nada (lembra de um dos propósitos do Blog) e também acho que temos sim que discutir muito estes pontos de vista. Fico feliz pois agora acho que a visão dentro da discussão está mais balanceada com opiniões diametralmente divergentes sobre o assunto de pessoas corretas e que viveram uma realidade muito semelhante em suas formações, mas que tiveram uma leitura e posicionamento da situação diferente levando a sentimentos de satisfação e insatisfação quanto aos assunto debatido. Sem dúvida seu post e a discussão decorrente dele irá servir para permitir também que futuros pós-graduandos saibam a responsabilidade e o principal objetivo que se deve ter ao cursar um doutorado numa pós-graduação stricto sensu em Biologia em uma universidade pública ou instituto de pesquisa no Brasil.
Abraços
Olá Luiz quanto tempo né? Como estão indo as coisas? Bom Luiz encontrei seu post indicado por um aluno de uma disciplina que estou ministrando sobre filosofia e metodologia científica. Discutimos em sala o seu post e disse à turma que conhecia vc dos tempos da UFRJ. Após a discussão que foi muito frutífera, achei que seria importante adicionar alguns comentários a sua visão. Concordo com muitas opiniões que vc colocou em seu post, mas sou diametralmente contra algumas mensagens que talvez não estejam tão claras para a maioria dos leitores, e que a meu ver fazem com que professores/pesquisadores éticos, programas de pós-graduação sérios e sobretudo a própria ciência sejam também atingidos negativamente.
Minha primeira consideração é em relação ao principal tema de discussão de seu post, se existe vida para um pós-graduando fora da academia. A resposta inicial e óbvia em minha opinião é sim, embora concorde que nem sempre isso está claro para o aluno. É importante considerar nesta discussão, se vc está se remetendo a pós-graduações em geral, de diferentes disciplinas ou especificamente a uma pós-graduação de uma ciência básica como a Ecologia, ou ainda mais além, a um programa de pós-graduação em específico onde vc talvez tenha vivenciado grande parte das experiências que o fizeram opinar desta forma. O segundo ponto importante, o qual eu discordo fortemente da sua opinião, é colocar o aluno como vítima das suas escolhas individuais. Vou começar a argumentar o segundo ponto primeiro. Muitas vezes nos esquecemos de que um aluno que ingressa numa pós-graduação, não é mais um aluno, mas sim um adulto e um profissional formado ao longo de pelo menos 4 anos em uma universidade. Além disso, a grande maioria destes alunos desenvolveram projetos de iniciação científica nos laboratórios onde muitos deles buscam futuramente uma vaga na pós-graduação. Em minha opinião estes profissionais precisam chegar a este ponto sabendo o que querem e o que precisam fazer e onde fazer para conseguirem seus objetivos futuros. Isso inclui saber escolher (entre tantas opções na própria universidade e no mundo afora) um orientador/professor/pesquisador capacitado e ético profissionalmente que vá de fato dar o devido suporte técnico que um pós-graduando necessita para atingir com sucesso os objetivos que são propostos pelos próprios alunos em seu plano de trabalho. Acho covarde colocar a culpa na pós-graduação ou nos próprios orientadores a escolha errada que leva o aluno a não cumprir com o seu dever ao assumir um compromisso com um orientador e com um sistema educacional que ele mesmo sabia (ou como bom profissional deveria saber) como funcionava. Obviamente não estou defendendo profissionais incorretos nem programas de pós-graduação duvidosos, só estou chamando a atenção para um ponto que não está claro no seu post mas que é muito importante em toda a discussão, o livre arbítrio do aluno em fazer sua próprias escolhas de futuro. O uso inteligente do livre arbítrio do aluno em minha opinião já indica o quão competente profissionalmente este profissional será. Todos nós sabemos que o mundo está cheio de situações, serviços, condições, locais, pessoas, empresas ruins e boas, e que nós fazemos escolhas o tempo todo buscando aquilo que é melhor para as nossas vidas. Na universidade e na pesquisa logicamente não seria diferente. Fizemos escolhas em prestar vestibular