A Inteligência Artificial concretizou a vitória do algoritmo pela atenção humana?
Por Ivan Monteiro
Em janeiro de 2025, o número de usuários ativos em mídias sociais atingiu a marca de 5,24 bilhões de perfis. Em números brutos, ignorando que uma pessoa pode ter mais de um perfil em plataforma, essa marca representaria 60,6% da população mundial (KEMP, 2025). Paralelamente, uma pesquisa global conduzida pelo Google em parceria com a Ipsos, empresa especializada em pesquisas de opinião pública, revelou que o Brasil está acima da média mundial no uso de inteligência artificial generativa, utilizada em plataformas como ChatGPT, Google Gemini, entre outros (IPSOS, 2025). O estudo, realizado em 2024 com 21 mil pessoas em 21 países, incluindo mil brasileiros, apontou que:
● 54% dos brasileiros afirmaram já ter utilizado ferramentas de IA generativa, contra uma média global de 48%;
● 65% dos entrevistados no Brasil disseram confiar no potencial da tecnologia, enquanto a média mundial foi de 57%.
Esses dados evidenciam um cenário de ampla adoção e de crescente confiança no país em relação uso das IAs (IPSOS, 2025). Ao mesmo tempo, tais números trazem uma reflexão: poderíamos estar caminhando, enquanto sociedade, para um contexto em que as pessoas vão, cada vez mais, desenvolver uma maior dependência dessas tecnologias?

Inteligência Artificial, Algoritmos e seus impactos
Mas o que é Inteligência Artificial? De forma simplificada, Barroso e Mello (2024) refletem que a Inteligência Artificial pode ser entendida como o desenvolvimento de softwares cujas habilidades abrangem tarefas cognitivas e processos de tomada de decisão, geralmente baseados em dados, parâmetros e objetivos previamente definidos. Segundo Russell (2016), as Inteligências Artificiais englobam tarefas como aprendizagem, raciocínio, planejamento, percepção, compreensão de linguagem e robótica. Peixoto e Silva (2019) acrescentam que as IAs dependem de diversos métodos de aprendizado, como machine learning e deep learning, que variam do aprendizado supervisionado ao não supervisionado. Tais métodos permitem que sistemas computacionais aprendam e façam previsões a partir de dados históricos, melhorando seu desempenho por meio da análise e modelagem de dados (Smola e Vishwanathan, 2008). Ao mesmo tempo, esses mesmos métodos podem apresentar graves vieses que acabam por reafirmar hierarquias sociais.
Na Inteligência Artificial, os algoritmos são essenciais, pois estruturam os processos que permitem às máquinas aprender, raciocinar e agir de forma inteligente, seguindo regras finitas, claras e eficazes para transformar dados de entrada em resultados (Lage, 2023; Cormen et al., 2009). Além disso, os algoritmos são sequências bem definidas de passos para resolver problemas, independentes de linguagem de programação, e constituem a base dos programas de computador. Embora o conceito não seja novo ou mesmo exclusivo da computação contemporânea, foram os computadores que possibilitaram acelerar e expandir seu uso (Lage, 2023; Cormen et al., 2009).
Algoritmos por todo o lado

