O enigma desta semana foi bastante diferente. Tínhamos dois garotos — Pedro e Paulo — e suas bolinhas de gude. Sabendo que ambos eram igualmente habilidosos (e que Pedro tinha duas bolinhas e Paulo só uma), qual seria a probabilidade de Pedro ganhar? Mas essa não era a questão, pois demos duas respostas possíveis: 2/3 e 3/4. E só então perguntamos: qual dessas respostas é a correta?
Soluções dos leitores
Dez comentários foram dedicados à questão. Metade destes vieram do prolixo rafinha.bianchin, que começou intuitivamente:
[…] Meus pensamentos relativos a termodinâmica estatística me levaram a preferir a segunda… intuitivamente. Ainda mostrarei a minha demonstração.[…]
Após desculpar-se (sinceramente?) pela prolixidade e pedir uma anulação de resultado (!), o rafinha conseguiu comprovar a alternativa (a):
Pois bem, temos, naturalmente, que:
Pe-2Pa=0
Pe+Pa=1Oba, um sistema linear!
3Pa=1
Pa = 1/3
Pe + Pa = 1
Pe = 1 – 1/3
Pa = 2/3
Ótimo, mas isso só resolve o problema por exclusão. O Fabrício Lara, por sua vez, considerou que a resposta depende da ordem das jogadas. Ele explica:
[…]Como os dois tem a mesma habilidade, existe uma probabilidade igual de cada bola ganhar. Até aí, a resposta seria (a). Mas em cada jogada de Pedro há uma probabilidade de acertar a bola de Paulo, e ela sair do jogo. Pela experiência pessoal, essa probabilidade é alta, pois eu sempre mirava exatamente para que isso acontecesse.
Digamos que a probabilidade de uma colisão desse tipo acontecer seja x.
Então, se Paulo joga antes, a probabilidade de Pedro ganhar é 2/3+2*x-x^2 (2 chances para a colisão ocorrer, mas ela só pode ocorrer 1 vez).
Se Pedro joga antes, a probabilidade de ele ganhar é 2/3-2*x (tem 2 bolas pra Paulo acertar).
Se Pedro joga uma antes e outra depois, a probabilidade é 2/3-x+x=2/3 (como pode ocorrer uma colisão para cada lado, a probabilidade se anula).
Agora, para dar uma resposta definitiva, considero que em cada jogada, é sorteado qual dos dois joga. Então tem 1/4 de ser Pe,Pe,Pa; 1/4 de Pa,Pe,Pe; e 1/2 de Pe,Pa,Pe. Então a resposta final é que a probabilidade de Pedro ganhar é 2/3-x^2/4.
Bela tentativa, Fabrício.
O Vitor foi o primeiro a perceber a pegadinha lógica da alternativa (b):
Suspeito que a segunda opção está omitindo duas situações: Quando todas as bolinhas de ambos jogadores acertam igualmente e quando todas perdem igualmente. Desse modo, há um total de 6 possibilidades em que Pedro perde em 2 (pois quando todas perdem ele também perde).
Então fica 2/6 = 1/3
Exatamente: possibilidades escondidas! De certa forma, o Igor também percebeu isso. Apesar dos 15 minutos de atraso, ele conseguiu ser mais simples e direto:
A chance da primeira ganhar e a segunda perder é igual ao vice-versa, já que Pedro só pode jogar uma vez cada uma, não alterando a ordem.
2/3
E, enquanto redigíamos esta solução, o rafinha apareceu de novo só para — vê se pode! — nos cobrar pontualidade britânica nas respostas e nos ameaçar com um paradoxo barato: “Aliás, faz o favor de começar a por o horário da divulgação da resposta, senão eu começo a aplicar o paradoxo do prisioneiro!”. Ui, nós temos um fodão aqui!
Agora, falando sério, vamos à
Solução oficial
Como já notamos, a alternativa (b) é a errada, pois contém uma pegadinha. Em Riddles in Mathematics (1975), Eugene P. Northrop propôs o problema das bolinhas de gude tal como apresentamos e o resolveu da seguinte maneira:
A figura 115 [abaixo] mostra que há 6 possíveis resultados no jogo. As bolinhas de gude são mostradas diagramaticamente — a primeira de Peter [Pedro], sua segunda à direita. Os números nas bolinhas indicam se tal bolinha em particular foi a primeira, segunda ou terceira a ser jogada.
No quarto caso, por exemplo, a segunda bolinha de Pedro foi a primeira, a bolinha de Paulo a segunda e a primeria de Paulo, a terceira. Pedro ganha em 4 dos 6 casos — em todos, menos os 2 últimos, portanto. Consequentemente, a probabilidade correta é 2/3 e não 3/4.
Vejamos o que há de errado com a segunda solução sugerida. Nela, argumentava-se que são possíveis apenas os 4 casos a seguir: (I) Ambas as bolinhas de Pedro são melhores; (II) a primeira de Pedro é melhor e a segunda, pior; (III) a segunda de Pedro é melhor que a de Paulo e sua primeira, que é pior; (IV) ambas as bolinhas de Pedro são piores que a do Paulo. Agora, compare esses quatro casos, indicados com numerais romanos com os seis casos da figura 115, indicados por numerais arábicos. Vemos que (I) inclui (2) e (3), que (II) é o mesmo que (1), que (III) é o mesmo que (4) e que (IV) inclui (5) e (6). Enquanto os casos de (1) a (6) são igualmente prováveis, os casos de (I) a (IV) não são. O caso (IV) – o único que faz Pedro perder – é mais provável que o caso (II) ou o caso (III).
Parabéns ao Vitor e ao Igor, que conseguiram expressar a mesmíssima explicação de forma mais clara e mais sintética.
rafinha.bianchin
Ri muito com isso tudo.
Mas isso é pura termodinâmica estatística! Só faltou evocar Boltzmann.
E paradoxo barato não - falsídico é bem mais apropriado 😉
Igor Santos
O truque para resolver esse tipo de enigma é visualizar o problema do ponto de vista do outro personagem ou da situação contrária ao que está sendo descrito, como no enigma da cor dos chapéus.