para uma dada universidade porque considerávamos que aquela era a de melhor qualidade e ou que tinha o curso que nos interessava. Ao entrar nesta universidade, conhecemos professores/pesquisadores e o funcionamento ode seus laboratórios e modelo de trabalho e temos muitas opções para escolher. Neste ponto, embora concorde com vc que existem em todas as universidades muitas opções de laboratórios/orientadores com profissionalismo duvidoso, este padrão ainda não é a maioria. Ou seja, é possível sim encontrar locais de trabalho sérios onde um pós-graduando possa desenvolver e alcançar TODOS os objetivos propostos por ele mesmo em seu plano de trabalho, incluindo a publicação de artigos científicos. Certamente nestes locais sérios que existem sim aos montes dentro das universidades do Brasil e do mundo, o cenário que vc descreve de aparente escravidão dos alunos de pós-graduação não ocorre. Posso dizer isso, mencionando os laboratórios associados ao programa de pós-graduação em ecologia da UFRN, o qual eu faço parte. Mas conheço muitos outros locais no Brasil e no mundo, onde o andamento do laboratório se da através de uma parceria entre o orientador e seu grupo de pesquisa, respeitando as responsabilidades, direitos e deveres que cada integrante tem neste sistema.
Agora volto para discutir o primeiro ponto que mencionei, de que se sua colocação era direcionada a toda e qualquer pós-graduação independente da área. Alunos que cursam pós-graduação em carreiras mais aplicadas, como tecnologia da informação, engenharias, medicina e etc... Certamente em sua maioria não o fazem buscando um conhecimento ou título que os permitam uma posição acadêmica. A razão é óbvia, pois em áreas de carreiras aplicadas existe um mercado de trabalho muito mais promissor que remunera melhor do que a academia. Posso assegurar que se um aluno de doutorado de tecnologia da informação lesse seu comentário ele acharia estranho e pelo menos pensaria, "nossa, achei que fosse o contrário", ou que há vida para um pós-graduando de TI fora do mercado de trabalho produtivo? Agora se o seu comentário foi específico para os profissionais que cursam pós-graduação em ecologia ou demais áreas de ciência básica como matemática ou física, a coisa obviamente muda de figura. Isto pq, tais carreiras se enquadram na categoria de ciência básica, que como o próprio nome já diz, prevê a formação de um profissional que atue, não exclusivamente, mas primordialmente na geração ou repasse do conhecimento científico de base, necessário e indispensável para sustentar todas as demais carreiras que se enquadram nas áreas aplicadas. Por mais que existam demandas por aplicação do conhecimento a necessidade da existência de profissionais que se dediquem a ciências básicas e geração do conhecimento, e consequentemente que dediquem suas carreiras a academia, sempre irá existir, pois é ali que surge a base para tudo de aplicado que a sociedade mais tarde irá usufruir. Daí para não fugir ao seu objetivo inicial, uma pós-graduação de uma ciência básica, é construída sobre um currículo que em sua maioria inclui conhecimento de base. Neste ponto a raiz dos dois problemas q mencionei se encontram. Primeiro ainda não existe e provavelmente nunca vai existir, um grande numero de oportunidades no mercado de trabalho que absorva um pós-graduando em uma área de ciência básica. Isso pq, na maior parte dos casos a formação profissional que, por exemplo, um ecólogo precisa ter para trabalhar fora da academia, é bem diferente e menos específica do que a ministrada nas pós-graduações destinadas a formar profissionais que atuem na geração do conhecimento. O que fazer neste caso? Muda-se o currículo da pós-graduação de uma carreira de ciência básica para contemplar um currículo mais aplicado? Isso é muito discutido atualmente, mas minha opinião é que ao fazer isso deixaremos de fazer bem feito os dois lados. Acho que a ciência básica tem seu propósito e ele é fundamental demais para ser desconfigurado. Em minha opinião, o que deve acontecer, e que já vem acontecendo, é que se existe uma demanda por profissionais que apliquem conhecimento básico, que então cursos que tenham este objetivo sejam