O uso de algoritmos nas redes sociais hoje molda o que bilhões de usuários vêm, influenciando desde o que nos é sugerido como conteúdo em plataformas de mídia social, até mesmo as opiniões que conformamos nesses espaços. Em um artigo da BBC (Barrett, 2024), Kai Riemer e Sandra Peter, professores da University of Sydney Business School, contextualizam que, no início, a internet ensejava ser algo que se assemelhasse mais a uma esfera pública digital, tendo como norte um fluxo mais livre de informações, ao menos em teoria. No entanto, mais recentemente,
“os algoritmos nas plataformas de redes sociais remodelaram fundamentalmente a natureza da liberdade de expressão, não necessariamente restringindo o que pode ser dito, mas determinando quem pode ver qual conteúdo” (Barrett, 2024).
Esse cenário evidencia a crescente disputa pela atenção e levanta questionamentos sobre quem a controla e como isso influencia o cotidiano de milhões de usuários ao redor de todo o planeta, tanto por conta do uso das redes sociais, quanto pelas ferramentas de Inteligência Artificial em plataformas como ChatGPT, Google Gemini, entre outras.
O mesmo é apontado por Yuval Noah Harari, historiador formado pela Universidade de Oxford, que coassinou um artigo no The New York Times com Tristan Harris, ex-cientista do Google, e Aza Raskin, criador do scroll infinito. Eles se preocupam com a possibilidade de que, em um futuro breve, o uso de inteligências artificiais se torne tão irrestrito a ponto dessas tecnologias acabarem, direta ou indiretamente, moldando histórias, melodias, imagens, leis, políticas e ferramentas, de forma cada vez menos visível ou mediada (Harari, Harris e Raskin, 2023).
“A IA por trás de nossos feeds de notícias ainda está escolhendo quais palavras, sons e imagens atingem nossas retinas e tímpanos, com base na seleção daquelas que serão mais virais e terão mais reação e mais engajamento”.
Essa seleção, segundo os autores, criou uma cortina de ilusões, levou pessoas à bolhas e culminou em um negacionismo desenfreado da realidade, da ciência e da política. Em entrevista para o portal espanhol La Vanguardia, Harari exemplificou que o algoritmo de recomendação presente em redes como TikTok e Facebook decide quais conteúdos terão mais visibilidade. “E isso molda a opinião pública, a cultura humana. Começamos a ver, e isso só vai aumentar, como as decisões dos algoritmos moldam a política, a cultura e a sociedade.” (Barranco, 2024).
A Inteligência Humana nunca foi tão necessária

Todos os receios sobre a IA foram e são importantes para trazer à tona debates sobre regulamentação e os impactos das novas tecnologias em relação à participação delas no mercado de trabalho e na vida cotidiana das pessoas. Voltando ao artigo publicado por Harari, Harris e Raskin (2023), eles concluem fazendo um apelo aos líderes mundiais.
“O primeiro passo é ganhar tempo para atualizar nossas instituições do século XIX para um mundo pós-IA e aprender a dominar a inteligência artificial antes que ela nos domine.”
A discussão sobre inteligência artificial não se reduz a uma dicotomia entre vitórias e derrotas. Contudo, permanece sob nossa responsabilidade coletiva, política e ética a condução dos rumos dessa trajetória. Esse processo requer, de forma imprescindível, a ampliação de debates públicos sobre a influência de tais tecnologias, bem como a aplicação de princípios éticos, responsabilidade social e criatividade.
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Referências Bibliográficas
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BARRANCO, Justo. Yuval Noah Harari: “Los algoritmos ya han matado a gente”. La Vanguardia, 3 set. 2024. Disponível em: https://www.lavanguardia.com/cultura/20240903/9907895/yuval-noah-harari-nexus-sapiens inteligencia-artificial-trump-israel-palestina.html. Acesso em: 29 maio 2025.
BARRETT, Nicholas. Como os algoritmos das redes sociais mudaram a liberdade de expressão. BBC Brasil, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cm2yjzpykg7o. Acesso em: 8 ago. 2025.
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CORMEN, Thomas H. et al. Introduction to Algorithms. 3. ed. Cambridge: The MIT Press, 2009.
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IPSOS (Institut Public de Sondage d’Opinion Secteur). Como os brasileiros enxergam a inteligência artificial (AI Monitor 2025). Ipsos, 2025. Disponível em: https://www.ipsos.com/pt-br/como-os-brasileiros-enxergam-a-inteligencia-artificial. Acesso em: 8 ago. 2025.
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PEIXOTO, Fabiano Hartmann; SILVA, Roberta Zumblick Martins da. Aprendizado de máquina e suas aplicações. 2019.
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