AmazonFACE: quando a ciência encontra a política em Brasília
Por Poliana Martins
No dia 16 de abril de 2025, o auditório do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em Brasília, foi palco de um encontro singular: o workshop “Ciência e Política em Mudanças Climáticas: o caso do Programa AmazonFACE”. Realizado em parceria com o governo britânico, o evento reuniu cientistas e representantes de mais de dez ministérios brasileiros para um diálogo urgente e necessário sobre como enfrentar, juntos, os desafios impostos pelas mudanças climáticas.

O AmazonFACE é hoje o principal projeto de cooperação científica entre Brasil e Reino Unido, e uma das maiores iniciativas experimentais sobre o futuro da floresta amazônica. Coordenado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com o Met Office (Instituto Meteorológico do Reino Unido), o projeto busca responder uma pergunta de dimensões planetárias: como a floresta amazônica reagirá ao aumento de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera nas próximas décadas? A mesma pergunta pode ser estendida para o que a ecologia e as políticas públicas tem chamado de serviços ecossistêmicos. Esse conceito diz respeito aos benefícios fundamentais gerados por um ecossistema para a sociedade.
O experimento utiliza a técnica FACE (Free-Air CO2 Enrichment), que consiste em expor parcelas de floresta intacta a taxas de CO₂ para simular o clima do futuro. A proposta é observar, em condições reais, como a floresta responde a essa perturbação. Mas não se trata apenas de medir gases e crescimento vegetal. O AmazonFACE é estruturado em seis grandes componentes de pesquisa. Além da área Socioambiental, sobre a qual falaremos mais abaixo, temos: Carbono, que estuda os fluxos e o armazenamento de carbono nos diferentes compartimentos da floresta; Nutrientes, focado na ciclagem de nitrogênio e fósforo e suas limitações frente ao aumento de CO₂; Água, que analisa as alterações no ciclo hidrológico da floresta; Biodiversidade, que busca entender como espécies vegetais tropicais com diferentes características funcionais respondem ao ambiente enriquecido com CO₂; e Modelagem, voltada à integração dos dados obtidos no experimento em modelos computacionais capazes de projetar cenários futuros para a Amazônia, testando hipóteses ecológicas, identificando lacunas de conhecimento e subsidiando políticas climáticas com base em simulações robustas. Juntos, esses componentes formam uma base interdisciplinar para compreender como a Amazônia responderá às mudanças climáticas nas próximas décadas.
Ciência que escuta, conecta e projeta
A área Socioambiental do AmazonFACE tem uma missão essencial: entender como o aumento do CO₂ e as mudanças climáticas afetam não apenas a floresta como ecossistema, mas também as pessoas que dela dependem – comunidades tradicionais, populações ribeirinhas, povos indígenas. Para isso, o componente integra conhecimento ecológico local, experiências de campo, escuta comunitária e modelagem computacional. O objetivo é promover uma ciência interdisciplinar que dialogue com as necessidades sociais e contribua com a formulação de políticas públicas efetivas.
No evento, os cientistas participantes do projeto apresentaram resultados e metodologias que apontam para a importância de pensar a floresta não como um espaço isolado de natureza, mas como um território habitado, vivo, em constante interação com fatores humanos, políticos e culturais. As mudanças no clima afetam a biodiversidade, sim, mas também a segurança alimentar, o acesso à água, as condições de vida de quem está ali. É essa interconexão que o componente socioambiental busca compreender.

Política com base em dados (e esperança)
O workshop também foi uma tentativa de reduzir o abismo entre quem produz conhecimento científico e quem decide sobre os rumos do país. Por um lado, representantes de ministérios como os dos Povos Indígenas, o do Meio Ambiente, o de Minas e Energia, dentre outros, apresentaram demandas e desafios concretos. Em troca, receberam projeções, dados e possibilidades geradas pelos cientistas do AmazonFACE. Desse modo, foi uma conversa que fugiu do tecnicismo estéril para entrar no campo da colaboração prática. Como afirmou Marko Monteiro (Unicamp), um dos coordenadores da área socioambiental e líder do GEICT, o evento foi “uma primeira tentativa de aproximar cientistas e formuladores de políticas para construir juntos”.

Mais do que apresentar resultados, o encontro em Brasília funcionou como um espaço de articulação. Um momento raro em que a política ouviu a floresta, mesmo que por meio de cientistas. E talvez esse seja o grande desafio do nosso tempo: transformar dados em decisões, experimentos em estratégias, cenários em compromissos. Fazer com que uma arena como essa aberta pelo workshop tenha como resultado o interesse coletivo frente aos desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Entre futuros possíveis e futuros desejáveis
Como escreveu Marko Monteiro, o AmazonFACE é uma “máquina para produzir o futuro”. Trata-se de substituir um futuro desconhecido por um futuro mais previsível, construído a partir de dados, mas também de imaginação científica. Por meio da tecnologia FACE, o experimento cria uma imagem palpável de amanhã – em forma de gráficos, mudanças vegetais e simulações numéricas – e permite que tomadores de decisão se antecipem a ele.
Mas não há apenas otimismo aqui. Há também uma melancolia implícita: a ideia de que talvez estejamos apenas aprendendo a lidar com o inevitável, que o fracasso em conter as emissões nos empurra para uma adaptação resignada. Ainda assim, como lembra o texto de Marko, essa produção de futuros especulativos baseada na ciência é também uma forma de resistência e de intervir no presente.
Ao tornar os futuros da Amazônia visíveis, o AmazonFACE ajuda a moldar o presente. E se os dados puderem encontrar a política no caminho, talvez ainda haja espaço para um futuro desejável – menos como previsão e mais como escolha coletiva. Porque, no fim das contas, imaginar é o primeiro passo para transformar.
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