criados e atraiam pessoas (alunos) interessados na atuação mais aplicada e fora da academia. No caso da Ecologia isso já acontece e a meu ver positivamente. Hj em dia cursos de ciências ambientais, engenharias florestal, ambiental e sanitária, são cursos voltados para a aplicação de conhecimentos que são gerados na Ecologia. A Física é forte e reconhecida como tal pois não se importou das engenharias elétrica, civil, mecânica e eletrônica lhe roubarem alunos ou espaço. Ela se manteve forte e incólume fiel ao seu objetivo pq o que ela produz não é produzido nas demais carreiras aplicadas. Portanto, a complementaridade ao invés da competitividade entre carreiras deve ser perseguida. Onde entra novamente a responsabilidade do aluno? Ele deve saber que se ele quer escolher como futuro trabalhar com aplicação do conhecimento em uma empresa ou qualquer outro lugar, suas chances serão bem maiores se ele se dedicar a um curso de graduação ou pós-graduação mais condizente com os seus objetivos profissionais. Para isso ele novamente precisa se informar e exercer com maturidade seu livre arbítrio, pq opções existem. Para mim é pelo menos imaturo, um profissional formado escolher fazer um doutorado (a especialização máxima do nosso sistema educacional) em uma área de ciência básica (conhecendo seus objetivos) se ele busca algo diferente do que atuar como cientista ou educador em nível superior. Note que esta opinião é diferente de dizer de que quem tem um doutorado em Ecologia (no caso) não pode ou deve trabalhar fora da academia. Minha opinião é que esta é ou deveria ser sabidamente uma escolha que claramente possui os seus poréns. Não me parece correto reclamar de um sistema quando se esta dentro dele ou se passou por ele sabendo de antemão como era seu funcionamento ou quando se sabia ou se deveria saber anteriormente da existência de opções mais apropriadas.
Minha mensagem Luiz vem em defesa da ciência básica e da pós-graduação de qualidade. Acho que o seu discurso talvez não intencionalmente acabe pondo em cheque a necessidade, seriedade e beleza por detrás da produção do conhecimento científico o qual para existir depende da existência de pós-graduações sérias. É necessário cuidado para não deixar que nossas opiniões sejam contaminadas por experiências e vivências pessoais talvez não tão agradáveis e que foram frutos de nossas próprias escolhas profissionais. Grande abraço!
Olá Adriano, obrigado pelo comentário. Fico feliz de saber que meu texto tenha gerado discussão em sala de aula.
Bem, seu comentário foi bem longo e acho que deve ser analisado de forma completa. E como eu discordo de vários pontos vou tentar ser o mais claro possível para evitar falha na comunicação como eu acho que você teve do texto original.
Primeiro, aparentemente você levou o meu texto para o lado pessoal. Que eu estaria criticando uma pós graduação específica ou até a minha própria trajetória na ciência. Acho que você deveria reler o texto e ver que eu coloco sim uma frase de um professor específico como uma ideia inicial, mas minha crítica vale para qualquer professor, de qualquer pós-graduação. Além de levar para o lado pessoal você interpretou que eu estou acusando os professores ou até mesmo cursos inteiros de pós-graduação. Você até insinuou que seria covarde colocar a culpa nos professores, sendo que em nenhum momento eu afirmei que a culpa era só deles, como indivíduos. Acho que você está tendo uma posição defensiva demais, e talvez fosse importante reler o texto com a guarda um pouco mais baixa.
Depois de acalmarmos um pouco os ânimos, podemos discutir os argumentos. O grande argumento que você coloca pode ser dividido em duas partes. O argumento do livre arbítrio do aluno, que escolhe o curso/orientador/pós-graduação que preferir. Podemos dividir este argumento em duas partes: 1) que o aluno teria a liberdade de procurar informações extras não relacionadas ao curso tanto antes como depois da graduação e 2) que o mesmo poderia procurar um curso mais aplicado se quisesse, já que alguns cursos, na sua argumentação, seriam apenas (ou pelo menos na sua maior parte) de ciência básica. Vou discutir essas duas partes mais detalhadamente.
A primeira, de que o aluno tem informações sobrando sobre cursos, orientadores e, principalmente, opções fora da academia na minha opinião é falsa. Bem, não é só minha. Se você ler os trechos que eu citei de um editorial e um artigo da Nature (acho que seria mais interessante ler os textos completos) você vai ver que a ideia é basicamente a mesma. O texto afirma que é dever das universidades (o que inclui professores e pós-graduações) informar os alunos sobre carreiras fora da academia. E não é só isso. Que as universidades deveriam ajudar os alunos a terem mais contatos que serão importantes fora da academia. Isso deixa claro que na opinião do editorial da Nature essa informação não é repassada para os alunos, pelo menos não como deveria. Isso não significa um desvio de ética ou que os cursos/professores não são bons (como você frisa em várias partes do seu comentário, levando novamente para o lado pessoal). Isso significa apenas que os professores não abriram os olhos para a realidade, que não há vagas para todos os alunos na academia. Também citei no texto um dado dos EUA, de um curso que você considera apenas como de ciência básica. Menos de 10% dos doutorandos em Biologia seguem na carreira acadêmica. Então acho que, no seu ponto de vista, os outros 90% são “pelo menos” imaturos? É isso mesmo? Tenho certeza que no Brasil os dados não seria muito diferentes. Então pode me colocar no grupo dos imaturos, com 90% dos outros biólogos que saíram da academia.
A segunda parte é sobre ciência básica ou aplicada. Em nenhum momento no texto eu falo que ciência aplicada é mais importante do que a básica. Podemos discutir isso, mas não era o foco do texto. Acho mais interessante discutirmos o seu ponto de vista sobre cursos de biologia. Se você ler a resolução nº 227, de 18 de agosto de 2010 do CFBio, vai ver no artigo 3° que das 13 atividades profissionais de um biólogo, 12 são atividades “aplicadas”. Então será que realmente o curso de biologia deve ser focado “primordialmente” em pesquisa de base? Essa pode ser a sua opinião, mas aparentemente não é a do conselho que representa os biólogos do Brasil. Então, na opinião do conselho e na minha, biologia é muito mais do que isso. Não podemos deixar todas essas outras 12 atividades para outras carreias, que você argumenta que seriam mais indicadas para quem quer algo aplicado. E acho muito arriscado seguir o seu conselho, na verdade. Cursos de engenharia ambiental, por exemplo, chegam a ter apenas uma ou duas disciplinas de Ecologia. Você acha que este profissional será plenamente capacitado para entender a relação do ambiente e dos organismos na hora de decidir sobre a construção de uma hidrelátrica? Acho que lavar as mãos e dizer que isso é função de outros cursos é no mínimo questionável. Ainda mais quando os outros cursos não apresentam disciplinas que para formar um profissional completo. Para mim a graduação em Biologia deveria apresentar mais disciplinas aplicadas, tanto para formar melhores profissionais quanto para mostrar para eles carreiras atividades diferentes da pós-graduação.
Quanto a “escravidão” dos pós-graduandos, me desculpe, acho que você precisa conversar mais com os alunos. Tudo o que eu descrevi no texto acontece todos os dias dentro de qualquer laboratório do Brasil e do mundo. Não falei nada novo e nem dramático como você colocou. No texto eu só falo que é incorreto acreditar que o trabalho do pós-graduando é só publicar artigo ou defender sua tese, que ele faz muito mais do que isso. E que não reconhecer isso é no mínimo estranho.
Para finalizar, eu acho que sou uma das pessoas mais corretas para “reclamar” do sistema. Só se pode fazer uma crítica verdadeira quando você já esteve dentro dele. O que é o meu caso. E ter saído do “sistema” me fez conhecer muitas pessoas que também tiveram a mesma trajetória. Acho que você, de certa forma, me negar este direito mostra que devemos discutir sim este assunto, dentro e fora de sala de aula. E espero que o meu post ajude a futuros pós-graduandos a pensarem um pouco fora da caixa e verem que a biologia é muito maior do que apenas ciência básica.
Abraços.